Diante da situação político-econômica brasileira, como o País vai reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37%, abaixo dos níveis estabelecidos de 2005, até 2025, e redução em 43% abaixo dos níveis de 2005, até 2030, compromisso assumido durante o Acordo de Paris?
Dentre os diversos setores que podem contribuir com o cumprimento das metas estão o da mobilidade urbana. Para contribuir com a construção de um novo modelo nesse segmento, que estruture uma política de transporte público na capital, e posteriormente contribua para outras cidades brasileiras, o SEESP, fliado à Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), reuniu na tarde de quinta-feira (22), especialistas das áreas ambiental, tecnológica, mobilidade e comunicação para debater “Se a Lei de Mudanças Climáticas fosse cumprida, quanto São Paulo economizaria?”.
Enquanto em outros países, igualmente comprometidos com a redução de emissão de poluentes, estão em fase de implementação de seus projetos, o Brasil ainda discute um modelo. Entre as alternativas apontadas, está a eletrificação do sistema, que vem sendo adotado nas principais capitais mundiais.
“A questão do meio ambiente pode ser equacionada no Brasil se forem usadas as fontes de energia existentes, em abundância no País, como o gás e o petróleo, que vem com a exploração da camada pré-sal, devendo ser utilizados na cadeia produtiva para gerar energia elétrica, a qual já existem redes de distribuição e transmissão implantadas em todas as regiões. É muito mais fácil utilizar uma rede elétrica implementada, do que tentar implantar uma nova rede de gasoduto no interior, por exemplo, ou até mesmo em São Paulo. Isso seria mais difícil”, explicou Jurandir Fernandes, coordenador do Conselho Assessor de Mobilidade do Conselho Tecnológico do sindicato e presidente da União Internacional de Transportes Públicos (para a América Latina).
Ele lembrou que ainda assim haverá geração de gases nocivos à saúde humana e ao planeta. No entanto, ao determinar a transformação dessas fontes de energia em eletricidade, se fixa uma área para a sua deposição no ar. “Melhor emitir esses gases em uma estação fixa do que ter milhares ou milhões de motores gerando essa poluição em diversos pontos da cidade”, completou.
Coube a Fernandes a difícil tarefa de, ao final da atividade, fazer as conclusões sobre os conteúdos apresentados e apontar algumas soluções que serão analisadas mais atentamente por dirigentes do SEESP.
Foram muitas as ideias apresentadas ao longo do evento, começando com a fala do engenheiro, militante histórico do trólebus, Adriano Murgel Branco, responsável pela expansão da rede de trólebus em São Paulo, em 1978. Ele ressaltou dois pontos: os benefícios sociais e ambientais para a população que não entram na conta quando se vai planejar novos sistemas. “O lucro que o transporte coletivo dá para toda sociedade é no mínimo cinco vezes maior que os seus custos e os estudos precisam se concentrar mais nisso, até mesmo para convencer a sociedade e o próprio poder público sobre a necessidade de ampliação dos investimentos em mobilidade urbana e criação de políticas públicas que vão muito além de gestões que terminam em 4 ou 8 anos.”, afirmou.
“Se o passageiro anda menos tempo e de maneira mais confortável no ônibus, fica menos estressado, beneficiando a saúde, e produz mais, neneficiando o setor produtivo. Esses benefícios sociais não podem ser desprezados na hora de se calcular os custos de investimentos”, acrescentou.
Como Adriano Branco, outros debatedores levaram um pouco da história e curiosidades sobre o setor, como o fato de o motor movido a energia elétrica já existir em 1907, em cidades como Londres e Nova Iorque. A informação foi dada pelo representante da Associação Brasileira do Veículos Elétrico (ABVE), Vagner Rigon, em forma de ironia: “Naquela época, um vendedor conseguiu convencer o setor que um novo produto era melhor, movido a um tanque de combustível, altamente inflamável, embaixo do banco do passageiro, onde sentam seus filhos. Na frente, vai um motor com mais de 400 peças e a cada 10 mil quilômetros vai ter que trocar óleo e filtro, se não o fizer, vai travar. E durante toda a existência desse motor, vai gerar gás carbônico, material particulado, poluindo o mundo inteiro. Mas isso não será problema seu. É problema dos outros por que você vai pagar mais barato e ter mais lucro”.
Outras curiosidades foram mostradas pelo pesquisador Helio Oliveira, que apresentou alguns modelos clássicos, desde os primeiros modelos de ônibus, como o “Mamãe me leva” e o “King kong”, ambos fabricados pelos irmãos Grassi (em 1924 e 1934, respectivamente).
O presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô (Aeamesp), Pedro Machado, apresentou um levantamento sobre quanto a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e o Metrô geraram em benefícios sociais e econômicos para a Grande São Paulo e capital, em 2016: R$ 21 bilhões, levando em consideração redução de: custo de manutenção e operação de vias, da emissão de poluentes, da quantidade de acidentes, do consumo de combustíveis, do custo operacional geral dos transportes e do tempo de viagem de ônibus, automóveis e motos.
Machado enfatizou, no entanto, as dificuldades de se mensurar todos os ganhos proporcionados pelos transportes e de direcionar os recursos: “Quando eu economizo um tempo para chegar ao trabalho, é um benefício que veio para mim, enquanto que outro passageiro economiza gasolina por não usar o carro, gerando outro benefício para ele, na conta dele. A dificuldade é criar mecanismos que sejam legais ou mecanismos institucionais para se apropriar desses benefícios e que eles sejam revertidos para o próprio transporte”.
Mundo, América Latina , São Paulo
A gerente da divisão América Latina da UITP, Eleonora Pazos, começou sua apresentação lembrando que diversos países têm apostado nas parcerias público-privadas para tornar os investimentos em transportes limpos mais atrativos. Ela citou a tendência nas nações desenvolvidas da chamada eletrificação do sistema de transporte na Europa, Ásia e América do Norte.
“Começa a surgir no mundo inteiro o conceito de Fóssil Free para o transporte, semelhante ao glúten free, gordura trans free. Há um compromisso já feito por mais de 60 cidades no mundo que, para 2025, teremos uma nova realidade, em especial na Europa, onde haverá de fato uma revolução na emissão de poluentes. Seguramente, as grandes capitais terão outro barulho, já que os veículos elétricos não fazem barulho e ar completamente distinto, sem cheiro de diesel nas esquinas”, disse Pazos.
Para a especialista, é completamente possível aplicar sistemas semelhantes nas capitais latino-americanas. “Um estudo da UITP para a América Latina mostra que os custos (médios), por quilômetro percorrido, como trólebus a bateria e híbridos, levando em conta um ônibus de 18 metros de comprimento e com ar condicionado, são menores que os custos de veículos a diesel, com 20% de biocombustível no tanque (B20) ou a etanol. Ainda mais no Brasil essas vantagens de veículos à eletricidade se aplicam. Aqui não há problemas para prover energia”, enfatizou.
Ela lembrou, ainda, as metas bastante ambiciosas no Acordo de Paris, assumidas pelo governo brasileiro. “Cada cidade vai precisar assumir sua cota nesse esforço”, recordou.
Na cidade de São Paulo, os vereadores aprovaram, em 2009, a Lei de Mudanças Ambientais (14.933), que possui 51 artigos que estipulam medidas para que a cidade reduza as emissões de gases de efeito estufa e a contaminação do solo e da água, alterando as formas de produção, comercialização, consumo, deslocamentos e convivência da população. No entanto, um de seus artigos mais importantes, o de número 50, que prevê a substituição dos ônibus a diesel da frota das linhas municipais por veículos menos poluentes, como ônibus elétricos a bateria, híbridos, trólebus, a gás natural, biometano, etanol, biodiesel, entre outros modelos, não há sinal de que ele será cumprido. Até junho de 2017, nem 7% da frota de ônibus da cidade conseguem atender a legislação.
Ao final, Jurandir Fernandes concluiu que há um “posicionamento favorável em relação às fontes de energia não fosseis.” e que levará essas ideias e posicionamentos à presidência do SEESP. Entretanto, em relação à lei 14,933, foi categórico em classificá-la como um "devaneio".
“Um devaneio tremendo, feita no oba oba, dentro de uma onda de se fazer estatuto pra tudo: da cidade, da mobilidade, da metrópole, esta semana saiu o do pedestre. E ninguém lê, ninguém sabe como fazer para implementar. Daí não se implementa nada e denigre a gestão pública, as instituições, os funcionários públicos", lamentou.
Fernandes sugeriu que o grupo que vem se formando para debater as novas ideias o façam de maneira responsável "com concretude, com metas". "Vamos disseminar ideias mais concretas, criando bases com mais solidez, sem pensar em eleição, mas sim em política de estado".
Por fim, detalhou que a eletrificação do transporte pode se dar de forma parcial, pelos híbridos (ônibus movido à combustível e energia elétrica), mas que estão sendo substituídos pouco a pouco por carros 100% elétricos. Seja a partir de rede elétrica já existente (trólebus, por exemplo) seja através de baterias que estão tendo uma evolução a cada dia que passa. Ele indicou, ainda, a leitura das Recomendações de Políticas Públicas para Sistemas de Ônibus Elétricos na América Latina, produzido pela UITP.
Também participaram do debate Jorge Françozo, do movimento REspira São Paulo; Carlos Alberto, da EMTU; Olímpio de Melo, da ANTP; e o jornalista Adamo Bazani, do Diário do Transporte, que mediou um debate que ocorreu entre os convidados da mesa e da plateia.
Confira as apresentações feitas abaixo:
Evolução dos ônibus
Evolução dos ônibus 2
Custo do sistema Trólebus
Futuro Energético e Suas Tendências para o Transporte Públicopara o Transporte Público
Processo de Substituição do Diesel Convencional na Frota de ônibus Urbano
Transporte Elétrico em Debate - Aeamesp
Trólebus: presente e perspectivas
Realidade dos Ônibus Elétricos no Mundo - ABVE
Deborah Moreira
Comunicação SEESP