Saulo Krichanã*
Nas últimas semanas, várias notícias sobre a realização de investimentos em Concessões, foram divulgadas: a concessão de terminais urbanos, pela Prefeitura de São Paulo e a dos Terminais Metropolitanos do Governo do Estado de São Paulo; e, no âmbito federal, a oferta de 21 projetos de concessão e de 01 projeto de PPP, noticiados pelo Governo Federal, nos setores de aviação civil, energia (geração e distribuição), petróleo e gás, abastecimento, aeronáutica (a única concessão sob PPP), loteria instantânea e até a privatização da Casa da Moeda.
Para não falar da concessão para a exploração mineral e florestal, de uma vasta reserva natural e ambiental, incrustrada entre os Estados do Pará e do Amapá.
Infelizmente, mais um conjunto de factoides horrorosos, sob o ponto de vista dos fundamentos e da funcionalidade de que se deveriam revestir as propostas de projeto a serem realizadas sob o instituto das concessões e das concessões sob PPP.
No âmbito paulista – e corroborando um viés, de há muito já prevalecente – é doloroso verificar mais uma rara oportunidade de se integrar as visões de planejamento (?) e funcionalidade (?), quando se trata de falar de concessionar ativos que no seu todo fazem parte do complexo problema da Mobilidade Urbana, a partir de pedaços cuja soma funcional das suas componentes sempre estará distante da igualdade.
Ou seja, os projetos de concessão são tratados de forma fragmentada, isolada – como meros contratos de fornecimento de serviços desconectados – como não fizessem parte de uma mesma questão (no caso, a Mobilidade Urbana).
O maior desafio neste contexto está na vertente do transporte urbano de massa, mercê dos pesados subsídios que a gestão municipal e estadual tem que prover.
Antes que a questão da sucessão presidencial passasse a pontuar, as gestões da cidade e do estado poderiam se unir e multiplexar soluções e integrar projetos – da bilhetagem ao uso de Centros de Controle Operacional comuns, passando pela oferta compartilhada e, portanto, maximizada de áreas de terminais e a concessões de mobiliário urbano, até chegar à construção de corredores e outras funcionalidades comuns à questão maior e indivisível da mobilidade –, ai incluindo a operação final das operações de transporte realizadas no mesmo espaço funcional e espacial, pelos operadores do transporte de ônibus, metrô e trens urbanos entre outros atores.
Ou seja, se as concessões fossem de fato planejadas e articuladas em sua estruturação por parte do Poder Concedente – diretamente ou sob o chamamento isolado ou compartilhado com o setor privado —, o montante final das outorgas envolvidas poderia (senão zerar) pagar boa parcela dos subsídios pactuados com a sociedade civil no caso das gratuidades oferecidas à população.
No âmbito federal, o circo de horrores conceituais consegue ser maior: o que se relevou no anúncio – e é a tônica preponderante para levar os principais atores do governo a um périplo à China para apresentar esse show de horrores para atrair (?) investidores externos –, é a possibilidade de se acrescer cerca de R$ 40 bilhões, aos esforços do governo para financiar a sua mutante metamorfose ambulante, que é o seu desequilíbrio fiscal!
E ninguém – nem do mundinho institucional privado das concessões – se deu conta de pedir (ou mesmo exigir) que o governo declarasse o montante dos investimentos envolvidos e o que espera de contrapartidas de recursos para estes projetos de Concessão dos Parceiros Privados (do país e do exterior).
Ora, a se admitir que as outorgas somadas se refiram a 10% do total de investimentos a serem gerados, está se falando de cerca de R$ 400 bilhões de investimentos: o Parceiro Privado, entrará, por certo (?) , com pelo menos 80% deste valor (ou R$ 320 bilhões).
É isto mesmo?
A imprensa especializada e o aparato institucional privado que orbita em torno dos interesses dos projetos de concessão – eis que não se pode infelizmente esperar a mesma posição da classe política – deveria exigir que em todo anúncio desta natureza ficasse claro o montante de investimentos a serem mobilizados e como se fará a cobertura desses “anseios e desejos de concessão”.
Primeiro porque não pode ser que o Governo não tenha a mínima ideia de quanto valem os ativos que deseja concessionar, concessionar sob PPP, ou mesmo alienar para a venda final!
Se foram calculados os ganhos de outorga, é porque se possuía algum referencial!
Pois bem: qual é o valor de referência dessas contas? Por que não são divulgados – ou pior – reclamados pelos eventuais interessados?
Ou é uma conta de chegar? A ser aferida ou consistida pelas MIP ou pelas futuras PMI?
Em segundo lugar, qual é o modelo de concessão?
É o mesmo rame-rame das concessões anteriores, onde se estabeleciam regras burras para a definição do Capex, do Opex e do financiamento, já que eram apenas os megaplayers que dela participavam? E que por isso, os órgãos de controle exigiam altíssimos coeficientes de liquidez, baixo endividamento e elevadíssimo montante patrimonial, para que se pudesse ousar (sic) “bidar” nos certames licitatórios?
De que valem esses indicadores depois de uma situação de “estresse de risco” como a que está sendo vivida hoje: onde, os grandes players estão em recuperação judicial ou quase lá; e, de outro, o Poder Concedente também está em “default fiscal”, seja por sua inépcia de gestão econômica, criando situações potencias de reequilíbrio pela via de projeções magnificadas, seja pela conjuntura proibitiva que catapultou custos e despesas para patamares que conspiram contra a boa e saudável condução dos negócios de concessão?
As formas e os modos de concessão têm que ser revistos: eles ainda estão a depender dos empreiteiros (ou de alguém do tamanho relativo deles) para serem as pontas de lança das concessões. Seria imutável isso?
Não é: mesmo!!
Por exemplo, em Concessões de Parques Públicos —desde que o Modelo de Negócio seja viável – nada impede que empresas do Terceiro Setor sejam as empresas -líder da Concessão.
Mas como? Elas não tem Patrimônio Líquido (PL) adequado, ou mesmo – diz a lenda – não sabem cobrar ou fazer Capex…
As NPO (Non Profit Organization) do Central Park são empresas (sic) capexistas? Ou pertencem a Fundos de Investimento?
Não: elas definem o Capex necessário aos seus Modelos de Negócio e, entre outras alternativas, arrendam – via a locação comercial ou mesmo via o leasing operacional – o que for necessário. Da mesma forma que pagam pelos serviços de facilities e utilities necessários nas funcionalidades de Opex, sem que precisem – como já se está gestando aqui – dos barões das facilities de estacionamentos, segurança, limpeza e quejandos…
O que importa é que se gerem recebíveis securitizáveis (certificados por bons Modelos de Negócio) que podem ser negociados fora do mercado de dívidas, para não onerar ou aleijar com juros reais elevados, a geração interna de caixa das operações nascentes…
Se não for por essas vias de discussão das Concessões vira aquilo que já virou desde a semana passada: se voltou aos primórdios das discussões sobre funções de estado e da iniciativa privada. E, ao mesmo tempo, às velhas cantilenas ideológicas de estatistas saudosistas e de privatistas mais empedernidos que qualquer liberal anglo saxônico.
Ou seja, um montaréu de viúvas, viúvos, vampiros, e outras criaturas das trevas que enviesam o debate em função de suas taras ideológicas e sublimam a discussão da funcionalidade do que se está querendo na verdade discutir.
E, mais uma vez, usam-se concessões ou concessões sob PPP como panaceia; ou as demonizam junto à opinião pública, que só está querendo saber é quando os serviços em nome dos quais se reduz a sua renda disponível serão finalmente prestados pelos responsáveis de plantão: e aí, pouco importa se é por amantes do liberalismo, por entusiastas do estatismo ou se tenham sotaque estrangeiro ou interplanetário!
Importa quando estarão disponíveis e em quanto impactarão seus orçamentos: será preciso desenhar isso aos gestores do circo de horrores que nos assombra?
* Diretor geral do Instituto Superior de Inovação e Tecnologia (Isitec)