Rosângela Ribeiro Gil
Comunicação SEESP
Ela foi presidente da Delegacia Sindical do SEESP em São José dos Campos por dois mandatos consecutivos, de 1992 a 1998. Célia Sapucahy, como ela faz questão de dizer, não procurou, mas praticamente foi “procurada” para entrar na ação sindical. Foi durante uma campanha salarial, em 1988. Revoltada porque os engenheiros da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) tiveram reajuste salarial menor do que os metalúrgicos, ela foi à regional e pediu explicações. Atualmente ela ocupa cargo de representante do SEESP junto à Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) e coordenadora do Conselho Editorial do Jornal do Engenheiro.
Para ela, o “espírito” de luta do 8 de março deve ser resgatado: “O Dia Internacional da Mulher não é para dar ou receber flores, é dia para entendermos que a luta continua, hoje mais necessária do que nunca.” Ela completa sua apreensão: “Estamos retrocedendo em muitas coisas. A organização sindical está sendo criminosamente atacada pelo governo com apoio de grandes setores econômicos, assim como estamos perdendo direitos já consagrados há mais de 60 anos.” Acompanhe a entrevista a seguir.
Como a engenharia entrou em sua vida?
Ser mulher, sabemos, é mais difícil do que ser homem. É uma vida mais cobrada. Para sermos iguais precisamos ser melhores. Infelizmente, não conseguimos igualdade ainda. No mundo inteiro, mesmo em países mais desenvolvidos, a mulher ainda ganha menos, tem menos emprego e tem duas ou três jornadas. Essa é a realidade e foi o meu caso também. Quando eu me formei engenheira, em 1979, eu já tinha dois filhos. Estudava, dava aula de matemática e era dona de casa. Tive muita vontade de ter uma profissão, e consegui!
Na verdade, eu queria ser arquiteta, mas não consegui concluir o curso porque a escola em que estava sofreu perseguição da ditadura civil-militar de 1964, aí tive de desistir. Então, fiz faculdade de matemática, e quando já formada e dando aulas, resolvi fazer engenharia, que era alguma coisa que estaria junto com a arquitetura. Sou especialista em cálculo estrutural, acabei sempre trabalhando com arquitetos.
Você trabalhou como autônoma, mas depois acabou entrando para uma grande empresa em São José dos Campos.
Sou funcionária da Embraer desde 1986. Com o meu divórcio, os encargos que tive de assumir pesaram, então decidi procurar um emprego para ter um salário certo todo mês e assim poder administrar minha vida com os meus filhos. Quando entrei na empresa, no meu departamento éramos apenas duas mulheres.
Como foi o caminho para você se tornar sindicalista?
Na verdade, ele “apareceu” na minha vida. Na campanha salarial de 1988, os engenheiros da Embraer tiveram um índice de reajuste menor do que os metalúrgicos. Isso me revoltou muito. Fui ao sindicato dos engenheiros reclamar. A partir desse contato comecei a participar das reuniões, e fui convidada a participar da diretoria da Delegacia Sindical em São José dos Campos, em 1989.
E a sua experiência como presidente da delegacia sindical?
Foi muito boa. Realizamos diversas ações. Estávamos na época em que o governo queria privatizar a Embraer e éramos contra como ela estava sendo proposta e da maneira que realmente foi feita. A empresa foi vendida por um preço exorbitantemente baixo. Sabia-se que as perspectivas eram muito boas e que a empresa iria crescer, fizemos um estudo sobre isso. Esse crescimento futuro tem valor numa venda. Brigamos muito por isso. Fizemos atos, passeatas, campanhas no Congresso Nacional. Levamos para São José dos Campos especialistas e gente de peso para discutir o assunto. Envolvemos políticos de todos os partidos. Foi o assunto que me deu mais trabalho, que nos mobilizou absurdamente, como a todos os engenheiros da Embraer.
Foto: Acervo/SEESP
Engenheiros da Embraer em assembleia, na porta da empresa, durante presidência de Célia Sapucahy,
na Delegacia Sindical em São José dos Campos.
Também melhoramos a nossa estrutura de comunicação, passando a distribuir boletins mensais na Embraer e no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Além disso, fizemos debates sobre reciclagem em geral, usina de energia a base de óleo diesel. Fizemos bastante movimentação em torno de todos os assuntos que eram postos pela sociedade. A engenharia se fez presente fortemente. Depois disso vim para a diretoria do SEESP, na capital paulista.
E na diretoria, como foi a sua experiência?
Em São Paulo, fiz duas ações que considero muito importantes. Coloquei o sindicato na internet, sugeri criar um site e levantei conteúdos para ele. A outra foi fazer um novo sistema para o cadastro de sócios, porque o que existia estava baseado numa tecnologia ultrapassada. O novo método foi um sucesso, demos um passo à frente de maneira rápida na nossa estrutura administrativa. Os funcionários gostaram muito das modificações, porque melhorou bastante o trabalho deles.
Hoje, pós-aprovação da reforma trabalhista, em 2017, os sindicatos sofrem um ataque grande por parte do governo e da mídia de uma maneira geral.
O estrangulamento dos sindicatos promovido pelo governo é um crime contra os trabalhadores, que ainda não perceberam isso, mas vão perceber; infelizmente, será da pior forma possível que é sentindo na carne a falta da organização, da luta e do empenho de uma entidade sindical.
Fotos: Beatriz Arruda/SEESP
Sapucahy observa que tempos difíceis exigem maior consciência da importância dos sindicatos para todos os profissionais.
Nesse clima, como você destaca a importância do Dia Internacional da Mulher?
Sempre digo que essa data não é para dar flores. É um dia para lembrar ou conhecer a luta que originou o 8 de março, e que ela não terminou. Melhoramos muito em relação ao início dos anos 1900, mas ainda estamos longe de dizer que está tudo certo.
Esse ano, principalmente, é hora de entender que estamos perdendo a força dos sindicatos. Essa nova legislação trabalhista sufoca a ação do sindicato e do trabalhador, e isso vai ter reflexos diretos e piores na vida da mulher.
Quais os desafios que mulheres e homens da engenharia têm pela frente no País?
Os desafios são muitos. Preocupa a entrada de mão de obra estrangeira ocupando vagas de emprego e trabalho sem uma verificação da capacidade técnica desses profissionais. Muitos países podem ter uma formação tão boa quanto a nossa, mas uma formação que não é apropriada ao perfil nacional. Estudamos dentro das condições industriais, geológicas, geográficas e sociais do País. Precisamos defender o nosso mercado de trabalho.
A nova legislação trabalhista é outro embate, e o engenheiro está muito suscetível as piores maldades dessa lei (13.467/2017), como o trabalho descontínuo, o remoto e a negociação direta caso o salário seja maior do que um determinado valor (R$ 11.062,62). Todos os engenheiros que estão ganhando corretamente o seu salário, não tendo que aceitar emprego muito abaixo do salário, entram nessa modalidade, onde a legislação trata-o como autossuficiente para negociação direta. Se você pegar o cara vaidoso, achando que ele é o tal, porque não precisa do sindicato, aí quando ele se der mal, vai ver que a coisa não é bem assim.
Nessa perspectiva, é fundamental a Engenharia Unida, movimento que a Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) lançou em 2016.
A Engenharia Unida é uma forma organizada de a gente lutar contra todas essas coisas que colocamos aqui, em todo o País. O Estado de São Paulo se distingue dos demais ainda, porque ainda tem mais emprego; mas não é a realidade de grande parte das regiões brasileira, onde as condições são bem piores. É uma maneira da categoria se conhecer, entender os problemas enfrentados em cada região e encontrar a solução de forma conjunta e não cada um por si. É unir todo mundo numa luta que leve para frente todos os profissionais da área.
É uma luta solidária, porque não podemos cruzar os braços enquanto a categoria não é respeitada e valorizada de forma correta em todo o País, em todas as empresas – sejam elas privadas ou públicas.