Agência Fapesp
Morreu no dia 3 de janeiro último o engenheiro civil Antonio Ricardo Droher Rodrigues, responsável pelo projeto dos aceleradores, os dois síncrotrons brasileiros: o UVX, o primeiro do hemisfério Sul, inaugurado em 1997, e o Sirius, seu sucessor, em fase final de comissionamento, ambos no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, no interior paulista.
Rodrigues, que também era doutor em Física pelo King's College, University of London, era casado com Liu Lin, líder do grupo de Física de Aceleradores do LNLS, e deixa três filhos: Erica, Kevin e Ian. Seu corpo foi cremado no sábado, em Campinas. “Ricardo foi um engenheiro genial, responsável pela parte principal no projeto do primeiro Síncrotron UVX. Foi também quem projetou o Sirius e dirigiu as operações que levaram ao seu sucesso como grande obra instrumental para a ciência, inteiramente projetado e, em grande parte [80%], construído no Brasil”, diz Rogério Cezar Cerqueira Leite, presidente do Conselho do CNPEM. “Além do mais, foi sempre um pesquisador dedicado, gentil e modesto. Enfim, um exemplo de cientista e cidadão para todos os brasileiros.”
Em tratamento de um câncer no pulmão, Ricardo Rodrigues não presenciou a primeira volta de elétrons no anel de Sirius, em 25 de novembro de 2019, e nem estava presente quando a equipe conseguiu armazenar elétrons por várias horas no acelerador, em 14 de dezembro do mesmo ano. Mas apareceu para uma foto dois dias depois, quando a equipe conseguiu gerar corrente suficiente para fazer chegar a luz síncrotron pela primeira vez em uma das futuras estações experimentais do Sirius . “Fizemos por ele. E ele ficou muito feliz”, diz Antonio José Roque da Silva, diretor-geral do CNPEM.
O “homem da máquina”
No segundo ano de graduação na engenharia civil da UFPR, Ricardo Rodrigues começou a estudar óptica de raios X, orientado por Cesar Cusatis, coordenador do Laboratório de Óptica de Raios X e Instrumentação no Departamento de Física. “Era uma pessoa excepcional”, lembra Cusati. “Saiu da graduação e foi imediatamente aceito como aluno de doutorado no King´s College, tendo como orientador Michael Hart, o inventor do interferômetro de raios X", conta Cusati. "Quando voltou ao Paraná foi um suporte fundamental para nosso laboratório”, ele conta.
Três anos depois, transferiu-se para o Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), de São Carlos, onde Cusati tinha feito o doutorado na área de cristalografia de RX, orientado por Ivone Mascarenhas. “Ricardo Rodrigues é um cientista de alto padrão e um dos personagem mais importantes na história recente da ciência brasileira”, diz Sérgio Mascarenhas, professor aposentado do Instituto de Física da USP de São Carlos
Essa trajetória conferiu a Ricardo Rodrigues uma formação excepcional. “Tinha uma visão prática, conferida pela engenharia, interessava-se por eletrônica e, ainda durante a graduação, fez iniciação científica em óptica e instrumentação de raios X”, afirma o diretor-geral do CNPEM.
Assim, quando Roberto Lobo, presidente do Centro Brasileiro de Pesquisa Física (CBPF), começou a montar o Comitê Executivo do Projeto Radiação Síncrotron – que daria origem ao primeiro síncrotron brasileiro e ao LNLS – Ricardo Rodrigues era um candidato natural. “Era só dizer que um projeto era difícil que ele mordia a isca”, afirma Cylon Gonçalves.
Ricardo Rodrigues passou a integrar o Comitê Executivo do projeto em outubro de 1983. Dois anos depois, aos 33 anos, coordenou a equipe de engenheiros e físicos que desenvolveu o projeto do anel acelerador no Stanford Syncrontron Radiation Laboratory (SSRL), nos Estados Unidos, sob orientação de Helmut Wiedemann.
“Não tinha ninguém que sabia fazer isso aqui no Brasil e fomos lá aprender”, contou o próprio Ricardo Rodrigues em entrevista ao site O mundo da usinagem, em 2019. Quando o UVX começou a ser construído, em 1986, Ricardo Rodrigues já era conhecido como o “homem da máquina”, conta Marcelo Baumann Burgos no livro Ciência na Periferia: A Luz Síncrotron Brasileira. Um ano depois assumia a posição de chefe da Divisão de Projetos do então recém-criado Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).
O projeto desenvolvido em Stanford, conhecido como Projeto 1, era mais moderno e arrojado do que foi possível construir. A partir de meados dos anos 1980, a falta de recursos, além de comprometer o cronograma do UVX, exigiu que a equipe liderada por Ricardo Rodrigues revisasse os parâmetros da máquina: o acelerador, inicialmente projetado para uma energia de 3 GeV, foi redesenhado para operar com 1,15 GeV.
O UVX foi inaugurado em 1997. Quatro anos depois, quando Cylon Gonçalves deixou a direção do LNLS, Ricardo Rodrigues demitiu-se. “Depois de 15 anos de trabalho intenso, estávamos todos exaustos, estressados”, lembra Cylon Gonçalves.
Voltou em 13 de agosto de 2009, atendendo a um convite de José Roque, que acabara de assumir a direção do LNLS com o compromisso de iniciar o projeto de construção de um novo síncrotron. O sim veio depois de um almoço de mais de duas horas. “Ele me perguntou se valeu a pena ter construído o primeiro síncrotron. Respondi que o UVX foi fundamental para o treinamento de pessoas para dar um salto mais competitivo com uma nova máquina. Além disso, era a chance de ele realizar o sonho de fazer um equipamento de fronteira”, afirma o diretor-geral do CNPEM.
Quando iniciou o projeto Sirius, Ricardo Rodrigues era, novamente, o homem certo, no lugar certo. O novo síncrotron, de quarta geração, foi concebido no estado da arte da tecnologia, comparando-se apenas ao Max IV, inaugurado em junho de 2016 na Suécia.
“O projeto inicial era fazer uma máquina de terceira geração e, então, o comitê avaliou que todos no mundo já estavam pensando em quarta. Em um mês, refizemos todo o projeto de óptica da máquina e mudamos a câmara de vácuo, que precisava ser de cobre. Foi um bom aquecimento. Hoje temos uma máquina melhor que a do Max IV”, disse Ricardo Rodrigues na entrevista ao site O mundo da Usinagem. Foi ele quem liderou a equipe do LNLS no redesenho da rede magnética para que o brilho de Sirius – de 0,28 nm.rad – fosse o mais intenso entre todos os síncrotrons em operação, lembra José Roque.
A nova máquina, que deverá iniciar a operação ainda este ano, possibilitará a realização de pesquisa competitiva, impossível de ser realizada hoje no Brasil com o síncrotron atual. As seis primeiras estações experimentais de pesquisa – nanoscopia de raios X, espalhamento coerente de raios X, micro e nanocristalografia macromolecular, por exemplo – foram selecionadas para atender tanto às novas demandas da ciência e da tecnologia, como para permitir o avanço de investigações em áreas estratégicas como óleo e gás, saúde, entre outras.