logo seesp ap 22

 

BannerAssocie se

31/05/2022

Plataforma gratuita de análise estrutural para engenheiros

Desenvolvida por engenheiro mecânico destina-se para profissionais de pequenas e médias empresas e utiliza softwares livres.

 

Rosângela Ribeiro Gil
Oportundades na Engenharia

 

Inclusão digital e disseminação do conhecimento. Essas foram as palavras-chave que motivaram o engenheiro mecânico Renato Teixeira Vargas a se dedicar à criação de uma plataforma pública e gratuita, como faz questão de ressaltar, para viabilizar a transferência de tecnologia CAE [acrônimo, em inglês, de Computer Aided Engineering, com uma tradução livre em português para Engenharia Auxiliada por Computador] e promover a inclusão das pequenas e médias empresas (PMEs) no mercado sob o paradigma da inovação, utilizando softwares livres. Segundo a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia (Sepec/ME), as PMEs representam 99% dos negócios brasileiros, respondem por 30% de tudo que é produzido no País e são responsáveis por 55% dos empregos gerados no Brasil.

 

Renato Teixeira Relief 600Engenheiro Renato Teixeira Vargas criou plataforma gratuita para promover inclusão de engenheiros e pequenas e médias empresas. Crédito: Acervo pessoal.

 

A Plataforma Relief, também conhecida como Centro de Referência em Análise Estrutural por Elementos Finitos, foi lançada há dois anos, mas o seu projeto começou a ser “sonhado” – como diz Vargas – entre os anos de 2016 e 2017. A sigla Relief são as iniciais de: REferência, LIvre, Elementos e Finitos. “O objetivo de disseminar esse conhecimento fundamenta-se num diagnóstico que fiz nos meus mais de 30 anos de exercício profissional na área automotiva e de óleo e gás, principalmente. Acontece que essas ferramentas computacionais são muito caras e acabam ficando restritas às grandes empresas, que compram os softwares e capacitam seus profissionais, dispendendo consideráveis recursos.

As pequenas e médias empresas ficam de fora desse mercado, assim como os profissionais de engenharia que trabalham nelas também não conseguem se qualificar mais”, explica.

 

Com o propósito de reduzir essa barreira financeira, Vargas inscreveu o projeto da plataforma Relief junto à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Ele foi aprovado e recebeu recursos do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), cujos objetivos são apoiar a pesquisa em ciência e tecnologia como instrumento para promover a inovação tecnológica, promover o desenvolvimento empresarial e aumentar a competitividade das pequenas empresas e incrementar a contribuição da pesquisa para o desenvolvimento econômico e social.

 

Relief 3Fonte: Material de apresentação do Relief.

 

Nesta entrevista especial à área Oportunidades na Engenharia, do SEESP, Vargas, formado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutor pela Universidade de São Paulo (USP), fala sobre a concepção inicial, a criação e o lançamento da ferramenta digital que está aberto a todos profissionais de engenharia de pequenas e médias empresas brasileiras. “A intenção é garantir a transferência da tecnologia de cálculo de estruturas, através de cursos teóricos e oficinas de aplicação prática, estabelecendo um ambiente para formação com qualidade”, reforça. E acrescenta: “O Relief foi concebido para democratizar esta tecnologia entre as PMEs por meio de duas iniciativas: formação de técnicos e engenheiros, sem investimentos, e a utilização dos programas livres em substituição aos programas comerciais, que são restritos e muito caros.”

 

Vargas é o coordenador da plataforma e conta com uma equipe formada por professores titulares da USP e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O endereço da Relief é https://reliefcursos.eadbox.com.br/.

 

Engenheiro, como nasce a ideia de fazer uma plataforma gratuita e pública para disseminar o conhecimento tecnológico entre os profissionais de engenharia das pequenas e médias empresas?
Antes, preciso falar um pouco da minha história profissional para chegar ao Relief. São mais de 35 anos trabalhando em grandes empresas. Primeiro, em Santa Catarina, depois quando vim residir e trabalhar em São Paulo. É nesse momento que reingresso na carreira acadêmica e faço mestrado e doutorado na Escola Politécnica (Poli), da USP. A última titulação já tem quase 20 anos e, a partir dela, criei um núcleo de consultoria na análise estrutural por elementos finitos (NEP), no formato de ensino a distância (EAD), o em EAD. Desde então, dedico-me a fazer consultorias e ministrar cursos. Foram mais de 70 cursos no eixo Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, nas áreas automotiva e de óleo e gás, principalmente.

 

Nesse contato de consultoria com muitas empresas, comecei a diagnosticar a exclusão daquele circuito de tecnologia e capacitação de um número significativo de pequenas e médias empresas no País que não tinham recursos para comprar os programas e capacitar seus profissionais ou contratá-los. Quase uma exclusão digital e impedimento de estar no mercado de forma mais competitiva. Ao mesmo tempo, sempre quis usar programas livres. Esse era o meu sonho.

 

Um sonho romântico, como você mesmo disse.
Sim, para contribuir com o desenvolvimento da vida profissional dessa área técnica. Um sonho para qualificar engenheiros e as empresas desse porte com o ensino dos fundamentos teóricos, a prática e o acesso aos programas livres. A um ferramental tecnológico que é uma ferramenta numérica que ajuda a resolver questões de engenharia. Assim nasceu o Relief para dar curso e qualificar engenheiros com as ferramentas livres que existem. Daí escrevi um projeto no Pipe, entre 2016 e 2017, da Fapesp, e foi aprovado para montar e estruturar essa ideia. De posse desse orçamento, foi possível o que está em funcionamento há dois anos, foi inclusive durante a pandemia que liberei a plataforma junto com aquele boom de cursos EAD por causa da pandemia [da Covid-19].

 

Engenheiro, o que é análise estrutural por elementos finitos?
Importante entender realmente o que é esse método. Explico: todo produto passa antes por uma normalização obedecendo uma série de requisitos, o principal dele é o de segurança. Exemplifico: se vou produzir uma cadeira, preciso fazer a análise estrutural para verificar o quanto ela suporta de peso, até quanto quilos ela suporta para que ela não se quebre. Ao montar um [telefone] celular podemos definir até quanto de altura ele pode cair e não se quebrar totalmente. Outra vez, usa-se a análise estrutural por elementos finitos. Percebe-se, que o requisito segurança remete ao requisito de integridade estrutural do produto. A análise estrutural, portanto, verifica, e deve ser uma espécie de ‘palavra final’, sobre condições críticas de um produto ao utilizar determinado material para a sua fabricação, ou seja, se ele está apto ou não para carregar um tipo de solicitação [do mercado, do consumidor etc.].

 

Num segundo momento, tem-se o requisito de economia no sentido mais amplo. Na indústria automotiva, que utiliza material mais nobre se pode fazer a pergunta: consigo fazer um carro mais econômico com outro tipo de material mantendo a segurança? Esse requisito já se conecta a um apelo atual e necessário da sociedade moderna que é o da sustentabilidade. Isso equivale à economia circular, aquela que utiliza material reciclável ou resíduos, mas tudo exige que se garanta que os requisitos estruturais sejam mantidos preservando a segurança, principalmente. Não é pura e simplesmente trocar o material para ser sustentável.

 

O grande requisito é realmente a segurança. Isso são exemplos para mostrar a importância da análise estrutural por elementos finitos e que está em todo o processo de um produto, de ponta a ponta.

 

O senhor fala na viabilização da transferência de tecnologia CAE, pode nos falar mais sobre esse sistema?
Então, a introdução do computador em várias áreas profissionais, como a engenharia, vem desde a década de 1950. Muitos fundamentos teóricos se calculavam a mão, analiticamente. Com a computação, os métodos são introduzidos com modificações que são definidas como implementação numérica. Com esse equacionamento matemático, ganhamos velocidade e capacidade de solução de problemas e modelos grandes. Ou seja, na década de 1960, a CAE significa ferramentas numéricas para resolver essas questões de engenharia, a análise estrutural é uma delas. Não se tem mais pessoas calculando à mão, está tudo totalmente automatizado.

 

Quais os softwares livres utilizados pela plataforma Relief?
Utilizamos dois programas, basicamente. É o Code Aster, desenvolvido pela companhia de energia francesa, a EDF. Este programa apresenta soluções em todas as áreas necessárias para análise estrutural linear e não linear: Estática Linear e Não Linear, Fadiga, Mecânica da fratura, Mecânica do Dano, Otimização, NVH, Multi-Corpos, e acoplamento térmico. E tem o Calculix com módulos de solução para problemas lineares e não lineares estáticos e dinâmicos associados à temperatura.

 

Quando se fala em software livre se pensa em pirataria ou em um produto com menos valor e duvidoso.
É que estamos acostumados com uma abordagem diferente, na linha comercial, onde o que tem valor é o que tem custo monetário. Infelizmente, é uma imagem negativa que não corresponde à realidade. Nesse mundo tecnológico, existem muitas pessoas que se dedicam a construir ferramentas livres e sem interesse em divulgar ou colocar à venda no mercado. Ou seja, não tem marketing de venda por trás, não tem interesses econômicos de empresas ou outras institucionais. E isso acaba trazendo desprestígio, o que é uma pena.

 

Mas podemos garantir que são programas que tem o mesmo método que está num software comercializado. Uma coisa é você ter um produto que funciona, outra é vender. Nessa diferença que vem essa ideia de estranhamento.

 

Um estranhamento que o senhor sentiu também ao oferecer uma plataforma de ensino gratuita e pública?
Com toda a certeza. E a frustração e a decepção foram grandes, posso lhe dizer. Ofereci o Relief para diversas instituições que não aceitaram porque não teriam retorno financeiro. Pensei que ao colocar de forma gratuita as pessoas se interessariam, mas não foi o que aconteceu. Existe um certo receio do tipo é gratuito, será que é bom? A nossa organização social não está acostumada com isso, tudo é precisa ser vendido para ter valor.

 

Relief 2Fonte: Material de apresentação do Relief.

 

Acaba-se perdendo uma oportunidade de aprendizado e capacitação.
Exatamente, pois, nesse projeto, estão envolvidos professores titulares da USP e da Unicamp, e tudo passou pelo crivo de uma instituição de ciência e pesquisa idônea, que é a Fapesp. Estou colocando à disposição de forma totalmente gratuita porque a plataforma foi construída graças ao dinheiro público. Ou seja, é de uso comum.

 

Já ouvi algumas pessoas dizerem que se eu colocar que é pago, as pessoas vão dar mais atenção e receber. Mas muda totalmente o objetivo de um trabalho para fazer o conhecimento circular e que foi financiado com dinheiro público por meio da Fapesp. Ter que cobrar para valorizar não é uma ideia básica, mas rasteira.

 

Vamos fazer o nosso trabalho e disponibilizar, mas não devemos sofrer porque as pessoas não entendem a sua ideia. A gente faz por engajamento, preocupação, de um diagnóstico que fiz lá atrás de que o Brasil precisa de tecnologia e os profissionais precisam se qualificar. Um pouco me angustia no meio social pessoal falando de tecnologia como ferramenta, mas precisamos qualificar e capacitar as pessoas para utilizarem esses dispositivos tecnológicos.

 

A quem se destina a Relief?
Primordialmente para engenheiros das pequenas e médias empresas que não tenham essa condição para fazer cursos caros e acesso aos softwares caros. E fizemos totalmente online para não ter o problema do deslocamento. Queremos democratizar o acesso a esse saber para que o engenheiro possa desenvolver sua carreira. Repito: o curso é aberto a todos, a princípio, mas foi feita pensando nesse público – dos profissionais que estão nas pequenas e médias empresas.

 

Disseminar o conhecimento. Inclusão também, porque queremos pegar essas pequenas e médias empresas que, de certa forma, estão excluídas desse mercado mais competitivo por esses fatores – custos, impossibilidade de ter uma pessoa mais qualificada, incluir essas empresas dentro da tecnologia digital.

 

Relief 4Fonte: Material de apresentação do Relief.

 

Como são os cursos?
Basicamente pensamos essa plataforma com três módulos. Uma questão preliminar é dominar os fundamentos teóricos e entender a teoria que está por trás daquele programa, outra é saber usar o dispositivo. Elas precisam andar juntas: ter entendimento teórico como engenheiro e saber usar a ferramenta para a solução de um problema de engenharia. Mas isso não acontece sempre – às vezes se domina a parte teórica, e não a parte prática de utilização do software; e ao contrário também acontece, se domina a prática, mas não o entendimento teórico.

 

Por isso, temos o módulo dos fundamentos teóricos, o das oficinas – que é a parte prática com tutorial para a utilização; e, por fim, temos o módulo do contexto, que é entender como esse saber se articula com o mercado e a economia. Nessa parte, trazemos entrevistas com professores, empresários e consultores para mediar o desenvolvimento da área CAE e o contexto socioeconômico do Brasil.

 

Esse atraso tecnológico crônico no Brasil é inconcebível. A tecnologia precisa se inserir de forma mais democrática na sociedade brasileira. Fazer circular o conhecimento, essa é a minha contribuição com a Relief. Sou um pouco romântico.

 

Você sabia...

1- Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a classificação das PMEs ocorre pelo número de funcionários. Na indústria, as micro e pequenas empresas são as que têm até 99 colaboradores; as médias têm de 100 até 499 colaboradores. No setor do comércio e varejo, as micro e pequenas empresas possuem até 49 colaboradores, enquanto as médias têm de 50 a 99 colaboradores. 

2-  Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), as MPEs representam a maior parte dos empreendimentos no Brasil. Em 2019, eram 476.243 empresas e estão mais concentradas nos ramos de confecção, fabricação de produtos de padaria, móveis, embalagens de plástico, impressão, serviços de usinagem e solda.

3- Ainda segundo dados levantados pela CNI, as Micro e Pequenas Empresas são responsáveis por 54% dos empregos no Brasil e fundamentais para a geração de emprego e renda. Elas representam 99% do total de empresas privadas e respondem por 27% do Produto Interno Bruto brasileiro.
4- Na área de serviços, as PMEs são os negócios que podem ser encontrados em qualquer bairro, de qualquer cidade brasileira, pois oferecem variados tipos de serviços. Entre os exemplos, estão padarias, mercados, escritórios, lanchonetes, salões de beleza, entre outros.

 

 

Lido 2602 vezes
Gostou deste conteúdo? Compartilhe e comente:
Adicionar comentário

Receba o SEESP Notícias *

agenda