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08/08/2022

Engenheira, professora e mãe neuroatípica: com a palavra, Simone Ramires

Conciliar vida profissional, pessoal e familiar está entre os esforços de muitas profissionais; por isso, a importância de entender o que é, de fato, inclusão.

 

Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia

 

Inclusão Ramires jpegQuem, por algum motivo, conheceu a professora Simone Ramires, da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), saberá que estamos falando de uma profissional ativa, sempre disposta a colaborar e compartilhar seus conhecimentos e abraçar uma boa causa, seja na engenharia ou na vida pessoal.

 

Engenheira civil formada pela Universidade Regional Integrada (URI), em 2002, Ramires se tornou professora da mesma instituição em 2014, antes, foi docente na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Seu contato com os alunos do curso é proativo e baseado na dedicação dos professores que fazem a (boa) diferença na vida de qualquer estudante.

 

A sua mais nova ação, dentro da universidade gaúcha, foi a criação do Núcleo de Mulheres na Engenharia (NME), no dia 8 de março último, pelo Dia Internacional da Mulher. A iniciativa baseou-se em pesquisa da própria UFRGS que mostra a evasão e o número reduzido de mulheres nos cursos de engenharia. “Queremos falar mais desse universo de impeditivos e atuar para mudá-lo”, observou a docente em matéria que publicamos por ocasião da data (Por uma engenharia inclusiva: ações para atrair mais mulheres). Atrair mais o público feminino para a área significará, nas palavras da docente, um ganho importante para a profissão.

 

Mas falar de mulher, e de mulher na engenharia, não deve se restringir apenas ao 8 de Março. Precisamos falar todos os dias para mostrar o quão diversos e múltiplos é esse universo. “A mulher não começa nem termina na profissão. Para entendê-la no ambiente laboral, é preciso alagar o olhar e ver como é essa mulher na vida pessoal, familiar e como enfrentamos ‘leões’ diários para nos mantermos no lugar que queremos, e sãs”, observa nesta entrevista atual.

 

Ramires acrescenta: “Para compreender essa mulher na engenharia, é preciso ver de verdade como conseguimos chegar até o curso, como conseguimos nos manter em sala de aula e, principalmente, como conseguimos exercer e permanecer na profissão.”  

 

A própria professora Simone Ramires sugeriu a pauta desta entrevista: “Quero falar de como estou na profissão sendo mãe neuroatípica.” Queremos agradecer, de antemão, o testemunho que ela nos oferece, uma lição de vida, num momento em que ela mesma diz que está muito sensível. Seu filho de 11 anos, no início de junho último, passou por uma cirurgia delicada na perna direita pelo encurtamento de tendões decorrente da paralisia cerebral e ainda está em recuperação com tratamento diário de fisioterapia. Ela pediu desculpas por estar muito sensível e se, por acaso, perdeu o foco nas respostas (afirmamos, não perdeu o foco!). Sensível, como ela mesmo esclarece, não significa não estar forte, “não me deram essa opção”.

 

Simone Ramires 2 400Professora da Faculdade de Engenharia da UFRGS, Simone Ramires. Crédito: Acervo pessoal.Professora Simone Ramires, agradeço muito a senhora aceitar falar conosco sobre sua trajetória profissional na Engenharia e como ela se conecta, se molda e cresce com a sua vida pessoal, como mulher e mãe. Nesse sentido, vale à pena falar, inicialmente, de forma breve, como se deu a sua escolha pela área de Exatas, especificamente a engenharia. Um espaço comumente relacionado ao mundo masculino, e ainda com presença majoritária do sexo masculino.
Comecei na graduação cursando matemática, mas, ao longo do curso, por ter disciplinas conjuntas com a Engenharia percebi que meu perfil se encaixava nessa área e que algo me encantava, embora fosse tudo mais complexo, os desafios, a responsabilidade, as conexões com diversas áreas, projetos provou-me que fiz a escolha certa. Mesmo por vezes ser questionada sobre a escolha continuei nesse caminho. O universo é masculino, a engenharia tem seu lado masculino predominante, mas fazer parte dele é um desafio e como sou movida a desafios, não desisti, persisti.

 

Como foi o início da sua carreira na engenharia?
Me formei quando a economia do País [2002] estava oscilando muito e deparei-me com um mercado onde ser engenheiro não estava tão bem assim. Até questionei, à época, se tinha feito a escolha mais correta. Embora ser engenheiro é altamente bem conceituado, e tem notoriedade, o mercado não estava pronto para esses profissionais e isso assustou-me. Mas, como tudo é questão de tempo, serve como aprendizado, fui indo aos poucos, entrando em contato com colegas, professores para ver indicações, entrevistas.

 

Simone, ao longo do exercício profissional você também se dedicou a sua vida pessoal. Você pode nos contar um pouco sobre isso, como foi a mulher se construindo como engenheira e depois professora? Como é esse mercado e a engenharia em relação à mulher em termos de demandas, posicionamentos, respeito e marcadores e estereótipos?
Primeiramente, trabalhei como engenheira e depois veio a docência, exerci o cargo de Analista de Processos, no Crea-RS [Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio Grande do Sul], ministrando cursos de AutoCAD. Ainda lecionei em cursos técnicos. Fui traçando o meu caminho na docência, despertando aos poucos. Para isso, fiz mestrado, o que resultou em conexões que me fizeram perceber o perfil que tenho que vai além da engenharia.

 

Quanto ao respeito, posicionamento é algo desgastante porque a todo momento tem que estar provando que é engenheira e que está ali por conhecimento, competência, mérito. Por isso, enquanto docente criei, na Escola de Engenharia da UFRGS, o Núcleo de Mulheres na Engenharia, justamente para atuar nessas lacunas.

 

Como foi a engenheira se construindo como mulher e mãe? Quem é a Simone Ramires, mulher e mãe neuroatípica de um pré-adolescente de 11 anos?
A Simone profissional, mãe, mulher é um papel bem desafiador e montar esse quebra-cabeça por vezes não é fácil. Sou mãe de criança neuroatípica. Esse tem sido o maior desafio na minha carreira. O Guga tem paralisia cerebral (PC) e transtorno do espectro autista (TEA). Realmente uma situação difícil, mas a engenharia me ajudou a enxergar o porquê de ter cursado, de entender toda dinâmica dos materiais adaptados, do andador dele, de tanta coisa. Hoje, percebo o porquê da engenharia na minha vida. Da pessoa que me tornei por tê-lo na minha vida, de enxergar com outros olhos, de entender que a docência é onde posso ajudar outros com as mesmas questões que a dele com projetos de pesquisa, extensão e trabalhar a inclusão na engenharia.

 

Se já grande e competente engenheira e professora, que também batalhou a sua posição como mulher, como é a Simone mãe especial também diante de um mundo cheio de “nãos”, restrições e estereótipos?
É complicado, muito complicado, por vezes dolorido porque muitos não entendem as demandas, o afastamento, o tempo que tenho, enfim, nem todos vão entender. E que não é somente a saúde do meu filho, a minha também. Guga me chama de “mulher maravilha” e, às vezes, de iron woman.

 

Simone, você disse que é uma luta diária e como mãe especial quer abraçar tudo, porque sabe a dor e o sentimento do seu filho. Você pode nos falar sobre?
É uma luta diária porque o que quero para ele é qualidade de vida, de vê-lo feliz e confiante e saber que tem espaço mesmo sendo PcD [Pessoas com Deficiência], não importa as suas limitações, o que importa como as enxerga e isso mostro todos os dias para o Guga, que, sim, ele pode chegar onde quiser, ser o que quiser, que sempre vou estar perto dele, acreditando no potencial dele e assim vejo meus alunos, não importa quem são, todos têm um potencial fantástico, vão ser excelentes profissionais, excelentes pessoas.

 

Você disse que ele está na pré-adolescência e que as perguntas agora ficam ainda mais constantes. Como você segue nesse caminho de garantir um mundo menos intolerante ao mesmo tempo que segue a sua trajetória profissional?
Os questionamentos têm sido intensos, tais como “por que isso aconteceu comigo?”, “por que não sou igual aos demais?”. Guga tem mobilidade reduzida e cognitivo e fala preservados, o que faz com que consiga verbalizar tudo com clareza e discernimento.

 

Passamos por uma cirurgia complexa no dia 8 de junho de 2022, e todo dia me perguntava: “E se não der certo a cirurgia, como vai ser?” e “Meu sonho é andar sem apoio, sozinho e se isso não acontecer?”. São perguntas que não tenho respostas, a engenharia me mostrou cálculos que têm resposta assertiva, trabalhar com coeficientes de segurança. Então, converso com esse pré-adolescente de inteligência notável, um sorriso lindo, um olhar encantador e digo: “Que a engenharia está avançando muito em todas as áreas”. É uma possibilidade.

 

Simone, nesse cenário ainda não tão favorável à mulher no mercado de trabalho brasileiro – apesar dos avanços, é importante frisar – qual o recado que você gostaria de dar para às mulheres? E às mães?
Ser engenheira é algo que acredito e sou feliz pela escolha, mas ser mãe, mulher, profissional por vezes é exaustivo porque o mundo e o mercado não estão preparados ou não querem se preparar como devem para nos receber e para nos manter na profissão.

 

Mas o meu conselho é que se a mulher acredita na escolha dela procure estar junto de outras mulheres que estão na mesma situação. Precisamos ultrapassar o que nos querem impingir como a frustração, o sofrimento e os estereótipos. Juntas conseguimos pensar melhor e criar caminhos, e exigir os nossos direitos. Mas tem mais: torne a tua escolha saudável, seja ela qual for, mas cuide de ti!

 

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