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21/01/2013

Artigo - Sem ferrovias e sem gestão

FerroviasdentroQualquer estudante de direito, antes mesmo de ser estagiário, aprende que os contratos devem ser cumpridos, que se alguém faz um contrato com um particular, prometendo-lhe entregar uma dúzia de maçãs, e não as entrega, ou entrega seis, deve ser penalizado, pois descumpriu um acordo e, ainda mais, desrespeitou uma das fontes mais antigas de obrigações que a história conhece, ferindo, também, a boa-fé contratual.

Nas primeiras lições do curso, aprende também que os contratos com o Poder Público contêm uma carga de responsabilidade ainda maior, pois se em algumas relações privadas o objeto pode ser disponível, nas relações com o público, até para evitar corrupção, o campo de disponibilidade fica restrito.

Lamentavelmente, o que se assiste no Brasil é a banalização dos contratos, especialmente se feitos com o Poder Público, em inaceitável desprestígio a um dos mais sagrados instrumentos regradores das relações humanas que a história conhece. É inaceitável que o Brasil tenha feito contratos de concessões, arrendando bens públicos, nos quais repassa às concessionárias cerca de 26 mil km de ferrovias, dos quais cerca de 60% são abandonados, canibalizados, ao arrepio da lei, dos contratos e dos interesses de amplas regiões do País que ficaram órfãos dessa modalidade de transporte.

Para ficar mais claro, suponhamos que o Poder Público repasse a uma empresa o fornecimento de água para toda uma cidade. Alguns dias depois, de forma unilateral (contando com o aceite tácito do gestor público), a empresa interrompe o fornecimento de água para dez bairros mais pobres, porque eles não dão lucro. Ora, isso é uma agressão ao contrato, um desrespeito à sociedade e uma fraude à licitação. É isso que se assiste no Brasil, no setor ferroviário! São quinze anos de descumprimento sistemático dos contratos, tanto que os Técnicos do Ministério dos Transportes sugerem, com as cautelas que isso impõe, a caducidade das concessões.

De uns anos para cá, a gestão dos contratos de concessão das ferrovias no Brasil, passaram a ser responsabilidade da ANTT, a qual, segundo a CGU, o TCU, e agora o próprio Ministério dos Transportes, foi omissa, conivente com os desmandos praticados pelas concessionárias do setor. Não basta fingir de aplicar multa, autuar sem cobrar, praticar uma gestão que não corrige os infratores. Com base em anos de acompanhamento, o GT Transportes, do Ministério Público Federal, alinha-se aos demais Órgãos e trabalha, nas mais diversas regiões do Brasil, para revitalizar o transporte ferroviário e defender o patrimônio que é público.

Em relação a Bernardo Figueiredo, o que continuo entendendo, é que a atuação dele nesse processo pode ser legal, mas é questionável do ponto de vista ético, ou ao menos é desconfortável. Primeiro, atua como empresário que recebe parte da concessão da malha sul, em contrato para 30 anos, e, poucos anos depois, passa a atuar como Presidente da ANTT, gestor/fiscal público dos contratos de concessão das ferrovias. Há uma incompatibilidade nisso, e esse foi um dos motivos (além da divergência existente na base do Governo) que o Senado usou para rejeitar sua indicação para novo período frente à ANTT. Seu passado, entretanto, não é, por si, o núcleo do problema, mas sim, a conivência e omissão da ANTT que marcaram também sua gestão.

Acompanhamos as novas resoluções que se propõe criar um novo marco regulatório. Elas eram inevitáveis diante da pressão da CGU, TCU e MPF, que cobravam insistentemente o enfrentamento do problema pela Agência. Somos a favor do direito de passagem (não apenas nos locais abandonados ou de baixa densidade, mas queremos que isso aconteça, como compensação ao abandono, nos trechos de alta demanda), evidente que somos favoráveis à fixação de metas por trecho e dos direitos do consumidor, mas nada disso é matéria nova em relação à lei e aos contratos de concessão e arrendamento, exceto o direito de passagem. Nosso medo, é que se insiram mais regras nesse cipoal jurídico e que isso burocratize e dificulte ainda mais o cumprimento da legislação e dos contratos, que são claros o suficiente em relação a maioria dos temas abordados. Ainda não está claro se existe vontade política do Poder Público de cobrar das concessionárias o cumprimento de seus deveres contratuais.

Por fim, o que quer o Grupo de Trabalho do Ministério Público Federal é exercer seu papel de fiscal da lei, mas não se furta a pensar o sistema ferroviário nacional, integrado a outros modais de transporte, deixando claro que a (in)evolução das ferrovias no Brasil é um caso de vergonha nacional, pois temos hoje menos ferrovias ativas do que tínhamos há mais de cem anos. Chega de errar nas escolhas dos gestores públicos e dos parceiros privados (e o recente caso VALEC espelha isso) e basta de assinar contratos e fazer licitações de faz de conta!

* por Osmar Veronese, Procurador da República em Santo Ângelo/RS e membro do GT Transportes da 3ª Câmara da Procuradoria-Geral da República, do Ministério Público Federal


Imprensa - SEESP
Artigo publicado originalmente na Revista Ferroviária




 

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Comentários  
# SOBRE TRENS E RODOVIASlübcke 01-03-2013 10:13
IDOS DE 1970 EM DIANTE, O SLOGAN DO GOVERNO ERA "GOVERNAR É ENCURTAR DISTÂNCIAS. DEPREDARAM AS FERROVIAS, PARA ATENDER O INTERESSE DE SINDICATOS DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS. SEM QUE A MALHA FOSSE DEVIDAMENTE PLANEJADA PARA UM OLHAR 30, 40, 50 ANOS ADIANTE, E O QUE VEMOS HOJE É O SUCATEAMENTO DAS RODOVIAS FEDERAIS, QUE SÓ TEM ALGUMA MELHORIA, QUANDO PRESENTEADOS NOVAMENTE -E ATRAVÉS DE CONCESSÕES DIGNAS DE ALGUM OLHAR DE DESCONFIANÇA DO CIDADÃO COMUM - À INICIATIVA PRIVADA, QUE SE ARROGA O DIREITO DE BEM COBRAR OS VALORES QUE MAIS LHE INTERESSAM NOS INFESTADOS ROUBÁGIOS - DIGO, PEDÁGIO, ESPALHADOS PELOS MAIS DISTANTES RINCÕES DESSE PAÍS, ONDE GRASSA A INCOMPETÊNCIA DA MÁQUINA DO ESTADO - OU GANÂNCIA DE QUEM PILOTA ESSA MESMA MÁQUINA, CONFUNDINDO CAPITAL PESSOAL COM ERÁRIO PÚBLICO. TIVÉSSEMOS MAIS OPÇÕES DE FERROVIAS, QUER COM COMPOSIÇÕES DE CARGA, DE PASSAGEIROS OU MISTAS, CERTAMENTE O PREÇO DA MORTE SOCIAL SERIA EM MUTO ATENUADO... UM VAG~ÇAO DE CARGA COM CAPACIDADE PARA 70 TONELADAS, TIRA DAS RODOVIAS DUAS CARRETAS DE 35 TONELADAS. SE BEM QUE HOJE, ESSAS, AS PEQUENAS DE 35 TONELADAS JÁ COMEÇAM A RAREAR, EM VISTA DAS DEMONÍACAS CARRETAS DE DUAS CARROCERIAS COM 09 EIXOS... UM MOTORISTA, FAZENDO O TRABALHO DE DIS (E TIRANDO O EMPREGO DE UM, E AUMENTANDO O RISCO DE VIDA DOS DEMAIS USUÁRIOS DAS ESTRADAS, JÁ QUE AS DITAS, QUANDO NÃO COLOCADAS EM CONCESSÃO, ESTÃO EM LÁSTIMÁVEL ESTADO DE CONSERVAÇÃO... PRONTO. FALEI. E PONTO FINAL...
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