Quem quer que use os serviços do Uber, esse aplicativo para telefone celular que mobiliza um serviço de transporte semelhante ao prestado pelos taxistas, relata a mesma coisa: é atendido com rapidez por um motorista muito atencioso em um automóvel novo, com água gelada, revistas e jornais do dia. Logo descobre ser possível conectar-se a outro aplicativo, que lhe permite escolher músicas a seu gosto durante o trajeto. A despesa é até 35% inferior à de um táxi tradicional, e a cobrança é online, sem manuseio de dinheiro ou cartões de crédito, com recibo enviado por e-mail.
O Uber é um dos frutos da nova globalização, definida não apenas pela troca de bens, serviços e capital entre países, mas também, e cada vez mais, por tudo que envolve fluxos de dados e informações digitais, como comércio eletrônico, computação em nuvem, videogames, redes sociais, dentre outros. Em estudo recente, o Instituto McKinsey Global, de Nova Iorque, concluiu que os fluxos transfronteiriços de bens, serviços, finanças, pessoas e dados, na última década, aumentaram o PIB global em cerca de 10% − em 2014 um valor equivalente a cerca de US$ 7,8 trilhões. Os fluxos de dados e informações representaram cerca de US$ 2,8 trilhões deste ganho. O que é surpreendente, pois os negócios de base digital só se tornaram possíveis há cerca de 15 anos, enquanto o comércio tradicional existe há séculos.
Uma nova globalização está nascendo com a transformação digital, fenômeno que produz profundas mudanças na forma como a tecnologia é criada, gerenciada e consumida. Se, há vinte anos, menos de 3% das pessoas tinham um telefone celular, hoje, mais de 65% dos habitantes do planeta têm um. Com a revolução digital, novas formas de trabalho e negócios estão surgindo, com impactos para trabalhadores, clientes, fornecedores e parceiros de todas as organizações, públicas ou privadas. A transformação digital expande oportunidades para que mais empresas, indivíduos e países participem da economia global. E muda o eixo dos negócios, já que empresas tradicionais, que, por exemplo, buscam vantagem competitiva em mão de obra abundante e barata, perderão espaço para aquelas que apostam em tecnologia e inovação.
Essa mudança pode acentuar assimetrias, já que a lógica da nova economia digital favorece francamente as economias desenvolvidas, cujas indústrias avançam rapidamente para a fronteira da nova globalização. Deficiências em infraestrutura, que impactam a conectividade com o mundo digital, e em educação, que limitam a capacidade criativa e inovadora e o acesso aos serviços e bens do mundo digital, são dificuldades críticas para a participação dos países em desenvolvimento na nova economia. Isso pode levar a rupturas e exclusão, exigindo dos governos novas formas de apoio e suporte aos excluídos digitais. Cerca de 3,2 bilhões de pessoas no mundo já acessam a internet, mas, em 2015, outros quatro bilhões de pessoas ainda permaneciam desconectados do mundo digital.
Esta rápida mudança tecnológica representa um imenso desafio para países como o Brasil, que precisarão, em curto espaço de tempo, redesenhar setores e negócios, da indústria pesada à agricultura e ao setor de serviços, para se alinharem ao novo cenário competitivo. Novos players, como o Uber, representam grande desafio para os negócios tradicionais, pois oferecem vantagens substanciais aos consumidores e ganham espaço com rapidez. Além disso, o impacto da transformação digital no mercado de trabalho precisará ser cuidadosamente considerado. Estudo recente concluiu que as tecnologias digitais em uso têm potencial para automatizar até 45% das tarefas realizadas pelas pessoas, o que, apenas nos EUA, equivaleria a uma economia anual de US$ 2 trilhões em salários.
É certo que o Brasil precisará ajustar diversos setores da sua economia, seja finanças, varejo, transporte, logística, etc, a esta nova realidade. Por exemplo, segmentos estratégicos da agricultura e da bioeconomia − economia sustentável baseada em recursos biológicos e processos limpos e renováveis − são espaços privilegiados para o país na nova globalização digital. Nesses setores essenciais, conquistar a fronteira tecnológica não é só um desafio comercial, mas um imperativo estratégico. Ao incorporar, por exemplo, práticas e processos de precisão, amplo uso de sensores e mecanismos sofisticados de previsão e resposta a variações de clima, a agricultura, que é um importante pilar da economia brasileira, poderá assegurar equilíbrio nas três vertentes da sustentabilidade – econômica, social e ambiental, o que é uma exigência dos consumidores em todo o mundo.
Mas é preciso compreender que a transformação digital não é apenas um destino a alcançar, mas uma jornada feita de mudanças contínuas em processos e modelos de negócios. Com a dinâmica alucinante que marcará o futuro digital, uma coisa é certa: o mundo experimentará uma nova globalização e aqueles que resistirem, presos aos paradigmas da era pré-digital, irão perecer ou viver pressionados por constantes "ventos e trovoadas".
* Maurício Antônio Lopes é presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)