Incluído no pacote que compõe a chamada “Agenda Brasil” – apresentada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), – tramita na Casa o Projeto de Lei 559/2013. Esse propõe modernização de normas para licitações e contratos da administração pública. A FNE e outras entidades, além de técnicos e especialistas, veem com preocupação a possibilidade prevista de contratação de obras públicas de engenharia sem projeto executivo – o que já está contido na chamada Lei das Estatais (n. 13.308/16), sancionada em 30 de junho último.
Sobre essa última, em nota, a federação destacou que “vinha defendendo o veto ao art. 42 do projeto aprovado no Congresso Nacional”. “Lamentavelmente, o governo manteve na legislação o uso da ‘contratação integrada’ como modalidade de licitação das cerca de 250 estatais da União, o que é uma excrescência para a engenharia nacional. As ações anticorrupção no País, que expuseram uma imensa ferida na nação brasileira de atos contínuos de má gestão praticados por agentes públicos e empresas de construção civil, infelizmente não parecem ter sido suficientes para impedir que tais situações se repitam. Agora, isso poderá ocorrer sob o manto protetor do Estado”, criticou a entidade, chamando a sociedade brasileira a reagir contra esse retrocesso.
O PL reforça os defeitos da Lei das Estatais. A matéria, que tem como relator o senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) – cujo substitutivo foi aprovado, mas mantém problemas identificados no texto original –, encontra-se na Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional. Revoga a Lei das Licitações (n. 8.666/93), entre outras que tratam do assunto. A “contratação integrada”, na concepção de Murilo Pinheiro, presidente da federação, “em vez de aprimorar a Lei 8.666, abre possibilidade de operações lesivas ao setor público e à sociedade”. Ele acrescenta: “Além disso, conforme apontou o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o Diap, esse projeto também tem um problema de cunho trabalhista, pois propicia a terceirização no serviço público.”
Também critica a contratação proposta no PL 559/2013 o construtor e ex-parlamentar Luiz Roberto Ponte, autor da Lei de Licitações. “Tem que ter projeto para fazer o orçamento correto, que contenha todas as definições das especificações, como será feita a obra.” Ele observa que esse é o primeiro passo e atesta: abdicar disso representa risco à sociedade. Conforme ele, o pretexto que vem sendo usado agora – de que a Lei 8.666 atrasa a obra e burocratiza – é o mesmo que resultou na Lei 12.462/2011, a qual instituiu Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) no contexto da Copa 2014. “Não é verdade. A desobediência da lei é que faz as pessoas entrarem na Justiça e leva à demora”, garante.
Modernizar o necessário
Para Ponte, ao invés de revogar a Lei de Licitações, devem ser feitos “pequenos retoques”. Entre eles, sugere definição clara da multa e correções monetárias em caso de atraso na obra. Também acredita que é preciso atualizar a questão de exigência de comprovação de capacidade técnica – na sua opinião, por vezes excessiva, o que dificulta a participação de projetos de qualidade na concorrência pública. Outra necessidade apontada pelo autor da norma é garantir recomposição, de acordo com a inflação, dos custos de uma obra para que seja exigida licitação. “A lei previa já a dispensa para valores pequenos. Sem a correção adequada, um prefeito vai por exemplo consertar um carro e não pode, tem que fazer concorrência pública.”
Pinheiro considera que “a Lei 8.666 foi um grande avanço no sentido de se moralizarem as contratações no setor público” e ratifica: “É possível aperfeiçoar alguns dispositivos que permitem interpretações equivocadas quanto ao espírito da norma. As mudanças seriam no sentido de garantir a igualdade de condições entre os concorrentes e o julgamento objetivo das propostas a partir de projetos e orçamentos bem elaborados. Fundamental é que sejam cumpridos os critérios de qualificação técnica. Também devem ser desqualificadas propostas, por exemplo, com preços inexequíveis.”
Na sua opinião, a norma deve estar a serviço de um projeto nacional de desenvolvimento, “visando avanços na infraestrutura que ainda é precária, de forma coordenada e planejada”. Assim, é categórico: “A partir dessa orientação, cada obra ou projeto a ser contratado deve ser licitado com base num projeto executivo completo, bem feito e realista. (...) Com isso, podemos ter a melhor solução técnica e também econômica, cumprindo-se os prazos previstos, sem interrupções e, principalmente, sem os famosos aditivos nos contratos que podem fazer os preços iniciais saltarem de forma inacreditável. Por isso mesmo, o menor preço, especialmente quando se trata de projeto de engenharia, não pode ser o único critério. É aquela situação em que o barato sai caro.”
Em artigo de sua autoria, intitulado “O Brasil não é feito apenas de grandes obras”, Carlos Eduardo Lima Jorge, presidente da Comissão de Obras Públicas, Privatizações e Concessões da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (COP/CBIC), reclama do que considera um descolamento das propostas que tramitam no Parlamento e a realidade do mercado: “O País tem hoje cerca de 5 mil obras paradas em razão de diversos problemas, e apenas cerca de 10% delas referem-se a grandes projetos. As demais são escolas, hospitais, rodovias, habitações populares, redes de água e de esgoto, obras contra enchentes etc. (...). Uma legislação que regula todas as compras do poder público não pode nem deve ser aprovada sem ampla discussão com a sociedade civil organizada.” (Por Soraya Misleh)
* Matéria publicada no jornal Engenheiro, da FNE, Edição 173, Outubro de 2016