Nesse modelo, para garantir contratualmente o pagamento à ViaQuatro, consórcio que opera a linha, a solução adotada foi criar duas modalidades de tarifa: uma chamada aqui de “política”, paga pelos usuários na catraca das estações para usar o serviço, e uma “contratual”, desembolsada para a concessionária por passageiro transportado. No modelo tradicional, Metrô e CPTM são remunerados pela tarifa política e pela compensação das gratuidades por meio de repasses do Governo do Estado. Já a ViaQuatro é remunerada por um valor contratual, recebido por cada passageiro transportado.
A diferença é que a tarifa das concessionárias tem seu reajuste contratualmente previsto e absolutamente isolado da definição da tarifa política, aquela que hoje está em R$ 3,80. Isso significa que se o reajuste da tarifa política tiver sido menor que o da contratual, a concessionária, por receber a tarifa contratual, não será afetada. Neste modelo, a existência das gratuidades legais não afeta a concessionária, que recebe o valor acordado em contrato por passageiro transportado, independentemente do tipo (idoso, estudante, convencional, etc.).
No entanto, a existência de tarifas diferenciadas não assegura o efetivo recebimento do valor contratualmente previsto. Para garantir a existência de recursos para pagar a concessionária, também foi criado um mecanismo que prioriza o pagamento delas, evitando a judicialização desses repasses, o que poderia colocá-la na longa lista dos credores de precatórios do Estado. Dessa forma, no contrato de concessão da Linha 4, foi prevista a criação de uma Câmara de Compensação e Pagamentos privada e livre de ingerências estatais. Mas essa Câmara sequer chegou a sair do papel, pois foi criado o bilhete único, em parceria com o Município de São Paulo, unificando todos os pagamentos.
O sistema, de forma simplificada, funciona da seguinte maneira: os recursos pagos pelos usuários da Linha 4, do Metrô, da CPTM e das concessionárias da SPTrans são reunidos em uma conta sistema que, ao final de cada dia, remunera as empresas como exposto na figura abaixo:
Ou seja, a solução encontrada para essas garantias, que foram entendidas como necessárias para viabilizar o modelo, foi usar o próprio volume de arrecadação tarifária de todo sistema a favor da viabilidade econômica da concessão da Linha 4- Amarela.
Com a diferenciação tarifária e esse sistema de priorização da remuneração, o Estado de São Paulo conseguiu fornecer ao parceiro privado a segurança do recebimento de suas tarifas contratuais, mas também gerou uma maior necessidade de repasses seus às suas empresas – Metrô e CPTM.
Um importante esclarecimento é que a adoção de PPPs, em si, não deve ser associada a uma maior geração de despesas estatais para a manutenção do sistema metroviário. Seja operada por uma concessionária ou por um ente estatal, a criação de uma linha adicional de metrô, supondo que se mantenham estáveis todos os demais fatores e custos envolvidos, geraria ao Estado o mesmo custo que o necessário para cobrir as gratuidades e viabilizar algum modelo de subsídio tarifário.
A questão, contudo, é que, ao se criar a tarifa contratual para o operador privado e gerar uma redução do saldo disponível para os demais operadores do transporte sobre trilhos, o Estado de São Paulo criou uma maior necessidade de repasses para essas empresas estaduais, tornando-as mais dependentes de seu controlador, que é ele próprio.
Outro ponto é que, ao optar por realizar a diferenciação tarifária e fornecer a prioridade de recebimento à concessionária, o modelo contratual se distancia e obscurece a compreensão sobre o funcionamento e o financiamento dos diferentes operadores do sistema de transporte sobre trilhos, não permitindo à população a clara compreensão dos limites e das possibilidades de cada um deles. O fato de Metrô e CPTM ficarem com o que sobra do arrecadado nas catracas e necessitar – cada vez mais – de repasses do Poder Executivo Estadual pode, por exemplo, ter impactos na capacidade de investimento em renovação de frota, contratação de funcionários e expansão das linhas.
É importante lembrar ainda que o governo estadual replicou esse modelo no contrato da futura Linha 6-Laranja. A consequência disso é que, na medida em que se concedam mais linhas para a iniciativa privada, a necessidade por maiores repasses ao Metrô e à CPTM, últimos na lista de recebimentos conforme vimos no gráfico anterior, também crescerá. Cada vez mais, a próxima concessionária terá uma prioridade relativa de recebimento, o que a coloca em uma posição melhor que a CPTM e o Metrô, mas inferior às empresas que a antecederam na contratação de parcerias.
Por fim, ao analisar o modelo adotado, sem qualquer pretensão de questionar a utilidade do modelo de PPPs em si, mas pensando sobre as alternativas contratuais adotadas pelo Estado de São Paulo nesse caso e limitando-me à questão do sistema de pagamentos e dos repasses estatais, é inevitável concluir que as concessões privadas só são, e só continuarão a ser, jurídica e economicamente viáveis na medida em que existirem empresas estatais do porte e com o fluxo de caixa do Metrô e da CPTM, pois o fluxo de passageiros (e de caixa) gerado por elas é usado como garantia para a PPP. É sempre possível, também, ainda que improvável ou mesmo financeiramente inviável, que o Estado de São Paulo venha a destacar vultosos fluxos de recursos não afetados ao patrimônio público para assegurar a liquidez dos sistemas de pagamentos.
Há, aqui, portanto, um claro paradoxo no modelo de PPPs do Metrô de São Paulo: a desestatização do setor, por conta de barreiras jurídicas e econômicas, depende da existência e permanência de empresas estatais fortes (ou, ao menos, grandes), que o modelo – em tese – visava substituir.
* Pedro do Carmo Baumgratz de Paula é Mestre em Direito Econômico pela USP. Professor da Universidade São Judas Tadeu e Advogado. Artigo publicado, originalmente, no site observaSP