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02/02/2017

Entrevista – Não existe déficit da Previdência

Sob o já conhecido argumento de déficit, a Proposta de Emenda à Constituição 287/2016 feita pelo Governo Temer entra em discussão novamente com o retorno das atividades no Congresso. O texto, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça em dezembro, aguarda agora a criação de comissão especial que debaterá a matéria. Para a vice-presidente da Associação Paulista dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Apafisp), Margarida Lopes de Araújo, o argumento é falacioso e a proposta de reforma, uma afronta aos direitos dos trabalhadores. “Com essa história de resolver problemas, o governo ataca direitos já consagrados aos trabalhadores brasileiros. A Previdência Social pública é um patrimônio, temos que preservá-la”, afirma a diretora.


Foto: Beatriz Arruda
Margarida Previdência 600
Margarida Lopes de Araújo em defesa da Previdência: "Ela é patrimônio dos trabalhadores e deve ser preservada."

A Apafisp, braço estadual da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), atua há 50 anos na defesa do servidor público e do profissional em regime regular. Em entrevista ao Engenheiro, Araújo mostra as contas feitas pela entidade que desmentem o saldo negativo do caixa previdenciário. “Nós queremos que toda a sociedade saiba e discuta os seus interesses, os seus benefícios, os seus direitos”, diz.

A principal justificativa à reforma da Previdência é de que a conta não fecha. Mas essa conta está correta?

O governo apresenta a Previdência Social de uma forma deficitária porque mostra os gastos com benefícios e programas sociais custeados apenas pela receita da Previdência. Porém, ela faz parte da Seguridade Social, que é um pacote composto também por assistência social e saúde. A Seguridade, por sua vez, tem recolhimento na folha de pagamento do trabalhador, em receitas ou faturamentos, no lucro, em loterias federais e oriundas de importadores de bens e serviços, segundo o artigo 195 da Constituição Federal. E no trabalho da Anfip mostramos claramente que essa é a visão correta, a de pacote. Quando a vimos assim, a Previdência Social não apresenta déficit, e sim superávit.

Como é a conta correta?

A conta errônea que estamos acostumados a ver é a que contabiliza apenas o que se recolhe de receita da Previdência Social, subtraindo o que se paga em benefícios. Em 2015, por exemplo, a Previdência Social recolheu R$ 353 bilhões aproximadamente e pagou R$ 437, gerando o saldo negativo de R$ 84 bilhões. Mas, por se tratar de um conjunto, a Seguridade Social deve ser contabilizada como única. A nossa conta soma todas as contribuições, com base nos dados disponibilizados pela própria União em sites governamentais. A receita total da Seguridade em 2015 foi de R$ 694,4 bilhões. Em benefícios e outras despesas, foram gastos R$ 683,2 bilhões, apresentando assim um superávit de R$ 11 bilhões. Essa sobra é frequente. Em 2014 foi de R$ 53 bilhões, em 2013, de R$ 76 bilhões e em 2012, R$ 82 bilhões. Nesse sentido, não há o que mexer na Previdência Social. É muito triste saber que toda vez que o governo quer resolver seus problemas de caixa ele acaba atacando os direitos dos trabalhadores.

O caixa da Seguridade Social, portanto, tem uma boa receita?

Sim, mesmo com as desonerações perniciosas. Por exemplo, diminui-se a contribuição do empresário com a justificativa de que é para gerar mais emprego, mas isso não é verdade. Tudo mostra que quando ele desonera a folha de pagamento de grandes empresários, isso se transforma em lucro para a empresa, e nunca em novos empregos. Outra coisa que não poderia acontecer é Desvinculação das Receitas da União (DRU), que permitia que 20% da arrecadação da Seguridade fosse usada para quitar outras dívidas da União. Hoje, são 30%. Se a Previdência é deficitária, se a Seguridade Social não supre os gastos, como é que o governo tira esse valor? Ele não deveria fazer isso, mas faz. E isso tudo infelizmente não é divulgado. Para a população só é passado o discurso de que a Previdência vai quebrar, que não dá para pagar benefícios, o que não é real.

Como a reforma prejudica os trabalhadores?

A reforma é injusta, a começar pela idade mínima proposta de 65 anos, tanto para homens como para mulheres. Não é justo, porque a mulher pode ter um tempo menor de contribuição, além do salário inferior e o trabalho doméstico. E, tratando-se do Brasil, sabemos que em muitos estados e cidades mais humildes, onde o trabalhador têm condições precárias, a expectativa de vida diminui. Muitos vão correr o risco de morrer sem se aposentar. Outra injustiça é o tempo de contribuição para o valor integral do benefício. Serão 49 anos. Isso desestimula o trabalhador, que não vai querer contribuir, já que poderá receber muito pouco. No modelo de transição, a idade não será levada em conta, mas o tempo de contribuição será calculado segundo as regras novas. Ele não prejudica o trabalhador que já está para se aposentar, mas pode reduzir seu valor de benefício por direito. Assim, quem já tem 50 anos e já tem um tempo de contribuição entra na regra de transição, tendo que trabalhar mais um ano ou dois, conforme a situação para o cálculo. Tudo isso ainda são propostas em discussão. Mas aí temos outro problema, pois com a chance de mudar a regra, o trabalhador corre para se aposentar e, se não lhe cabe a fórmula 85/95 para receber 100% da aposentadoria, ele vai ter que se sujeitar ao fator previdenciário, o que não é interessante para ninguém.

Qual é a visão da Apafisp sobre a reforma?

Na nossa visão, o governo não tem que reformar a Previdência Social, mas sim criar políticas públicas para melhorar a situação dos trabalhadores. É preciso elevar o nível de emprego, de escolaridade, para que todas as pessoas tenham possibilidade de trabalhar melhor, ganhando mais, e também se aposentar por regras decentes e factíveis.

 

Jéssica Silva e Fábio Pereira
Entrevista publicada no jornal Engenheiro, da FNE, Edição 177, de fevereiro de 2017

 

 

 

 

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