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27/03/2017

As maldades da ‘deforma’ da Previdência

“Tem muitas maldades nessa reforma. Então, temos que massificar essas maldades.” Foi com essa fala que o jornalista João Franzin, coordenador da Agência Sindical, abriu o debate sobre a proposta de reforma da Previdência (Proposta de Emenda à Constituição nº 287/2016) e desafios da comunicação, realizado pela agência em conjunto com o Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, na capital paulista, no dia 24 de março último.

O primeiro bloco do seminário abordou os impactos econômicos e sociais da PEC 287. O material de base para a discussão foi o documento “Previdência: reformar para excluir?”, produzido pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) com a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip). “É uma contribuição ao debate em defesa da aposentadoria”, disse o professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador da rede Plataforma Política Social, Eduardo Fagnani.

Segundo ele, a “deforma” da Previdência, como definiu, “acaba com o direito a proteção à velhice no Brasil”. “Está na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, no artigo 25 que diz que todo homem tem direito a proteção à velhice”, explicou. Ele continuou sua fala ressaltando como maldades as modificações dos requisitos à aposentadoria na nova regra, se aprovada. Para se aposentar, o trabalhador terá que ter 65 anos e o mínimo de 25 anos de contribuição ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Nessa situação, o trabalhador receberá 76% do valor do benefício. Para receber a aposentadoria integral, no teto de R$ 5.531,31, o empregado tem que completar 49 anos de contribuição. “Isso é um escracho”, criticou.

Para ele, mesmo os 25 anos de contribuição são “impossíveis de se atingir”. “Hoje, no Brasil, 45% dos trabalhadores estão na informalidade. Essa é a média nacional, mas em regiões como Nordeste a informalidade chega a ser de 65% a 70%”, contou ele citando estudo do Dieese. E continuou: “Em 2015, 80% das pessoas que se aposentaram no Brasil foram por idade. Essas estavam com menos de 20 anos de contribuição. Nesse cenário, temos apenas 20% da população em empregos que possibilitam a contribuição ao INSS por mais de 25 anos.”

O tempo de contribuição já aparentemente extenso foi exemplificado de forma mais intensa pelo economista da subseção do Dieese do Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos e Região, Rodolfo Viana. O trabalhador tem que comprovar 180 “boletos”, como ele chamou, nas regras atuais, proporcional ao mínimo de 15 anos hoje aplicado. Na regra proposta, de 25 anos, esse número sobe para 300. “É como se falasse ao trabalhador que ele tem uma dívida em 300 vezes, sendo que para se tentar o benefício integral (49 anos de contribuição) esse carnê de 300 parcelas pula para 588.”

Foto: Jéssica Silva
Debate Previdência BarãoRodolfo Viana (à esq.), do Dieese; Altamiro Borges, o Miro, do Barão de Itararé e o professor Eduardo Fagnani

 

Transição prejudicial

Para o trabalhador que entraria na regra de transição, conforme alertou o técnico do Dieese, a fórmula também é prejudicial. “A transição exige que se trabalhe 50% a mais do que faltaria para a pessoa se aposentar, como um pedágio”, conta. O cálculo do benefício já é feito na nova fórmula proposta. “Hoje, para acessar a aposentadoria, o trabalhador já começa com 70% da média das suas maiores contribuições. Na regra proposta, 51% da média são garantidos e ele passa a receber mais 1% por ano de pedágio”, comparou Viana.

Além da diferença nos percentuais, citou o economista, a média é calculada em cima de todas as contribuições, e não somente das 80 maiores, como é hoje. Ao início da vida laboral, é de se esperar “que seu salário seja baixo e cresça com reajustes, ao longo da carreira”, lembrou ele. Logo, a média a partir de todos os valores “abaixa o valor do benefício”.

“Colocando na realidade, a única forma de se aposentar com essas regras é se o jovem começar a trabalhar aos 16 anos, parar aos 65, não ficar um mês sequer desempregado e sempre ganhar o teto salarial”, resumiu Viana. “Imagine essa situação com um metalúrgico, no pé de uma prensa”, salientou ele.


Idade mínima

Além disso, “a idade mínima que se está propondo é móvel”, destacou Fagnani. Sempre que a expectativa de sobrevida aos 65 anos aumentar um ponto, explicou o professor, automaticamente “aumenta a idade mínima para aposentadoria”. A PEC estipula essa idade apoiada na média da expectativa de vida no Brasil, que atualmente é de 75 anos. “Mas em mais da metade das unidades da federação do País a expectativa é muito inferior a isso”, esclareceu.

Dados do documento do Dieese mostram que, no município de São Paulo, a média da expectativa de vida é de 76 anos. Nos bairros ricos é de 78 e, em cinco distritos mais pobres, a média é de 54. “O Brasil, além de ser um dos países mais desiguais do mundo, é extremamente heterogêneo” disse.


Imagem do documento "Previdência: reformar para excluir?"

Mapa de índice de expectativa de vida por distrito munícipio de SP Dieese 270317

Para Fagnani, juntamente com a idade mínima e o tempo exigido de contribuição, outra maldade em curso é a alteração no Benefício Assistencial ao Idoso, instituído em 1988. “Se ele tem 65 anos e renda equivalente a um quarto do salário mínimo, ele tem direito a esse benefício mesmo sem contribuir ao INSS”, contou. A PEC sugere que a idade mínima para este benefício seja de 70 anos.

“Essa reforma, junto com a terceirização da atividade-fim e a reforma trabalhista também em curso, tem potencial para quebrar a Previdência Social. Seja porque as pessoas não terão capacidade de contribuir pelo tempo pedido; ou pelo aumento da informalidade no mercado de trabalho; ou ainda pelo jovem que começa a trabalhar, hoje, aos 16 anos e sabe que tem que trabalhar ininterruptamente durante 49 anos para se aposentar aos 65 e, sabendo que não conseguirá isso, escolhe não contribuir”, concluiu o professor.


Casos específicos

Outro ponto exemplificado pelo especialista do Dieese foi em relação ao auxílio por pensão por morte, que também sofre alterações com a PEC 287. Nas regrais atuais, o benefício é integral, com o projeto do governo cria-se uma cota familiar. O falecimento conta como aposentadoria, então será calculado o 51% da média das contribuições, que dá início ao valor do benefício, mais 1% por ano trabalhado e então, desse resultado, calcula-se a cota. Essa equivale a 50% do resultado final do benefício que seria de direito ao trabalhador ou trabalhadora falecido(a) e mais 10% por dependente, caso esse tenha filhos. “E filhos até 21 anos, após essa idade ele é retirado do cálculo da pensão”, salienta Viana. Ele ainda explica a todos no debate que não será possível somar benefícios. “Se um trabalhador que sempre contribuiu ao INSS, com um bom salário, falecer, sua companheira terá que escolher entre a própria aposentadoria ou a pensão”, explanou.

Sobre o trabalhador rural, Fagnani afirmou que “esse não vai mais se aposentar”. O agronegócio é isento do recolhimento à Previdência, desde 1997, sendo a contribuição do trabalhador rural computada pela produção. Com a nova regra, ele passa a contribuir mensalmente, “como um boleto bancário”, disse. Isso, argumenta ele, desestrutura a renda familiar do ruralista. “Ele vai optar por não contribuir.”


O mito do déficit

A PEC 287, conforme apontou os especialistas no debate, está apoiada no argumento do caixa deficitário da Previdência. Fagnani destacou que um dos motivos desse argumento é o Indicador Razão de Dependência de Idosos, que sinaliza que cada vez mais terá um número menor de trabalhadores ativos que vai financiar um número maior de aposentados. “Qual é o problema desse indicador? O falso argumento é de que o INSS é financiado apenas pelo trabalhador, e não é”, disse.

A Previdência Social faz parte da Seguridade Social, que tem outras arrecadações além da receita da folha salarial do trabalhador e do imposto patronal. “Se olharmos todas as contribuições da Seguridade Social, percebemos que a Previdência é superavitária, não tem nenhum problema de falta de dinheiro. Aliás, se quiserem arrecadar ainda mais, primeiramente é só cumprir a Constituição, melhorar a fiscalização e parar de desonerar empresários”, criticou Viana.

Em 2015, conforme dados da Associação Paulista dos Auditores-fiscais da Receita Federal (Apafisp), a seguridade social apresentou um superávit de R$11 bilhões. “Não precisamos aumentar impostos ou criar requesitos que dificultem o trabalhador de se aposentar. Para se equacionar essa questão, basta que a Constituição da República Federativa do Brasil seja cumprida”, apontou Fagnani. 

 

Leia também: Imprensa sindical articula estratégia para atuar contra reforma da Previdência, matéria sobre a segunda mesa do debate.

 

 

 

Jéssica Silva
Comunicação SEESP

 

 

 

 

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Comentários  
# AgronomoJose Veiga 30-03-2017 13:46
Não podemos esquecer que a Seguridade Social não tem como obrigação apenas pagar aposentadorias, mas cuidar da assistência social e médica da população em geral. Se deixarmos o valor das aposentadorias crescer indefinidamente , vai haver cada vez menos recurso para investir em importantes iniciativas de saúde pública, etc. Não gosto da reforma, mas acho que ela tem que acontecer, e será inevitavelmente amarga.
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# As estatísticas utilizadas pelo governo são tendenciosas e superficiaisArtur Zen 30-03-2017 10:37
O governo Federal ao invés de pensar nas reformas estruturais mais importantes para o país, tais como: sistema político, tributária, educação, saúde, etc. Prefere atender o anseio de poucos e ignorar as necessidades de muitos. A maioria dos dados coletados correspondem ao período de crise econômica e, por conseguinte os números são irreais frente ao discurso de que a Previdência vai falir um dia. É mais fácil pensar em medidas irresponsáveis ao invés de melhorar a gestão pública e uso correto do dinheiro arrecadado. Que por sinal nunca foi pouco.
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