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29/09/2020

Artigo - Habitação para quem mais precisa! Ou não?

Humberto Schmidt*

Na edição do Diário Oficial do Estado de São Paulo do dia 13 de agosto último, foi publicado o Projeto de Lei (PL) 529/2020,  que estabelece medidas voltadas ao ajuste fiscal e ao equilíbrio das contas públicas, com a finalidade de dotar o Estado de meios de enfrentamento da grave crise decorrente dos efeitos negativos da pandemia da Covid-19.

Uma das medidas incluídas no projeto é a extinção de unidades descentralizadas, dentre elas a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU-SP), com a transferência de suas atividades para a Secretaria de Habitação.

 

CDHU divulgacaoDivulgação CDHU


No breve parágrafo da mensagem de envio do PL à Assembleia Legislativa, a justificativa apresentada é que, com o desenvolvimento de programas estimuladores da atividade privada para o setor da habitação de interesse social, como o “Casa Paulista” e o “Minha Casa Minha Vida”, entre outros, e os bons resultados alcançados com as parcerias público-privadas na área da habitação, a CDHU perdeu espaço na operação direta de construção e financiamento habitacional (sic).


Como funcionário de carreira da CDHU, concursado, onde ocupei diversos cargos, chegando ao de diretor-presidente em 2018, não pretendo aqui criticar o governo. Sou funcionário e o respeito.


O que pretendo é discutir o porquê de tamanha radicalidade do ato de extinção de uma companhia com mais de 50 anos de história, que já atendeu mais de meio milhão de famílias com renda de um a três salários mínimos.


O porquê da extinção de uma companhia que arrecada em sua carteira própria R$ 800 milhões por ano.


O porquê da extinção de uma companhia que produz unidades habitacionais em pequenos municípios do Estado de São Paulo, onde a iniciativa privada não consegue viabilizar empreendimentos e não se interessa em produzir soluções habitacionais.


O porquê da extinção de uma companhia que tem expertise em projetos integrados de urbanização de favelas, nas questões urbanísticas e de execução das obras e ainda nas do trabalho técnico e social, brilhantemente realizado e reconhecido internacionalmente.


O porquê da extinção de uma companhia que tão bem trabalhou com associações de movimentos de moradia, produzindo milhares de unidades habitacionais em autogestão e mutirão.


O porquê da extinção de uma companhia a qual outras pastas do governo recorrem quando precisam liberar frentes de serviço (como linhas de metrô e trem, rodovias, saneamento), tendo em vista seu know-how em remoção, produção de unidades e realocação.


São muitos porquês a serem respondidos antes de falar em extinção da CDHU.


É inegável que os programas habitacionais citados são importantes, assim como toda e qualquer iniciativa que vise suprir o déficit habitacional, a exemplo do recém-lançado “Nossa casa – preço social”. Todos se complementam.


No entanto, é de conhecimento público que o programa MCMV (agora transformado em Casa Verde e Amarela) reduziu a zero a quantidade de novas unidades habitacionais contratadas na faixa 1 do programa, para famílias com renda de até R$ 1.800,00, mesmo antes da pandemia. Isso significa que famílias com renda inferior a dois salários mínimos praticamente serão alijadas do processo.


E, o que falar das parcerias público-privadas (PPPs)? Embora seja uma alternativa válida, o volume produzido é irrisório. E, da forma como estão modeladas, as iniciativas de sucesso apresentam as mesmas dificuldades de financiamento para famílias com renda inferior a dois salários mínimos.


Concluindo, parece que a proposta de extinção da CDHU é bastante questionável pelo simples fato de ela atender a um perfil de famílias – municípios pequenos, renda inferior a dois salários mínimos, projetos de urbanização de favelas em regiões metropolitanas – que os outros programas existentes ainda não se mostraram capazes.


Entendo que a CDHU precisa se reinventar, definir muito bem qual o seu nicho de atuação, ser enxugada, se modernizar, modelar e lançar PPPs próprias – afinal quem forneceu garantias à única PPP que já foi executada pelo Estado foi a própria CDHU através de parte de sua carteira de recebimentos.  Porém, usar a pandemia da Covid-19 e seus efeitos como motivo para extinguir companhia de tamanha importância, trata-se de verdadeiro e completo equívoco.


Quero, com essas breves linhas, clamar aos ex-secretários de Habitação, aos ex-presidentes e ex-diretores da companhia, aos deputados estaduais e Federais, aos prefeitos e vereadores dos municípios paulistas e às mais diversas lideranças da luta por moradia, que se manifestem, que reconheçam a importância da CDHU e colaborem assim para não deixá-la ser extinta.


Que ao menos o tema seja discutido a fundo. Com isso, verão que dar fim à empresa não eliminará os efeitos negativos da pandemia. Pelo contrário, irá agravá-los, pois quem mais precisa de moradia, neste cenário, necessitará ainda mais!


* é engenheiro da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), tendo sido presidente da empresa em 2018.




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