Haydée Svab atuou no Metrô de São Paulo e hoje trabalha como cientista de dados em diversos projetos urbanos.
Rosângela Ribeiro Gil
Aos 16 anos de idade, na metade da década de 1990, ela já era estagiária pelo curso técnico em edificações, que fazia na antiga Escola Técnica Federal de São Paulo – atual Instituto Federal de São Paulo (IFSP). Hoje, a engenheira civil e arquiteta formada pela Universidade de São Paulo (USP) é cientista de dados e pesquisadora em mobilidade urbana, sócia e cofundadora da empresa de consultoria ASK-AR.
Svab construiu uma carreira diversificada. Ela passou em primeiro lugar no concurso público da Companhia Metropolitana de São Paulo (Metrô) para o cargo de engenheira civil, esteve à frente de várias obras importantes da companhia e, na sequência, preferiu dar novos voos.
Nesta entrevista que integra série especial pelo Dia Internacional da Mulher, 8 de março, a engenheira discorre sobre desafios, conquistas e faz um convite para que as mulheres não desistam dos seus sonhos e ocupem os lugares que quiserem. Também tem conselhos para homens e para o mundo corporativo.
Como foram os seus primeiros passos na carreira?
Fiz técnico em edificações e comecei como estagiária aos 16 anos de idade. Inicialmente trabalhei com licenciamento de projetos junto a órgãos públicos para obtenção de AVCB [Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros], habite-se, licença de funcionamento etc. na Licence Projetos e depois trabalhei com acompanhamento de obras habitacionais de pequeno e médio portes na Tecnosul Engenharia e Construções.
E no Metrô de São Paulo?
Trabalhei, na primeira vez, de 2010 a 2019, ficando alguns meses desligada da empresa nesse período. Comecei como técnica de obras e custeio, pois ainda não havia me formado. Ao final da graduação, emendei o mestrado em Engenharia e Planejamento de Transportes na Poli-USP e pedi demissão do Metrô. Tanto por saber que não seria possível ser promovida de técnica a engenheira por ser concursada quanto pela vontade de dedicar mais tempo à pesquisa. Felizmente, em questão de meses, abriu outro concurso do Metrô-SP, prestei para o cargo de engenheira civil e passei em primeiro lugar, então retornei à companhia.
Nessa fase, já como engenheira civil, quais foram as grandes obras em que esteve envolvida?
Trabalhei diretamente com execução de obras, no canteiro, iniciando pela Estação Tamanduateí. Depois, acompanhei processos de modernização de sistemas – como a adoção de CBTC [Controle de Trens Baseado em Comunicação] na linha 1 - Azul e das portas de plataformas em estações das linhas 2 - Verde e 3 - Vermelha. Nesse caso, o principal desafio foram os turnos enxutos da madrugada, porque esses serviços não poderiam ocorrer durante o dia com as estações operando. Acompanhei execução e controle de qualidade do pátio de vigas e construção da Linha 15 - Prata (monotrilho leste). Trabalhei com o projeto básico, com ênfase na gestão de projetos, melhoria de processos e implementação da gestão de riscos. Dois projetos que gostei bastante de ter acompanhado foram o da sede administrativa do Parque do Carmo e a ciclovia sob o monotrilho leste. Hoje, ambos já foram construídos e, na minha opinião, representam uma visão de projeto de transportes que não olha apenas para dentro, mas como os sistemas de transportes interagem – positivamente, nesses casos – com o meio urbano e as relações na cidade. Por fim, também trabalhei na área de planejamento, em especial na consecução da Pesquisa Origem Destino 2017 capitaneada pelo Metrô-SP e que contou com financiamento do Banco Mundial. Tendo percorrido a trajetória da obra até o planejamento, tinha o anseio de aprofundar meus estudos e minha carreira na área de cidades inteligentes. Foi quando decidi sair do Metrô-SP.
Como está sendo essa nova fase na sua carreira?
Desde 2019 trabalho como consultora, pesquisadora e cientista de dados em mobilidade urbana e cidades inteligentes. Venho aperfeiçoando minhas habilidades na área de dados e buscando trabalhos que façam sentido para mim, que não sejam apenas para ganhar dinheiro e pagar as contas no fim do mês, embora isso seja fundamental.
Dessa forma, prestei consultoria de dados e tecnologia para ONGs [Organizações Não Governamentais] como a Conectas Direitos Humanos (projeto Carcerópolis), Revista Azmina (aplicativo PenhaS) e Think Olga (pesquisa Meu Ponto Seguro).
Você também tem experiência com organizações internacionais?
Trabalhei com o Banco Mundial, no Plano de Ação de Gênero e Mobilidade para a cidade de São Paulo, e o BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento], em análise de dados latino-americanos, tendo em vista a pandemia da Covid-19. Atualmente, sou consultora junto ao consórcio contratado para o estudo de viabilidade técnica e econômica do projeto VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) de Niterói [RJ].
Como é ser engenheira numa profissão ainda predominantemente masculina?
Não vou dizer que somos tratadas igualmente porque não somos. Sempre há um desafio constante numa obra: tornar a presença ali natural, fazer notarem o trabalho ao invés de notarem que se trata de uma mulher. Para um homem, entrar lá e trabalhar é apenas normal, o que se espera dele. Mas acredito que estamos evoluindo. A importunação sexual recentemente foi classificada como crime. Cada vez menos se vê como "natural" comportamento inapropriado no ambiente de trabalho, e também temos algumas empresas tomando reais ações afirmativas tanto em relação a gênero como a raça. O caminho é longo e a jornada turbulenta, mas apesar disso há espaço para realização profissional sim.
Qual seu conselho para as engenheiras e estudantes da área?
Para estudantes, homens ou mulheres, estudem, não se limitem e não se deixem limitar por aquilo "que sempre foi assim", porque nada melhor que a ousadia e a curiosidade que temos nessa fase e que, ao meu ver, devemos cultivar. Além disso, ter jogo de cintura é importante em qualquer profissão, para qualquer gênero, mas para as mulheres ainda é necessário e estratégico, infelizmente, pôr limites a brincadeiras ou piadas inapropriadas. Queria mesmo é deixar sugestões aos homens, em especial aos que estão em posições de liderança, e espero que leiam esta entrevista. Evitem infantilizar as mulheres ou suas opiniões no ambiente de trabalho. Se você não diria a seus colegas, numa reunião, "vamos ouvir os meninos agora", não diga "vamos ouvir as meninas agora". Se você não diria ao entrar uma pessoa "a visão ficou mais bonita porque o fulano está aqui", não diga "a visão ficou mais bonita porque a fulana está aqui". Isso pode ser até retribuído com um sorriso – sincero ou não –, mas o foco profissional vai para a aparência daquela mulher e não para o que ela dirá.
E para o mundo corporativo, qual seu conselho?
Ofereçam remunerações iguais para cargos iguais, bem como incentivos equânimes para promoções e permanência nas empresas. Esperem que tanto o seu funcionário quanto a sua funcionária levem filhos ao pediatra. Ofereçam licença-paternidade o mais parecida possível com a licença-maternidade, pois se queremos uma geração diferente e pais mais participativos, é preciso não apenas proteger a maternidade como promover a paternidade. Enfim, vejo homens e mulheres como colegas de trabalho que devem cooperar igualmente, e deixo aqui o convite para que eles sejam aliados nas necessárias mudanças de comportamento que estão por vir.
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