Fernando Godoy*
Imagine-se caminhando por um parque. Uma árvore causa curiosidade. A qual espécie pertence? Você ativa seu dispositivo e diante dos olhos surgem informações como nome científico, origem e tempo médio que levou para crescer.
Adiante no passeio, você se lembra de algum ingrediente faltando para o jantar. Sem interromper a caminhada, acessa uma vending machine virtual e faz o pedido para entregar na sua casa.
Em seguida, encontra um amigo usando uma camiseta que lhe chama atenção. O mesmo dispositivo informa o tipo de malha, nome do artista que fez a estampa, quais as lojas mais próximas, cores disponíveis e o preço do produto. Se decidir ir até a loja caminhando, o dispositivo vai mostrando o caminho ideal com animações e anúncios customizados para o seu perfil, mostrando o nome de cada loja e o que está em promoção ao longo do trajeto.
Parece episódio da série Black Mirror? Bem-vindo, você chegou ao Metaverso!
Segundo a Wikipedia, o termo descreve um espaço coletivo, composto de realidade virtual, aumentada e inteligência artificial, conectado à Internet e que replica a realidade através de dispositivos digitais.
O Metaverso cria formas de aprender, trabalhar, socializar e se divertir. Alguns chamam de fígital, a união do físico com o digital, ou ainda de internet espacial.
O prefixo “meta” vem do grego e significa além, o que nos remete a algo futurista, novas possibilidades que não enxergamos até agora. O termo foi cunhado pela primeira vez em 1992 na obra “Nevasca” (Snowcrash), de Neal Stephenson.
Os mais velhos vão se lembrar de um metaverso chamado Second Life, lançado em 2003. Foi uma daquelas grandes inovações que surgiram antes do tempo. Não vingou por falta de infra e conectividade adequadas, apesar de ter experimentado um breve revival ano passado.
Modelo híbrido
Se a transformação digital e a evolução de tecnologias tornou as pessoas mais receptivas a experimentar roupas, realizar casamentos e formaturas em plataformas virtuais, por que não aprender e trabalhar nelas?
Mesmo depois que passar a crise sanitária, o modelo híbrido deve dominar no trabalho, nas escolas e em muitos eventos. O ambiente “virtual” tornará o espectador protagonista, como ocorre em um game, por meio de um avatar.
Parece consenso na indústria que, em breve, poderemos ter experiências virtuais muito próximas daquelas da vida real. Teremos a opção de ir a um evento como o Consumer Electronics Show ou ficar em casa e acessar plataformas inovadoras, com resultados semelhantes e até superiores ao presencial, uma vez que a tecnologia é capaz de proporcionar elementos lúdicos durante o aprendizado e conectar mais pessoas com interesses em comum.
No ambiente de trabalho, estudos de consultorias como McKinsey e Gartner têm ressaltado o papel central que uma comunicação eficaz vai assumir nesta nova configuração de trabalho. Segundo a Axios, cerca de 80% dos executivos e funcionários afirmam que a comunicação ineficaz foi a causa das suas falhas no local de trabalho.
Quem assistiu aos professores durante o isolamento social testemunhou o quanto tiveram de se reinventar para conseguir dos alunos alguma regularidade de estudos. O dilema é: como engajar as pessoas?
A resposta está no conteúdo. Um metaverso à disposição dos educadores, especialistas, palestrantes ou de qualquer pessoa que queira levar conhecimento ao seu público, o que não ocorre nas ferramentas de videoconferência nem nas plataformas de EAD.
Teletransporte
Lembra do Teletransporte de filmes como A Mosca ou De Volta Para o Futuro? Em vez de ouvir relatos, ler um texto ou mesmo assistir a um documentário sobre o Império Romano, que tal o estudante caminhar pela Via Appia da Antiguidade e descobrir como era a paisagem, examinar objetos em 3D, conversar com outros avatares e discutir as decisões tomadas por um determinado imperador e suas consequências?
O especialista (professor) lhe pede para caminhar mais um pouco até descobrir um portal que leva você para um jogo de estratégia no qual exerce o papel de Imperador e precisa tomar decisões que terão impacto sobre a ascensão ou declínio do Império.
Seus colegas de classe através dos respectivos avatares irão compor o Senado e debater e questionar suas decisões. Todas as interações ficam salvas e, por meio de IA, vão gerar relatórios para o professor analisar o desempenho de cada um, indicando quais conteúdos precisam ser reforçados.
Que tal ter aula de medicina como no filme Viagem Insólita, em que uma cápsula navega na corrente sanguínea? Astronautas não precisarão mais ir ao espaço para explorar o Universo, bem como oceanógrafos dispensarão mergulhos para estudar a vida na Fossa Mariana.
As marcas e a vida no metaverso
Dentro de um metaverso, as marcas poderão interagir de forma turbinada se comparada ao que ocorre hoje nas mídias sociais. Visualizar produtos 3D, conversar com assistentes virtuais para tirar dúvidas, jogar um game para ganhar desconto ou badge de reconhecimento, encontrar com sua tribo e discutir um tema qualquer, desenvolver roupas para os avatares.
Nesse ambiente, o consumidor é vendedor ao mesmo tempo. A tecnologia capta e trata os dados, antecipando tendências e desejos.
O anônimo vira celebridade, cria a própria marca, produz roupas e faz streaming do que quiser. Mistura de negócios, cultura, marketing, socialização, aprendizado e entretenimento.
No período de uma hora, posso jogar escutando um show da minha banda favorita ou um workshop sobre criptomoedas, converso com amigos, avalio um livro e negocio um asset digital ganho na semana anterior, digamos, um troféu medieval (digital) criado por um designer na Estônia que conquistei ficando em primeiro lugar num torneio dentro de um metaverso, onde os demais usuários compraram novas skins para seus avatares.
Economia, cultura e comportamento borram as fronteiras e criam experiências dificilmente reproduzíveis no mundo físico. Aliás, físico e virtual são termos obsoletos. O metaverso tem o melhor de ambos. Graças à tecnologia e à criatividade, que talvez seja a nossa salvação (guarde essa informação para entender o dilema adiante).
Novos dispositivos
Temos equipamento para isso? Um dos precursores da realidade mista foi a Microsoft, por meio dos óculos Hololens, que permitem projetar virtualmente uma tela da Netflix ou os gols da rodada, a previsão do tempo e a lista dos compromissos. Tudo com as mãos livres, preparando o café da manhã.
A chegada do 5G e o lançamento de novos dispositivos vestíveis (provavelmente novos óculos mais leves e poderosos) serão lançados por Apple, Facebook, Samsung, HTC ou algum outro grande do mercado. Um metaverso com conexão de alta velocidade em dispositivos inovadores.
Tem alguma contraindicação?
Se qualquer informação ficará ao alcance de um comando de voz, ainda vamos usar nossa memória? No que isso impacta em termos de desenvolvimento cognitivo?
Não podemos cair na armadilha dos filmes distópicos para os quais a IA criará uma legião de humanos desnecessários. Vamos nos livrar do trabalho repetitivo e tomar melhores decisões baseadas em dados. Estudo recente do Fórum Econômico Mundial estima que até 2025 vão desaparecer 85 milhões de empregos por causa da transformação digital. Só que outras 97 milhões de profissões serão criadas.
E o que pode nos trazer de incerto a inteligência artificial?
Superinteligência e assistentes virtuais
Atualmente, os exemplos mais tangíveis de IA são os assistentes virtuais. No futuro, Alexa, Siri, Google Home, em vez de só tocarem música, desligarem uma luz ou darem o resultado do jogo de futebol, vão fazer pedidos diretamente ao supermercado, assim que detectarem que não tem iogurte na geladeira.
A “voz dentro de uma caixa” poderá se tornar seu melhor amigo virtual na forma de holografia sendo projetada pelo seu dispositivo digital em qualquer lugar e a qualquer momento. É como se tivéssemos à disposição, em uma única “pessoa”, o conhecimento de diversos amigos especialistas, dos esportes à filosofia.
Máquinas coletam e processam dados em velocidades insuperáveis. Nós ganhamos na capacidade de tomar decisões.
Só que a superinteligência está a caminho. Em uma década, além de tratar dados em tempo recorde, a máquina tomará melhores decisões que nós? Qual será nossa função no mundo? Projetar robôs ainda melhores? Ou o robô fará isso sozinho? Você argumentaria: temos a criatividade. Até quando?
Deixemos a futurologia de lado; o metaverso já é realidade. Podemos criar melhores experiências sociais, culturais, econômicas e de aprendizado. Pesquise sobre, experimente, crie, aplique ao seu negócio e colha os resultados.
Daqui a 10 anos os novos líderes de mercado serão os que mais rapidamente se aproveitaram das oportunidades criadas pelo metaverso, seja uma startup que nem foi criada ou um desconhecido que se tornou celebridade, criou produtos e serviços e interagiu em um contexto muito mais imersivo do que temos hoje no Instagram.
É hora de dar um salto e mergulhar no metaverso.
* Fernando Godoy é CEO da Flex Interativa