Soraya Misleh / Comunicação SEESP
Realizado na tarde desta quinta-feira (30/3), na sede do SEESP, na Capital, o seminário “Hidrogênio verde como fonte energética ao transporte sustentável e solução à descarbonização da economia” abordou em seu último painel o potencial brasileiro e estratégias de alavancagem do mercado do H2V. A moderação coube a Fernanda Leite, da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ Brasil) GmbH.
Em meio à urgência reconhecida globalmente de combate às mudanças climáticas, o evento se mostrou fundamental ao debate sobre a inovação em energia limpa. A realização se deu em parceria entre o sindicato, por meio do seu Conselho Assessor de Mobilidade Urbana, e a Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, por meio do projeto H2Brasil, implementado pela GIZ.
Diretor desse projeto, Markus Francke abriu os trabalhos apresentando a iniciativa, que conta com financiamento do governo alemão e atuação junto ao Ministério de Minas e Energia (MME). “Queremos criar um mercado novo de hidrogênio verde, o que gerará oportunidades para muita gente e economia muito mais sustentável”, afirmou.
Ele enfatizou o “potencial enorme do Brasil” em relação ao H2V, indicando as lacunas para que se avance no seu aproveitamento. O principal desafio, na sua avaliação, é a formação de um mercado, o que é dificultado pela falta de regulamentação e legislação que “permita à iniciativa privada fazer os investimentos necessários para montar indústrias e [obter] produção de hidrogênio verde e derivados”. Francke informou que a GIZ Brasil tem buscado apoiar o MME nessa direção.
Também revelou que desde que o projeto se estabeleceu no Brasil, em 2021, sua equipe tem se dedicado à realização de ampla gama de estudos sobre a nova tecnologia, com previsão de finalização ainda neste ano.
Além de apontar cenários distintos, questões como expansão das redes, financiamento, regulação e estratégias, a GIZ Brasil também tem se debruçado em auxiliar o País no tema da certificação, como destacou Francke, “fundamental para a exportação de hidrogênio verde”.
Busca ainda disseminar informações sobre H2V e capacitar técnicos, principalmente em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Conforme o diretor do projeto, somente no ano passado foram mais de 300 qualificados e já são seis laboratórios instalados com a colaboração da GIZ Brasil para essa formação. Na inovação, a iniciativa alemã tem firmado convênios de cooperação entre universidades brasileiras e alemãs.
Francke informou que já são sete instituições nesse trabalho conjunto, em distintas áreas de pesquisa. Mencionou, entre elas, as universidades federais de Itajubá, do Rio de Janeiro (UFRJ) e de Santa Catarina (UFSC). Esta última, como descreveu, tem se debruçado, dentro do laboratório de fontes renováveis, especialmente solar, a desenvolver H2V como fonte de armazenamento de energia e na produção de fertilizante verde para uso em plantação de café.
Projetos na academia
A pesquisa desenvolvida pela UFRJ, de uso do H2V em bicicletas, foi objeto da palestra da docente e coordenadora do Programa de Engenharia de Transportes (PET) da universidade, Andrea Souza Santos. Secretária executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, antes de entrar no tema, ela saudou a participação feminina equânime no painel, frisando: “Sou a segunda mulher da nova geração de professoras na UFRJ e, na pós-graduação strictu sensu, já temos mais pesquisadoras mulheres do que homens. Aos poucos, vamos ganhando nosso espaço.”
Santos enfatizou a importância fundamental do tema, em meio às informações “muito preocupantes” reiteradas na última semana pelo último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). “Não há outro caminho que não descarbonizar”, vaticinou.
A professora da UFRJ frisou que o H2V é promessa desde a Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP 26), realizada em 2021 na cidade de Glasgow, na Escócia. Na seguinte, ocorrida no ano passado, de acordo com a especialista, já se revelaram “avanços e mensagens mais incisivas sobre a importância de promover a nova economia de hidrogênio verde”. Ela acredita na continuidade desse processo de evolução, que deve ser demonstrado na COP 28, ao final de 2023.
Parte desse esforço, a UFRJ tem produzido em seu laboratório hidrogênio verde via eletrólise, combinado com outras fontes limpas, para uso na micromobilidade. Já há, como contou Santos, duas bicicletas em teste, circulando no campus.
A tecnologia é híbrida, utilizando sistema elétrico e hidrogênio. “Percebemos que a autonomia é muito maior, permitindo percorrer 150km com apenas um cilindro. Isso é importante, porque a bateria ion de lítio é um problema muito sério.” Uma das pesquisas em curso, segundo a docente, é a utilização do H2V na produção de pilhas a combustível. Com relação aos protótipos de bicicletas, estão em estudo questões como segurança e armazenamento.
Pesquisas também vêm sendo realizadas junto ao Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ, que conta com um ônibus a hidrogênio em circulação no campus.
Tecnologia sustentável para transformar lodo de ETE [estação de tratamento de esgotos], agrorresíduos e biomassa extrativista em combustível de baixo carbono e hidrogênio verde é a proposta da startup Green Energy, criada em 2020 e acelerada pela GIZ Brasil, cujo trabalho foi apresentado no seminário pela fundadora da empresa e cientista Glaucia Eliza Gama Vieira, PhD em química, professora da Universidade Federal do Tocantins.
Conforme ela frisou, a iniciativa alinha-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) números 6 (água potável e saneamento), 7 (energia limpa e acessível), 9 (indústria, inovação e infraestrutura) e 17 (parcerias e meios de implementação).
A importância foi destacada por Vieira: “Mais de 600 milhões de crianças no mundo sofrem com aquecimento global. São cerca de 700 milhões de pessoas sem eletricidade. Somente no Brasil, mais de 100 milhões não têm acesso a coleta de esgoto. O grande desafio é a transição energética, a indústria em geral acumula resíduos em pátios, cuja destinação são os aterros sanitários e/ou industriais. São resíduos ricos em matéria orgânica – estima-se a produção de aproximadamente 4 milhões de toneladas de lodo de ETE por ano no Brasil. A proposta da Startup é transformar o lodo de ETE, agrorresíduos e biomassa extrativista da Amazônia em combustíveis de baixo carbono e hidrogênio verde, oferecendo soluções sustentáveis para a indústria reduzir custos operacionais, promover descarbonização, sustentabilidade e impacto socioambiental”, detalhou.
A visão da indústria
Conselheiro em Tecnologia e Transição Energética e para Tecnologia e Inovação da SAE Brasil, Camilo Adas deu uma aula sobre gases de efeito estufa e aquecimento global, trazendo informações fundamentais para a compreensão dos impactos das mudanças climáticas.
“O setor de transportes é responsável por 16,2% das emissões globais de CO2, dos quais 11,5% ou mais são oriundos do rodoviário”, revelou. E foi categórico: “É preciso discutir todas as rotas para conseguir descarbonizar mais rápido. Tem que entender a eletrificação como um caminho para o hidrogênio verde.”
A primeira, como frisou, não vai por si contribuir para “salvar o planeta”. No caso brasileiro, Adas lembrou que já há uma nova economia, do etanol, a ser melhor aproveitada. Também salientou: “Se não se pensar em melhorar a descarbonização da frota antiga, não vai dar certo.”
Diretor técnico da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Henry Joseph Junior ratificou a preocupação, lembrando a renovação é muito baixa no País e que somente “com a frota totalmente modificada haverá resultados ambientais adequados”. E ressaltou que “85% da frota que está rodando é flex. Se a totalidade abastecesse com etanol, o ganho seria violento. Nenhum país tem está condição”. Para ele, contudo, alterar esse cenário passa por políticas governamentais e atuação da sociedade como um todo.
Na sua visão, por outro lado, a motorização elétrica será predominante à mobilidade urbana no futuro, o que é um avanço. A solução de H2V, como garantiu, aparece com muita naturalidade à indústria do setor. Ele enxerga a utilização em célula de combustível como um caminho ao melhor aproveitamento, cujo desenvolvimento tecnológico tem avançado. Mas alertou que ainda há desafios, por se tratar de um “gás de baixíssima densidade e complicado para transportar”.
Segundo o diretor da Anfavea, há já acordo de montadora com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para pesquisa e desenvolvimento, mas o processo ainda se encontra em fase embrionária. Portanto, acredita que sua introdução na linha de produção da indústria automotiva é um passo mais de longo prazo, estimando em 15 a 20 anos.
Ao encerramento, Bernd dos Santos Mayer, coordenador do projeto H2Brasil, implementado pela GIZ Brasil, destacou “o debate superimportante para os próximos anos, para todos no mundo”. Reiterou ainda o enorme potencial brasileiro, em muitas áreas distintas, elogiando a parceria com o SEESP para contribuir nessa discussão e sinalizando sua continuidade fundamental.
Já Edilson Reis, diretor do SEESP e membro do Conselho Assessor de Mobilidade Urbana da entidade, concluiu: “Esse projeto [de H2V] tinha que ser não um projeto de Estado apenas, mas um plano mundial, ao que a capacitação de pessoal é essencial.”
Confira as apresentações dos palestrantes:
Confira o painel “Hidrogênio verde: potencial brasileiro e estratégia de alavancagem do mercado” na íntegra: