Conscientizar pessoas e empresas sobre a responsabilidade pós-consumo é um dos principais desafios da atualidade para garantir uma sociedade mais sustentável.
No caso da indústria brasileira de pneumáticos, esse trabalho vem sendo desenvolvido pela Reciclanip, uma instituição sem fins lucrativos que recolhe e destina de forma ambientalmente adequada os pneus que não têm mais condições de uso para circulação ou reforma.
Fundada em 2007 pelas empresas Bridgestone, Goodyear, Michelin, Pirelli e Continental, nasceu para consolidar o Programa Nacional de Coleta e Destinação de Pneus Inservíveis, criado em 1999 pela Anip (Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos), entidade que representa os fabricantes do produto no Brasil. De acordo com César Faccio, gerente-geral da Reciclanip, o programa já recolheu e destinou de forma correta mais de 2 milhões de toneladas do material sem serventia, o equivalente a 400 milhões de unidades. Ele ressalta também que as atividades atendem a resolução 416/09 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que regulamenta a coleta e destinação desses itens no País.
Além de dar fim útil ao material – que demora mais de 150 anos para se decompor –, o programa protege o meio ambiente dos riscos gerados pela destinação inadequada. “Os pneus descartados incorretamente podem contribuir para entupimentos de redes de esgoto e enchentes, poluição de rios, ocupar um enorme volume nos aterros sanitários, ser foco para o mosquito da dengue e ainda, se queimados de forma errada, gerar poluição atmosférica. Portanto, é fundamental investir em sua reciclagem e não descartá-lo na natureza”, enfatiza Faccio.
Segundo ele, a iniciativa, que segue o modelo de gestão das empresas europeias, recebeu, em junho último, durante a Conferência Rio+20, o Prêmio-E na categoria “Economia”, com a chancela da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), em virtude dos resultados ambientais gerados. Ainda conforme Faccio, desde 1999 já foram investidos mais de US$ 175 milhões no programa, e a previsão para 2012 é de US$ 41 milhões.
Operação e destinação
A iniciativa é desenvolvida por meio de parcerias, na maioria dos casos com prefeituras, que cedem um terreno dentro de normas específicas de segurança e higiene. Esse local é usado para recolher e armazenar o material vindo de origens diversas, como borracharias, revendedoras e dos próprios cidadãos, posteriormente transportado para uma das 45 empresas parceiras que realizam a trituração ou reaproveitamento.
A operação conta ainda com 19 transportadoras ativas e 200 caminhões envolvidos, dos quais 64 rodam constantemente. “Diariamente esses 64 caminhões retiram 850 toneladas de pneus inservíveis dos 743 pontos de coleta em todo o País”, cita Faccio.
Conforme ele, as destinações realizadas pela Reciclanip são reconhecidas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), e a maioria dos pneus inservíveis – 64% – é reaproveitada para valorização energética, isto é, vira combustível alternativo usado nas indústrias de cimento. “Para que a queima desse material seja ambientalmente correta nas cimenteiras, nos cercamos de todos os cuidados necessários, como o uso de filtros especiais”, menciona.
Ainda sobre o potencial energético do material, o especialista garante que é uma excelente opção para ser misturado com outros combustíveis para aumentar a geração de energia, tais como bagaço de cana, carvão mineral, lixo, entre outros.
Os 36% restantes de pneus recolhidos pela Reciclanip são usados como matéria-prima para confecção de diversos produtos. A reutilização pode ser feita com o pneu triturado ou granulado, em piso de quadras poliesportivas e industriais, sobre gramas sintéticas para amortecer, artefatos de borracha como tapetes para automóveis e ainda como asfalto ecológico que tem vida útil maior, menor ruído e mais segurança. Outra forma de aproveitamento pode ser obtida através do processo de laminação, no qual os pneus são cortados em formato de lâminas para a fabricação de percintas (item da indústria moveleira), solas de calçados e dutos de águas pluviais. “Nesses 13 anos de existência, um dos méritos do programa foi desenvolver uma nova cadeia produtiva utilizando esses pneus já sem serventia, como insumo para outros produtos”, comemora Faccio.
Apesar do sucesso, o gerente-geral da entidade acredita que alguns pontos poderiam ser ajustados para gerar mais valor ao material e consequentemente novas utilizações pelo mercado. “Seria importante isentar a tributação sobre o pneu triturado ou granulado, uma vez que o material novo já foi tributado anteriormente. Isso reduziria o preço do resíduo e o tornaria mais atrativo comercialmente para segmentos da indústria e da reciclagem. Além disso, é necessário promover o uso do asfalto borracha na pavimentação de rodovias por meio de leis, como já aconteceu nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Mas é fundamental que os editais de recapeamento tenham explícita essa preferência, uma vez que tecnicamente o asfalto borracha é superior ao tradicional. Com isso, com certeza aumentaríamos a destinação”, propõe.
Lucélia Barbosa
* Texto publicado no jornal “Engenheiro”, nº 123, da FNE