Assim como oferecem iluminação nas ruas, os municípios devem assegurar à população, em locais públicos, acesso livre e gratuito à internet, propiciando inclusão à atual sociedade da informação. Quem defende a tese é o professor titular da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo) e coordenador do Citi (Centro Interdisciplinar em Tecnologias Interativas) dessa instituição, Marcelo Zuffo. O especialista lembra que a lei é clara: as prefeituras estão autorizadas a ser provedoras de internet. Porém, “se vai ser gratuita ou não, é uma decisão daquela administração”, argumenta.
Há experiências desse tipo em cerca de 30 localidades no País, as chamadas cidades digitais, cuja população varia de 10 mil a 30 mil habitantes. A grande questão a resolver, como salienta Zuffo, envolve os grandes municípios brasileiros, tomando-se como exemplo São Paulo e sua região metropolitana, que, juntas, totalizam cerca de 22 milhões de pessoas. “O desafio é organizar a infraestrutura de rede dessa área, uma espécie de ‘rodovia’ da informação, que conecte os equipamentos públicos da cidade”, explica o professor.
A ideia, diz, é viabilizar com os vários entes gestores a criação de um backbone metropolitano. “É por aí que estamos discutindo esse assunto, que requer um grau de articulação maior, porque não é uma decisão apenas do prefeito, é um processo que envolve várias secretarias, como as de desenvolvimento, de infraestrutura, de obras e autarquias.” A partir desse entendimento político, seria aprovada lei determinando o acesso em locais, como postos de saúde, escolas, parques etc., facilitando, por exemplo, o acesso rápido à informação e favorecendo a mobilidade, a segurança e o turismo.
Paralisia tecnológica
Um problema que pode retardar ainda mais a inserção democrática do Brasil no universo digital é o atraso tecnológico. “O País sofreu uma forte desindustrialização”, avalia Zuffo. Ao mesmo tempo o setor de insumo de alta tecnologia é um dos mais tarifados. “O produto nacional praticamente sumiu, e o importado é extremamente caro.
O País é praticamente um deserto na área das TIC (tecnologias de informação e comunicação), critica. Na avaliação do professor, o Brasil passou por evolução econômica nos últimos anos que não foi acompanhada de investimentos compatíveis em infraestrutura, especificamente em banda larga. Por isso mesmo, o País tem posição ruim em rankings mundiais relativos ao tema. “Estamos na lanterninha no setor de internet, atrás da Argentina, Chile, México e Uruguai”, informa. O atraso digital, salienta Zuffo, faz com que tenha perda de competitividade. “Ao mesmo tempo, a nossa indústria está diminuindo a cada dia.”
Democracia e justiça
Também apoia a ideia da internet pública o professor Dênis de Moraes, do Departamento de Estudos Culturais e Mídias e do Programa de Pós-graduação da UFF (Universidade Federal Fluminense), para quem todos os setores da vida social do Brasil e de outros países estão sendo afetados de maneira poderosa, e irreversível, pela rede mundial de computadores. Tal iniciativa viria a minimizar a desigualdade hoje existente no Brasil e em outros países periféricos, que se reflete no usufruto dos meios tecnológicos.
Para o jornalista, professor de comunicação e blogueiro Renato Rovai, o acesso à web deve ser encarado como serviço essencial, tendo em vista que a ferramenta é usada para busca de conhecimento e informação, além de comunicação interpessoal. “Tratamos a questão como um direito, porque se antes a distância entre o pobre e o rico era ter uma escola ruim ou boa, hoje essa se dá porque um tem acesso a todo mundo e o outro, não. Podemos ter uma sociedade muito mais injusta se isso não for corrigido urgentemente”, alerta.
Números digitais
Segundo a edição 2012 do IBCD (Índice Brasil de Cidades Digitais), desenvolvida pela Momento Editorial desde o ano passado, as iniciativas de digitalização nos municípios brasileiros seguem o perfil socioeconômico do País. Por isso, das 100 cidades avaliadas, 58 são da região Sudeste, 25, da Sul, 12, do Nordeste, três, do Centro-Oeste e apenas duas, do Norte. As dez primeiras colocadas são: Curitiba (PR), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Vitória (ES), Campinas (SP), Anápolis (GO), Sorocaba (SP), Porto Alegre (RS), Jundiaí, Guarulhos e Santos (todas de São Paulo). Isso também mostra que essas experiências das administrações municipais estão relacionadas à oferta de banda larga no território nacional, que é mais deficitária nas regiões Norte e Nordeste.
Nesse ranking estão avaliados desde a existência de equipamentos (PCs, impressoras, rede interna etc.) nos órgãos da administração (direta, secretarias, postos de saúde, escolas etc.), locais de acesso público à internet, como telecentros, hotspots, quiosques e laboratórios de informática e acessibilidade, usabilidade e inteligibilidade, entre outros itens.
A desigualdade social brasileira também está no mundo digital. Dados levantados pela pesquisa Ibope/Nielsen, de 2011, indicam que entre os 10% mais pobres, apenas 0,6% têm acesso à internet; entre os 10% mais ricos, esse número é de 56,3%. Somente 13,3% dos negros usam a web, mais de duas vezes menos que os brancos (28,3%).
Imprensa – SEESP
Reprodução de matéria do jornal da FNE, Edição 127