O cenário atual é de oportunidade para as cidades brasileiras interessadas em proporcionar um ambiente saudável e feliz para seus habitantes. Ao exigir de todas as cidades com mais de 20 mil habitantes a elaboração de planos de mobilidade com intensa participação da população, o Governo Federal está direcionando a atenção delas para o futuro sustentável que podem construir se planejarem com cuidado o seu desenvolvimento. Além disso, incentiva as prefeituras a criarem planos e metas de médio e longo prazos, para além dos estreitos limites de um único mandato municipal.
Mas, afinal, o que é uma boa cidade? Se uma boa cidade deve proporcionar condições de mobilidade urbana sustentável e eficiente, não há sentido no padrão de crescimento “DDD” (distante, dispersa e desconectada), que tem [des]orientado o crescimento das cidades brasileiras. Elas se expandem por áreas construídas a grandes distâncias do centro; dispersas no espaço marcado por vazios urbanos; e, desconectadas entre si. Ainda, em áreas “DDD” muradas, o caminho entre as residências e as oportunidades é mais longo do que o necessário e cheio de “obstáculos” que precisam ser contornados.
Da forma como construído, o espaço viário estimula o uso do carro e da moto, e desestimula o transporte coletivo e não-motorizado. Este é o caminho oposto do que fazem as cidades consideradas modelos mundiais de sustentabilidade.
Nessas cidades, o planejamento urbano prioriza o deslocamento de pessoas, e não de veículos. Logo, elas concentram o investimento no transporte coletivo e não-motorizado, com vistas a mover o maior número de pessoas da forma mais eficiente, segura e sustentável possível. Sim, sustentável. Evitar a poluição é tão importante quanto evitar acidentes, particularmente no setor de transportes que é responsável por 48% do total de emissões de GEE (gases de efeito estufa) associadas à matriz energética brasileira. Afinal, as mudanças climáticas já passaram da desconfiança para a realidade, como mostram o furacão Sandy e outros recentes fenômenos climáticos extremos.
Nem todas as cidades que hoje são referência mundial em políticas de mobilidade urbana são modelos desde sempre. A bem da verdade, a maioria delas passou, em algum momento de sua história, por uma transformação cultural e de reversão das então prioridades do poder público. No Brasil, passamos por uma época de grandes investimentos em infraestrutura e discussões acaloradas sobre tudo o que diz respeito à mobilidade urbana, um tema que requer particular atenção da nossa sociedade, que é predominantemente urbana.
Com um bom planejamento, é possível reverter o padrão de crescimento das nossas cidades, tornando-as lugares mais agradáveis para viver. Devemos aprender com as lições de quem já passou por essa etapa e então partir para a ação. O que as cidades sustentáveis estão fazendo se resume a quatro grupos básicos de ações: desestímulo ao uso do automóvel, melhoria do transporte coletivo, estímulo ao transporte não-motorizado e, integração de uso do solo com transportes.
Desestimular não é proibir. Londres implantou a taxação do congestionamento, que restringe o uso do automóvel em determinados locais e períodos do dia. Os recursos assim gerados pelo transporte privado contribuem para aumentar a qualidade do transporte coletivo, que, por sua vez, atrai cada vez mais clientes, antigos usuários de carros, e assim ajuda na redução dos congestionamentos. Singapura foi a cidade precursora na taxação do automóvel e outras tantas seguem os mesmos passos, como Estocolmo e, mais recentemente, Gotemburgo.
Outras formas de desestimular o uso do carro passam pelo aumento do custo do estacionamento e pela oferta de menos vagas em polos geradores de viagens. Existem outras tantas ações para coibir o uso do automóvel. É preciso analisar o caso da cidade e definir um conjunto apropriado de ações.
Melhorar o transporte coletivo ajuda na redução dos congestionamentos. Em termos tecnológicos, temos tradicionalmente sistemas sobre trilhos e sobre pneus. Os custos associados, porém, são muito diferentes. Enquanto para implantar um metrô é necessário investir no mínimo R$180 milhões/km, um bom sistema BRT (Bus Rapid Transit – ônibus rápidos em corredores exclusivos) custa aproximadamente R$10 milhões/km. Não é por nada que a implantação de sistemas BRT cresce exponencialmente em cidades de todos os continentes.
Bogotá, na Colômbia, dá exemplo de incentivo ao transporte não motorizado nas comunidades de mais baixa renda, onde algumas ruas foram transformadas em largas calçadas e ciclovias. O espaço estreito e não-asfaltado ali foi destinado aos automóveis. Uma verdadeira revolução se pensarmos na tradição brasileira de asfalto de porta a porta. E o que traz o asfalto? Velocidade. O asfalto impacta mortalmente a vida das crianças que, muitas vezes, têm o seu único espaço para lazer nas vias.
Um ponto importante é que o transporte molda as cidades. Para explicar melhor a integração do uso do solo e o transporte, temos marcadamente dois exemplos: de um lado Curitiba, moldada pela densificação ao longo de corredores de BRT, e, do outro lado, Houston, no Texas, moldada pelo automóvel, talvez uma das áreas urbanas centrais mais desinteressante do planeta para caminhar, pois são dezenas de quadras de estacionamentos.
É preciso utilizar o potencial do transporte coletivo e dos seus pontos de alta conectividade e fazer o maior uso residencial e comercial nesse entorno, de tal forma a gerar um padrão local de desenvolvimento urbano que fomente o transporte não motorizado. De acordo com as projeções, 50% de todo o espaço urbano hoje ocupado na América Latina deve ser renovado nas próximas décadas, portanto, existe um grande potencial para uma melhor destinação do espaço nas nossas cidades.
O momento não poderia ser mais oportuno para transformarmos as cidades que temos nas cidades que queremos. Só o PAC está oferecendo 25,5 bilhões de reais para obras de mobilidade nas cidades de grande e médio porte. Está na hora de pensar, em primeiro lugar, no que queremos a longo prazo e então começar a planejar e agir. Para alcançarmos o futuro sustentável que podemos ter, é preciso começar a trabalhar no presente, sem perder de vista o horizonte onde queremos chegar.
* por Luis Antonio Lindau, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pesquisador do CNPq e membro do comitê de transportes para países em desenvolvimento do Transportation Research Board (TRB)
Imprensa - SEESP
Artigo publicado no site da CNT - Confederação Nacional do Transporte