A modernização e urbanização em São Paulo nas primeiras décadas do século 20 forçaram a população pobre e rural a constituir uma massa trabalhadora urbana que, diante da ausência de moradias acessíveis, formaram os primeiros núcleos de habitação informal da cidade, como a antiga Favela Vergueiro, área hoje ocupada pela Chácara Klabin. Neste contexto, entre outros fatores, o Estado assumiu o papel de agente formador de favelas ao permitir a capitalização do acesso a moradias em condições adequadas.
Esses apontamentos estão na pesquisa de Fernão Lopes Ginez de Lara, realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Segundo o autor, formado em Geografia, políticas sustentadas pelo Estado oferecem mais garantias às empresas do que às pessoas e seus direitos básicos. “As políticas de desfavelamento tiveram e ainda têm ampla aceitação pública, e esse público não percebe que elas são estritamente intervencionistas e aplicam fortes restrições à vida das pessoas”, diz o pesquisador.
O trabalho de mestrado Modernização e desenvolvimentismo: formação das primeiras favelas de São Paulo e a favela do Vergueiro, orientado pelo professor Anselmo Alfredo, do Departamento de Geografia da FFLCH, permite inferir que as políticas e as legislações desfavorecem o direito à moradia. Lopes destaca que mesmo a constituição do Estado é determinada por interesses do capital e não das pessoas, ao garantir a propriedade imobiliária e dispôr meios para particulares recuperarem as áreas reivindicadas utilizando, inclusive, a polícia militar no processo.
Fatores
Segundo Lopes, é consenso que a formação de favelas teve maior crescimento em 1970, porém sua pesquisa mostra que já anteriormente houve ascensão desses núcleos de habitação e tentativas de implantar políticas de desfavelamento. Os fatores que favoreceram a formação destes núcleos foram a vinda de imigrantes, a valorização de áreas centrais da cidade, a industrialização e o êxodo rural da população pobre.
Submetidas à atuação do mercado imobiliário, famílias se viram obrigadas a habitar de maneira precária alguns terrenos para, em seguida, serem determinadas como invasoras. “As favelas funcionavam como receptáculo desta população” diz o pesquisador. Para ele, as políticas de desenvolvimentismo e sanitarismo estimulavam a indústria, com construção de avenidas e grandes obras públicas, e criavam condições que ampliaram o mercado em São Paulo, ao mesmo tempo em que desalojavam moradores pobres para “abrir caminho para o progresso”. “O desenvolvimentismo também ampliou as condições para a pobreza e miséria, próprias desse novo momento do capitalismo”, explica Lopes, acrescentando que “as pessoas desalojadas eram realocadas em locais inadequados e provisórios, com limite de escolha mínimo”.
Ainda sobre a Favela Vergueiro, Lopes diz que, inicialmente, a própria família Klabin oferecia seus terrenos para arrendamentos rurais, na tentativa de manter a posse da grande área — 775 mil metros quadrados (m²) —, mas perdeu o controle sobre os lotes e apelou para a disputa jurídica para retomar o terreno. O que foi um problema para a família Klabin, após 40 anos se tornou um grande negócio. “Após a desapropriação das famílias que ali moravam, houve um incrível aumento do preço da terra” conta Lopes. A sua pesquisa baseou-se em processos judiciais, jornais, filmes e literatura associada à época, além de algumas entrevistas de alguns vizinhos à área ocupada pela antiga Favela Vergueiro.
Histórico
Lopes também estudou na sua dissertação a formação de movimentos de desfavelamento, empenhados na extinção das favelas, iniciados na década de 1960 e apoiados tanto por representantes conservadores da sociedade quanto pela esquerda católica da época. Políticas como reassentamentos em regiões isoladas e envio de famílias migrantes a suas cidades de origem eram já bem aceitas por setores da população. Essas políticas eram externas, assistencialistas e não contavam com a participação dos moradores das áreas ocupadas. Nos anos 1980, a sociedade começou a questionar as políticas de desalojamento e houve crescimento dos movimentos sociais de defesa dentro das próprias comunidades.
Durante a preparação do mestrado, o pesquisador pode acompanhar a retomada da posse do terreno ocupado pela Comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos, e narrou os fatos no seu trabalho. “Essas desapropriações remetem à Canudos” conta. O objetivo de sua pesquisa era investigar a modernização capitalista do Brasil e a os problemas surgidos com a ela. “Tentei fazer um paralelo da urbanização com a formação brasileira”. O grupo de pesquisa do qual Lopes participou para escrever sua dissertação promove leituras da obra O Capital, de Karl Marx.
Imprensa – SEESP
Fonte: Agência USP de Notícias