Com tanta violência, perda de competitividade, gargalos logísticos, falta de planejamentos operacionais, baixos indicadores de qualidade na educação, crianças brasileiras que não sabem matemática, jovens criminosos, e políticos corruptos / racistas e preconceituosos, os caminhos do Brasil, para muitos no futuro, é incerto. Em alguns fóruns internacionais, o Brasil já é visto com preocupações, pois tem um grande valor estratégico para o sistema internacional, mas ao mesmo tempo apresenta fissuras em seu rumo político, e até mesmo econômico.
Muitos analistas são categóricos, e eu me incluo nesse rol, os problemas atuais são resultados efetivos com o descaso de políticas públicas, e também privadas voltadas para educação e inovação. Não falo diretamente em aspectos de investimentos, mas sim de ações práticas que realmente gerem iniciativas concretas para melhoria dos resultados, ou do próprio crescimento do país.
Em entrevista exclusiva para este blog, Brasil no Mundo, o engenheiro Ozires Silva apresenta suas ideias e visões. Ozires Silva hoje exerce a função de Reitor da Unimonte em Santos, e também participa de vários conselhos de administração de grandes companhias, além de ser um batalhador diário no processo de inovação e educação. O mesmo tem levantado a bandeira de redução de tributos na educação.
Brasil no Mundo: Considerando o crescimento da economia do Brasil nos últimos 10 anos, e a grande necessidade de mão de obra altamente qualificada, percebemos que o Brasil do ponto de vista educacional não cresceu nos mesmos níveis. Na sua visão quais os fatores que levaram a isso?
Ozires Silva: Realmente, se levarmos em consideração a complexidade e a sofisticação dos produtos que atualmente são colocados no mercado mundial, quebrando paradigmas e rompendo com as tecnologias do passado, constatamos que especialistas capazes e treinados, de alto nível, foram utilizados para que os objetivos comerciais dos produtores pudessem ser atingidos. Também está bem claro que muitos desses produtos não estão tendo origem somente nos territórios dos países tradicionalmente desenvolvidos da América do Norte, da Europa e do Japão. Os chamados "emergentes" estão ocupando novos espaços competitivamente com aquelas nações com as quais nos habituamos a comprar e satisfazer nossas necessidades, existentes ou por existir. Como resultado dessas observações também constatamos que as estruturas educacionais, nos países que venceram no passado e que estão vencendo no presente, são bastante superiores a que, em média, é oferecida no Brasil para os brasileiros. A pergunta sobre "quais os fatores que levaram a isso" no nosso Brasil exige respostas amplas, ainda sem respostas. Mas se procurarmos resumir, com todas as falhas conhecidas e demonstradas pelos insuficientes índices de aprendizado dos nossos jovens, é que a Educação no Brasil não tem sido, e não é, uma prioridade fundamental, contrariamente ao observado naquelas nações ou regiões que estão na vanguarda das realizações técnicas e tecnológicas. Essa prioridade deveria se concentrar na excelência do aprendizado e que os investimentos, prioritariamente fossem voltados aos alunos, e não à pesada infraestrutura administrativa que mais tenta controlar todas entidades de ensino do que desenvolver novos e atrativos métodos que motivem nossos estudantes.
Brasil no Mundo: Nos últimos dois anos, o Brasil recebeu um grande número de estrangeiros para suprir a falta de mão de obra qualificada. Considerando que temos hoje mais de 6 milhões de brasileiros matriculados no ensino superior, e já formamos mais de 15 milhões de profissionais nos últimos 10 anos, será que o mercado brasileiro é muito grande, ou não estamos formando profissionais com os níveis exigentes do atual mercado?
Ozires Silva: Devemos considerar normal ao nosso país, e aos outros, receber estrangeiros para suprir a falta de mão de obra qualificada. Não podemos falar desses talentos como pessoas que generalizadamente possamos encontrar em qualquer sociedade humana, mesmo por que eles não são encontrados com facilidade. No passado, em várias áreas do conhecimento e da produção brasileira, mão de obra estrangeira desembarcou no país e certamente tem colaborado com nosso setor produtivo. O que deve nos preocupar é que não podemos aceitar, sem discutir a formação e a graduação local dos brasileiros, sob a suposição de que não possamos produzir esses especialistas entre nós. O correto seria supor que jamais poderemos fazer algo de valor e ganhar posições no mercado mundial, somente com estrangeiros, esperando que eles possam cobrir todas as necessidades nacionais. Assim, temos de assegurar que o nosso sistema educacional seja capaz de formar os especialistas necessários em quantidade e em qualidade suficientes.
Brasil no Mundo: Muito se tem discutido sobre o baixo investimento em inovação no Brasil. Será que o problema da inovação no Brasil é investimento, ou projetos consistentes de inovação e base tecnológica?
Ozires Silva: O Brasil não tem se destacado na conquista competitiva de inovações que gerem marcas e presença nos mercados doméstico e internacional. Nosso país gasta uma boa quantidade de recursos financeiros nos temas ciência e tecnologia, todavia os resultados são claramente fracos, quando comparados com o que ocorre na atualidade no mundo. As razões são muitas, mas algumas podem ser destacadas. Gastamos muito com:
a) as estruturas administrativas para gerenciar os programas de inovação. Temos um Ministério da Educação pesado e caro, os governos estaduais, e mesmo algumas prefeituras de cidades importantes, também instalaram pesadas secretarias de Ciência e Tecnologia. O que parece necessitarmos é fazer com que tais estruturas estatais sejam capazes de produzir resultados, focando na necessidade de criar métodos e processos de estímulo às inovações, envolvendo o setor produtivo.
b) os recursos com origem em fundos públicos são de forma maciça orientados para universidades ou entidades governamentais de P&D, numa crença que a criatividade está nas instituições de Ensino. O mundo está demonstrando que, em média, mais de 80% das inovações têm origem nas empresas produtivas, ou seja, no setor privado. E no Brasil não há mecanismos para financiamento de risco em P&D para o setor privado, e as alternativas criadas pelos governos (federal e estaduais) são irrisórias. Já o setor privado não se inclina para esses financiamentos devido às altas taxas de juros, adicionados à falta de apetite pelas naturais características incertas dos resultados. Enfim, temos de quebrar uma crença generalizada de que P&D é uma despesa e não um investimento produtivo do maior valor;
c) devido às características de nosso sistema financeiro, as chamadas "venture capital companies" não conseguem florescer.
Brasil no Mundo: Lembro muito que o senhor sempre falou que a base de constituição da Embraer começava pela educação, principalmente em formar engenheiros. Por quê o Brasil sofre tanto hoje com a falta de engenheiros? E como deveríamos solucionar isso?
Ozires Silva: Aqui temos uma boa notícia. A procura da especialização de engenharia, nos últimos anos no Brasil tem crescido intensamente. Consta que na maioria dos vestibulares das Universidades brasileiras, tanto públicas como privadas, os jovens interessados por engenharia superaram a demanda por cursos de direito pela primeira vez, neste ano de 2013. O que podemos desejar é que essa tendência se mantenha, pois o Brasil gradua a cada ano números alarmantemente menores do que os países de êxito econômico, comercial e cultural. Assim, o principal ingrediente para formarmos mais engenheiros parece que os jovens estão nos oferecendo como solução. O que precisamos é reagir positivamente e aumentar os investimentos para a inovação de modo a gerar mais e mais demandas sob a forma de postos de trabalho. Ou seja, produzir demanda de engenharia para que os jovens graduados possam exercer suas atividades como engenheiros e não derivarem para outras atividades profissionais. O caso da Embraer é muito claro. Se não fosse a instituição do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), pelo governo federal através da Força Aérea, formando desde 1950 engenheiros, hoje não teríamos a comemoração válida de que aviões brasileiros, de criação, projeto, propriedade intelectual e marcas nacionais, estejam voando com sucesso em mais de 90 países, dos cinco continentes, registrando um sucesso marcante de exportação global de produtos complexos de alto valor agregado!
Brasil no Mundo: Quando analisamos o BRICS, percebemos que o Brasil fica muito atrás no quesito inovação, e nisso gera uma perda efetiva de competitividade. Como o senhor vê a participação e preocupação das empresas brasileiras com a inovação, e também com suas participações no BRICS?
Ozires Silva: As empresas brasileiras têm interesse, e muito, em relação às inovações e procuram praticá-las. No entanto, devido aos riscos e às insuficiências dos sistemas financeiros de risco e apoio às inovações no Brasil, elas rotineiramente, com poucas exceções, transferem para o nosso mercado as inovações de sucesso, produzidas no exterior. Ou seja, não correm riscos, pois adotam produtos que venceram nos mercados internacionais, comprando licenças para a produção local. Entre as desvantagens de tais procedimentos é que as licenças normalmente vêm acompanhadas de pesadas restrições. Entre muitas, a mais importante é a interdição às exportações, garantindo que os produtos comprados, sob licenciamento, estão somente autorizados a produzir para o mercado doméstico brasileiro.
Brasil no Mundo: Pelas suas diversas participações em Fóruns mundiais, qual a sua visão de como o mundo vê o Brasil hoje?
Ozires Silva: Correndo o risco de não ser compreendido respondo que o mundo vê o Brasil como um mercado de quase 200 milhões de habitantes. Vê que os brasileiros mostram significativa tendência de gastar, com grande ênfase no interesse pelas inovações. Mas, diferentemente do que muitas vezes tem sido publicado, também vê o Brasil não como um país do futuro, participando do mercado mundial, como tem sido os casos da Coréia do Sul e, agora, da China. O Brasil tem imagem de um país comprador e isto vem sendo demonstrado pelo nosso balanço do comércio exterior que está mostrando um acelerado crescimento do seu déficit, importando mais do que consegue exportar. Isso também é uma consequência direta do fato que exportamos mais "commodities" e importamos mais produtos de alto valor agregado, obrigando-nos a lotar navios com a exportação de produtos de baixo preço, comprando fora de nossas fronteira os mais valiosos equipamentos.
Brasil no Mundo: Que conselho o senhor daria para os jovens estudantes de hoje, principalmente em termos de inovação?
Ozires Silva: Eu diria que "prestem atenção às inovações", pois elas estão mudando o mundo e continuarão a fazê-lo. Vejam o exemplo do Steve Jobs que, através da inovação, produziu produtos que nenhum de nós no passado imaginávamos que deles precisaríamos. Com suas estratégias recuperou a Apple num surpreendente curto período de tempo. Vejam também o exemplo dos Estados Unidos que, como acentuou recentemente o presidente Obama, sairá da crise financeira internacional por força do poder inovador do povo americano. Diria aos jovens, procurem ser criativos, não somente na escolha dos produtos, mas na forma de conduzir suas empresas e liderar seus colaboradores, motivando a todos a serem e fazerem melhor. E, confiando na sempre na força da renovação que, como regra, normalmente impregna os jovens, e, com coragem e discernimento, procurem o "novo" e façam dele seu sucesso e a riqueza das empresas e de seus colaboradores!
Fonte: Exame.com – por Fábio Pereira Ribeiro