Para assegurar esse resultado, nos próximos dez anos, ao menos duas universidades e dois institutos de pesquisa e desenvolvimento de padrão internacional, focados em recursos energéticos, florestais e biodiversidade devem ser criados na região. Além disso, a Rede de Pesquisa e Desenvolvimento da Amazônia, conectada às demais já existentes e outras a serem implementadas via eficiente internet, precisa ser instituída. E o número de doutores na região, atualmente 3.200, segundo apontam estimativas, deve ser duplicado. Esses são os objetivos da campanha “Mais ciência, tecnologia e inovação na Amazônia”, que a Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU) promove a partir deste ano, como parte do projeto “Brasil Inteligente”.
Idealizador da proposta durante a primeira plenária da entidade realizada ao final de 2012, seu conselheiro consultivo Wagner Costa Ribeiro destaca “a combinação do conhecimento da população tradicional e o acervo da biodiversidade” para a criação de um novo paradigma pautado na sustentabilidade à produção científica e tecnológica da região. Professor titular do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), ele enfatiza que “esse conjunto sociobiodiverso único no mundo nos dá uma enorme vantagem comparativa com outros países”. O que está faltando, na sua avaliação, é pessoal com capacidade de desenvolver novos materiais, fontes de energia, fármacos e proteínas a partir dessa associação. A iniciativa da CNTU busca dar resposta nesse sentido ao tentar transformar o quadro atual, em que a região Norte, como lembra Ribeiro, é a que tem menos programas de pós-graduação do País.
A Amazônia Legal corresponde a 61% do território nacional, 5,2 milhões de km2 e 23 milhões de habitantes. De acordo com dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), os nove estados que a integram – Pará, Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso e oeste do Maranhão – possuem 140 cursos de mestrado acadêmico, 39 de doutorado e seis de mestrado profissionalizante. Ou seja, apesar de englobar 10% da população brasileira e responder por 8% do seu Produto Interno Bruto (PIB), a região conta com menos de 5% dos cursos de pós-graduação do País. E metade dos de doutorado concentram-se na Universidade Federal do Pará (UFPA). “Implica principalmente não oferecer à população local a possibilidade de desenvolvimento científico e tecnológico”, afirma o professor da USP. Conforme ele, como consequência dessa defasagem, a Amazônia em geral se torna um lugar de passagem. “Doutores formados no Sul e Sudeste que migram para a Amazônia, como não têm muitas vezes relações de outra natureza, até profissionais e também familiares, acabam regressando, o que faz com que essas instituições estejam sempre com carência de quadros. Por isso, é fundamental insistir na formação de doutores oriundos da região, para estimular a fixação e envolver a população do lugar na resolução dos problemas locais, o que certamente vai ter implicação numa escala nacional”, salienta.
Política de Estado
Entre as tarefas a serem realizadas para tanto, Ribeiro sugere a ampliação dos investimentos e ações em C, T & I, mediante a instituição de uma política de Estado que articule os diversos níveis de governo. “Por exemplo, a Capes, vinculada ao Ministério da Educação, tem um programa muito interessante, que são doutorados e mestrados interinstitucionais. Com isso, professores que atuam nas universidades da região Norte, em convênios com outras do Sul e Sudeste de maior tradição, podem frequentar os cursos e ter o título de mestre e doutor. É uma iniciativa muito importante, já tem sido aplicada com êxito, seria necessário estimular ainda mais a realização desses programas de cooperação, trocando experiência e principalmente formando pessoal de nível superior na Amazônia.” Ele enfatiza ainda a demanda por fortalecimento das fundações estaduais de pesquisa na região. “Muitas vezes um pesquisador, às vezes um jovem doutor com um tema muito focado em questões regionais, não consegue competir por exemplo num edital de caráter nacional, e é muito importante que essas fundações consigam dar vazão a essas demandas. Ao que é preciso incrementá-las com mais recursos e assegurar mais agilidade na aprovação dos projetos.”
Quanto a instituir a Rede de Pesquisa e Desenvolvimento da Amazônia, Ribeiro ressalta o desafio colocado, já que a região enfrenta não apenas sérias dificuldades de acesso à internet, mas mesmo de energia elétrica. Ele observa que é preciso solucionar primeiro essa carência e depois questões de ordem técnica e operacional para ter banda larga em pontos remotos. Para tanto, projeto de introdução de infraestrutura tecnológica precisa estar aliado à capacitação de pessoal. “Se não levarmos à região o que há de melhor no País, vamos aprofundar a desigualdade social”, alerta o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Marco Aurélio Cabral Pinto, também consultor consultivo da CNTU.
Na sua concepção, esse novo modelo pensado para a Amazônia deve se centrar na sua vocação. Dotada da maior bacia de água doce e biodiversidade do planeta, como acredita ele, “tem tudo para erguer uma grande transnacional brasileira de pescados. Os institutos de pesquisa se debruçariam não só sobre biomas, mas sobre as fases de amadurecimento, engorda, modificação de espécies, fenômenos que seriam multiplicados, apostando em processos de inovação”. Outra cadeia a ser investida, para Cabral Pinto, seria o turismo, que, “se bem conduzido, não gera muito passivo ambiental, é espetacular para difundir tecnologia estabelecida e abre oportunidades de associativismo e aproveitamento dos saberes tradicionais”. O professor da UFF salienta ainda a vocação regional de desenvolver logística naval e aeroespacial. Ele conclui: “São vetores de desenvolvimento tecnológico com capital nacional.” (Por Soraya Misleh)
Fonte: Jornal Engenheiro, da FNE, nº 134, de julho de 2013