A necessidade de democratizar a comunicação em um cenário tensionado e controlado pelas corporações midiáticas ganha uma análise ampliada no livro organizado pelo professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marcos Dantas. Intitulado “Comunicações, desenvolvimento, democracia”, integra a coleção de “Projetos para o Brasil”, da Fundação Perseu Abramo.
Também consultor do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, lançado em 2006 pela FNE, Dantas observa a indústria midiática na economia não apenas como negócio da vez na geração de lucros, mas como importante articuladora da cultura de sustentação do próprio capitalismo hoje.
Com a colaboração de vários especialistas, o livro trata de um segmento mundializado e associado no Brasil ao coronelismo eletrônico e ao atraso do País em tomar as rédeas de um projeto nacional, temas desta entrevista.
Seu livro atribui a uma indústria que lida com um bem imaterial, da comunicação, um papel similar ao da indústria têxtil na primeira revolução industrial. Onde cabe essa comparação?
Marcos Dantas – No papel para o dinamismo da economia capitalista. Eu não gosto do termo “imaterial” porque são fabricantes de equipamentos, infraestrutura e produtores em um complexo que representa 7% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, com os mesmos efeitos multiplicadores na economia, de gerar emprego, renda, hábitos e laços sociais, produzindo cultura e redesenhando o modo de vida. Participam a indústria eletroeletrônica, os grandes produtores audiovisuais, de videojogos e softwares; os operadores de meios ou redes de comunicações terrestres, cabeadas ou satelitais; e os grupos financeiros que neles investem e os controlam. No Brasil, onde é associada a organizações como a Globo, Record e Editora Abril, essa indústria determina o tempo da novela, o horário do futebol, dita comportamentos.
Hoje a comunicação é associada a um novo paradigma, em que as pessoas se empoderam e podem mudar as coisas. Essa cultura capitalista não está ameaçada pelo próprio acesso à informação?
Marcos Dantas – O velho Marx disse que o capitalismo é também seu próprio coveiro. Está na contradição do processo que não pode se expandir sem gerar novos conflitos e fragilidades. O capitalismo que gera novos padrões de acumulação, com a indústria do espetáculo e do entretenimento, também produz os meios que empoderam os proletários. O Manifesto Comunista já se referia ao impacto do telégrafo. Bertold Brecht também apontou o potencial do rádio, que poderia ter sido a internet de hoje. Há 80 anos, ele já tratava da neutralidade que discutimos hoje no âmbito do marco civil da internet, as leis que retiram liberdades na rede: Hadopi na França, Sinde na Espanha, Sopa nos EUA. Os roteiros para essas tecnologias no espaço democrático estão em disputa.
E qual tem sido a posição do Brasil nessa disputa?
Marcos Dantas – O livro dedica um capítulo à regulação nos anos 1990, quando o Brasil fez a Lei do Cabo e a Lei Geral de Telecomunicações. Mas enquanto outros países faziam a convergência de mídias, aqui nós atendíamos a interesses de lobbies específicos. Não consideramos as dimensões culturais e democráticas para um projeto mais abrangente e estratégico. A radiodifusão aberta permaneceu, assim, em um cenário muito atrasado, dominado pelo coronelismo eletrônico. Nem o PSDB nem o PT tiveram pensamento para articular um marco da comunicação brasileira. Nossas autoridades das telecomunicações não sabem o que dizer sobre o assunto. O despreparo só se agravou, com ministros que atuam ao sabor das pressões, legítimas ou ilegítimas.
E as pressões da sociedade com o projeto da Mídia Democrática?
Marcos Dantas – A decisão de colher assinaturas para um projeto de iniciativa popular e de forçar o Congresso a discuti-lo cria um fato positivo, político e jurídico. Além disso, o Plip da Mídia Democrática é um projeto bem elaborado, fruto de uma discussão madura, que vem dos acúmulos da I Conferência Nacional de Comunicação. Se chegar ao Congresso com 1,5 milhão de assinaturas, será um fato aglutinador. O texto parte dos artigos da Constituição que tratam de rádio e TV aberta e que não foram regulamentados, mas não exclui os demais temas da comunicação. Se o governo quisesse, pegaria as propostas, mais a lei da TV por assinatura, e diria: o projeto está aqui.
Como consultor da FNE, você subsidiou o debate da internet e das escolhas brasileiras como fator de desenvolvimento. O livro retoma esses temas?
Marcos Dantas – O movimento quer o serviço de infraestrutura da internet em regime público, mas hoje é prestado em regime privado, e o governo foge dessa discussão, porque a pressão das teles é muito forte. O livro faz a denúncia da desindustrialização das comunicações e das tecnologias digitais no Brasil. Tínhamos uma indústria importante, e hoje não temos nada. Perdemos enorme capacidade, no período Collor. Perdemos um centro de pesquisa avançadíssimo, talvez o maior na América Latina. Então temos que reconstruir, o que é mais difícil agora. Eu chamo a atenção para as pressões contra o Brasil, por tentar privilegiar a indústria nacional em algumas políticas de compra. Se o País quer comprar cabos de fibra óptica da sua indústria dos próximos dez anos, precisa reservar essa quota, como no pré-sal. Mas há países indo à OMC (Organização Mundial do Comércio) e já advertiram o Brasil contra isso. É preciso brigar contra as pressões que vêm da indústria eletrônica dos Estados Unidos, da Europa e do Japão, porque essas compras geram emprego e renda. Enquanto isso, os meios de comunicação manufaturam o consenso em outra direção, criando mentalidades dispostas a comprar o que não gera imposto nem emprego, como a última versão de um playstation. Nos falta um projeto de país, e eu digo no livro que os meios de comunicação sempre trabalharam contra isso. (Por Rita Freire)
Fonte: Jornal Engenheiro, da FNE, Edição 139/DEZ/2013