O debate em torno da extinção ou flexibilização do fator previdenciário continua dentro e fora do Congresso. Fora, no Executivo, o governo movimenta-se pela sua manutenção, pois é um fator de economia para os cofres da Previdência, já que impõe uma drástica redução no valor dos benefícios no momento da aposentadoria. Em entrevista ao portal iG, o ministro da Previdência, Garibaldi Alves Filho diz que será difícil qualquer solução em torno do tema neste ano em razão das eleições de outubro. “Eu não acredito, infelizmente, que possa ser encontrada uma solução este ano porque este é um ano eleitoral.”
O fator previdenciário – considerado ineficaz pelo próprio governo e que chega a reduzir em até 40% o valor dos benefícios – continuará em vigor por tempo indeterminado. A ideia de trocá-lo por uma idade mínima na aposentadoria por tempo de contribuição terá de respeitar uma regra eleitoral brasileira elementar. Desde a sua implantação, em 1999, por meio da Lei 9.876, a redução média no valor das novas aposentadorias foi de 0,5% ao ano, com exceção de dezembro de 2003, quando o IBGE mudou a metodologia de cálculo e o confisco ficou em 11,6%, na média.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
iG Economia: Quando ocorrerá a substituição do fator previdenciário por uma outra ferramenta que consiga fazer com que o brasileiro postergue a aposentadoria?
Garibaldi Alves Filho: Já houve várias tentativas no sentido de encontrar uma solução para esse problema que decorre do fato de nós não termos uma idade mínima para a aposentadoria. O fator previdenciário veio para procurar equilibrar essa situação, mas é certo que terminou sendo alvo de muitas queixas dos aposentados, sobretudo porque não há uma transparência maior nesses cálculos, eu diria não há uma divulgação de como se calcula esse fator previdenciário. Ele foi criado para adiar o momento da aposentadoria mas isso não funcionou porque as pessoas se aposentam e voltam a trabalhar para complementar a renda. Estamos sempre discutindo com o Legislativo uma alternativa porque o fator previdenciário foi responsável pela economia de R$ 44 bilhões aos cofres públicos. Essa economia viria da idade mínima.
E qual a idade mínima que se considera nesse cálculo?
Alves Filho: A alternativa que se mostrou mais viável, mas que não encontrou consenso no Congresso, seria a soma da idade com o tempo de contribuição. Uma média que daria a fórmula 85, 95 [para obter aposentadoria integral, a soma do tempo de contribuição e da idade teria de ser igual ou maior a 85, para mulheres, e 95, para os homens]. Mas o que é certo é que nãoo houve ainda esse consenso.
E essa solução vem neste ano ou no próximo governo Dilma?
Alves Filho: Eu não acredito, infelizmente, que possa ser encontrada uma solução este ano porque este é um ano eleitoral. Você sabe que isso reduz o tempo de atividade dos parlamentares, e é um consenso que em ano de eleição se torna mais difícil, porque além de o problema não ser fácil, é um ano que as paixões políticas se desencadeiam.
Enquanto não se consegue eliminá-lo, a Previdência estuda mudar a fórmula do fator - por exemplo, o método de cálculo da expectativa de vida?
Alves Filho: O Executivo não tem estudado nesse viés. Não há como compatibilizar esses estudos com a legislação atual. O fator previdenciário é realmente lei, então ele teria de passar por uma discussão no Congresso. Há inclusive aspectos constitucionais.
O senhor já discutiu a possibilidade de estabelecer uma carência para a pensão por morte.
Alves Filho: Isso também implicaria numa mudança de legislação e o que há hoje é que nós temos uma legislação muito generosa, que permite uma verdadeira fraude legal: se ele [beneficiário] falece após uma doença e faz apenas uma contribuição [à Previdência], o seu dependente recebe como se tivesse aquele que faleceu contribuído a vida inteira. Isso leva até mesmo àquela situação de muitos, já infelizmente condenados à morte por doenças graves, contraírem um matrimônio e deixarem para as esposas pensões pelo resto da vida. E a legislação é tão frouxa que permite que isso não venha a ser modificado nem mesmo pela ocorrência de um novo casamento da viúva, nem mesmo pela independência dos filhos.
Se pretende promover [essa discussão] neste ano?
Alves Filho: Este ano não é fácil. Em termos de saneamento do déficit da Previdência, ele [Executivo] conseguiu eliminar, mas isso terá feito gradativamente ao longo de muitos anos, o chamado déficit da Previdência do servidor público. Antes de 4 de fevereiro de 2013, ele [servidor] se aposentava, não havia um teto para a sua aposentadoria e isso ainda vai representar, só no ano de 2013, um déficit de R$ 60 bilhões com 1,2 milhão de aposentados e pensionistas nessa área. A Previdência geral, já nesse ano de 2013, teve um déficit de R$ 51 bilhões, mas ela concede 31 milhões de benefícios.
A Previdência já sabe qual foi o impacto dessa medida em 2013?
Alves Filho: Temos de aguardar uma expectativa com certa moderação, porque isso vai se dar ao longo de muitos anos.
O que Previdência está fazendo de contingência para o caso de a desaposentação ser aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF)?
Alves Filho: A Previdência tem feito um trabalho de mostrar ao STF as consequências que advirão da desaposentação. Essa realidade nova traria uma situação insustentável para a Previdência, porque se calcula, sem muita precisão, que o impacto financeiro da desaposentação poderia chegar a R$ 69 bilhões no longo prazo, considerando as ações que estão no Judiciário [em 2013, o déficit foi de R$ 51,3 bilhões].
Se esse impacto vier, a Previdência terá de criar formas alternativas como uma contribuição extraordinária?
Alves Filho: Não há ainda condições de se ter uma construção de uma solução para esse problema em termos financeiros. O impacto disso ainda não foi devidamente dimensionado e, de acordo com o INSS, são 24 mil ações judiciais originais.
Mas a Previdência não teria de próprio caixa. Como é que seria feito?
Alves Filho: Já não temos uma solução para os problemas atuais, como é que nós teríamos uma solução para os problemas futuros se não dizer à Nação, como estamos dizendo ao STF, que a contribuição orçamentária e tributária de todos os brasileiros para o Orçamento federal para cumprir todas as obrigações governamentais seria sacrificada em função do impacto financeiro que se criaria com as desaposentações?
Existe a possibilidade de se estabelecer o retorno do pecúlio como forma de evitar novas ações? Ou isso está fora de cogitação?
Alves Filho: Se realmente se configurasse essa nova realidade, poderia se estudar alternativas como a do pecúlio, mas hoje não há estudos sobre isso.
O senhor defende que a taxa máxima do crédito consignado seja aumentada para acompanhar a nova realidade da taxa básica de juros brasileira?
Alves Filho: Isso terá de ser discutido ainda. E isso teria de se aliar a uma preocupação também do nível de inadimplência. Teríamos de fazer uma discussão mais ampla e mais abrangente com relação a isso. Em março de 2011 o índice equivalia a cerca de 40% do registrado no conjunto de créditos pessoais e em novembro de 2013, os consignados subiram a inadimplência para 50%.
Essa ampliação do calote...
Alves Filho: Acho que se deve ter uma atitude de cautela com relação a empréstimo consignado.
A Previdência defende limitar ou estabelecer algumas medidas para regular mais a concessão?
Alves Filho: Eu acho que deveria se aprofundar um estudo sobre isso. Há quem diga que [a inadimplência do consignado] passa por um período de estabilidade. Tudo isso tumultua um pouco essa discussão. O Conselho [Nacional de Previdência Social] deveria se debruçar sobre isso. Estou manifestando uma preocupação e não uma decisão.
Num próximo governo, caso o senhor continue ministro, compromete-se com estabelecer uma carência para pensão por morte ou acabar com o fator previdenciário?
Alves Filho: Eu confesso a você que como ministro eu pretendia fazer com que essa discussão ocorresse no Congresso e pudéssemos aprovar matérias que viessem a contribuir para debelar o déficit, mas eu tenho que ser humilde e reconhecer que o ano não é fácil para isso.
E a partir de 2015?
Alves Filho: É sempre uma interrogação.