Um julgamento simbólico de três horas, instalado no Teatro Tuca, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), condenou a Lei de Anistia (6.683/79) e recomendou a punição de todos os autores de crimes cometidos durante a ditadura militar brasileira, como homicídio, tortura, estupro, sequestro, desaparecimento forçado, ocultação e destruição de cadáveres. O Tribunal Tiradentes 3, como foi batizado, ocorreu na noite de terça-feira (18/3) e foi promovido pela Comissão da verdade da PUC-SP.
Foto: Arquivo Estadão
O nome do julgamento faz referência aos tribunais políticos de 1983 e 1984 que julgaram e condenaram, respectivamente, a Lei de Segurança Nacional e o Colégio Eleitoral, encabeçada pelos militares.
Os trabalhos da corte imaginária tiveram início às 19h45 e se estenderam até às 22h50. Além de ocuparem todas as 672 poltronas do Tuca, muitos acompanharem em pé, ao fundo da plateia, e também por um telão instalado do lado de fora do teatro. O júri que endossou a condenação da Lei de Anistia foi composto por seis representantes de setores da sociedade brasileira que sofreram com a repressão ou lutaram contra as arbitrariedades da ditadura: Central Única dos Trabalhadores (CUT), União Nacional dos Estudantes (UNE), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e a classe artística, representada pelo ator Sérgio Mamberti.
O julgamento resgatou fatos ocorridos nos anos de chumbo no país e tem como intenção incidir sobre a realidade da Justiça brasileira. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) eximiu de punição os agentes do Estado que torturaram, mataram, estupraram e desapareceram com os corpos de membros da dissidência durante a repressão.
“Estamos fazendo um julgamento simulado sobre um aspecto específico da Lei de Anistia: o artigo 1º, parágrafo 1º, que estendeu a anistia aos agentes do Estado”, lembrou o ex-deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado de vários presos políticos na época, presente no Tribunal da PUC-SP.
Também participaram dando testemunhos vítimas do regime militar, como Amelinha Teles, uma das mais ovacionadas, que lembrou que a punição aos agentes da ditadura é uma bandeira antiga dos perseguidos políticos e seus familiares. Naquele período, Amelinha era militante comunista e foi presa juntamente com seu marido, com a irmã grávida e os filhos pequenos – Janaína, 5 anos, e Edson Teles, 4, na época –, pela Operação Bandeirantes em São Paulo. Foi torturada pessoalmente pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado pela Justiça de São Paulo pelos crimes e tortura.
A sentença foi lida pelo presidente do tribunal, o jornalista Juca Kfouri, que retirou do “manto protetor” da anistia “todos os autores de crimes contra a humanidade” e todos os agentes públicos que de alguma forma auxiliaram os autores de tais crimes. Kfouri também responsabilizou ainda todos os que colaboraram na montagem do sistema de terrorismo de Estado, e todos os que dentro e fora do governo trabalharam pela aprovação da Lei de Anistia, entendida pelos membros do júri como um perdão autodirigido.
O Tribunal Tiradentes 3 também condenou os chefes ou integrantes dos órgãos públicos da União que persistem em descumprir os pontos decisórios da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao julgar o caso Gomes Lund. Em 2010, o colegiado da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil por não haver punido os responsáveis pelo assassinato de mais de 60 pessoas na Guerrilha do Araguaia, e também por se utilizar da Lei de Anistia para barrar investigações e punições aos crimes perpetrados pela ditadura.
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Com informações da Rede Brasil Atual