Os acidentes do trabalho podem gerar repercussões diversas, nos planos do Direito Civil, Trabalhista, Previdenciário e Penal.
Deve-se salientar, ademais, que as doenças ocupacionais também são consideradas acidentes do trabalho (art. 20 da Lei 8.213/1991).
Quanto ao tema, uma das questões mais discutidas é sobre o prazo prescricional aplicável à pretensão de indenização de danos morais e materiais, no âmbito da relação de emprego, quando decorrente de acidente do trabalho e doença ocupacional.
Primeiramente, é importante registrar que a possível imprescritibilidade do direito da personalidade envolvido (art. 11 do Código Civil de 2002) não alcança a reparação ou compensação dos danos oriundos da sua violação.
Vale dizer, não se pode confundir o direito de natureza humano e fundamental, ligado, por exemplo, à integridade física e psíquica, com o direito à indenização por ato ilícito, o qual surge da violação do primeiro.
Logo, por se tratar de pretensão a ser exercida por meio de ação condenatória, está sujeita a prazo de prescrição.
Ademais, ressalte-se que o referido prazo apenas tem início com a efetiva ciência da lesão pelo empregado, como a data em que este teve acesso ao laudo pericial do INSS atestando a incapacidade para o trabalho[1].
Em razão disso, nos termos da Súmula 278 do Superior Tribunal de Justiça, o “termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral”.
A rigor, esse prazo deveria ser o previsto na Constituição da República, ao dispor sobre a prescrição aplicada à relação de emprego, conforme art. 7º, inciso XXIX.
Cabe esclarecer que a prescrição é instituto de Direito material, embora possa ter aplicação no processo, por acarretar a resolução do feito com exame do mérito[2].
Logo, o prazo prescricional aplicável não é definido, exatamente, em razão do órgão jurisdicional com competência para decidir o conflito.
Na verdade, justamente por se tratar de dano que decorre do contrato de trabalho, o mais adequado, como visto acima, seria a incidência do respectivo prazo de prescrição, de hierarquia constitucional.
Nesse enfoque, a partir da ciência inequívoca da violação do direito, o trabalhador teria o prazo de cinco anos para ajuizar a demanda, com o pedido de indenização por danos morais e materiais decorrentes do acidente do trabalho (em sentido amplo), devendo respeitar, também, o biênio prescricional, contado da extinção da relação de emprego.
Entretanto, tem prevalecido na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho o entendimento de que se a ciência inequívoca da lesão, oriunda de acidente do trabalho (ou doença ocupacional), ocorreu antes da vigência da Emenda Constitucional 45 (31 de dezembro de 2004), aplica-se o prazo prescricional previsto no Código Civil.
Argumenta-se que, antes dessa ampliação da competência da Justiça do Trabalho, entendia-se, de forma majoritária, que a competência para decidir o conflito era da Justiça Comum Estadual, devendo incidir, assim, a prescrição civil.
A respeito do tema, transcreve-se a ementa do seguinte julgado:
“Recurso de embargos. Recurso de revista conhecido e provido para declarar a prescrição. Aplicação do art. 7º, XXIX, da CF. Acidente de trabalho ocorrido em 1992. Danos morais. Ação ajuizada na Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional nº 45/2004. Direito intertemporal. Segurança jurídica. Regra de transição. Aplicação da prescrição cível. A prescrição de dois anos, para ajuizamento de ação na Justiça do Trabalho, como determina o artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal, não alcançam ações cuja data da lesão já transcorrera em mais da metade pela regra da prescrição de vinte anos ou aquelas propostas antes da vigência do novo Código Civil de 2002, conforme determina seu artigo 2.028. A alteração da competência para o julgamento das ações relativas a acidente de trabalho, consoante a Emenda Constitucional nº 45/2004, não possibilita a aplicação imediata da regra de prescrição trabalhista, pois quando da redução dos prazos prescricionais (artigo 205 e inciso V do artigo 206), estabeleceu-se a regra de transição, com o objetivo de assegurar o princípio da segurança jurídica. Considerando que a ação foi proposta quando já havia transcorrido mais de dez anos da ciência do dano, o prazo aplicável ao caso sob exame é o de vinte anos, razão por que não se encontra prescrita a pretensão ao pagamento da reparação correspondente. Proposta a ação em 2005, mesmo após a vigência da Emenda Constitucional nº 45/2004, na Justiça Comum em relação à indenização decorrente de acidente de trabalho ocorrido em 1992, não pode o autor ser surpreendido pela mudança da competência, adotando prazo prescricional de dois anos, pois já tinha adquirido o direito a ver a sua pretensão julgada sob a regra de prescrição anterior. Embargos conhecido e provido.” (TST, SBDI-I, ERR - 9951700-13.2006.5.09.0659, Relator Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT 05.06.2009).
Seguindo o entendimento que tem prevalecido no Tribunal Superior do Trabalho, se a violação do direito ocorreu quando já em vigor o Código Civil de 2002, aplica-se o prazo prescricional específico, nele previsto, de três anos, conforme art. 206, § 3º, inciso V, contado a partir da ciência da lesão.
Entretanto, se essa ciência da lesão se efetivou antes de 11 de janeiro de 2003, deve-se considerar o disposto no art. 2.028 do Código Civil de 2002, ao prever que: “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”.
No caso, entende-se ter havido redução do prazo prescricional, pois enquanto o Código Civil de 1916 previa o prazo de 20 anos (art. 177), o referido diploma de 2002 passou a dispor que prescreve em três anos “a pretensão de reparação civil” (art. 206, § 3º, inciso V).
Portanto, deve-se verificar, em cada situação em concreto, se, levando em conta a data da efetiva ciência da lesão ao direito, quando da entrada em vigor do Código Civil de 2002, já transcorreu mais de 10 anos.
Na hipótese afirmativa, incide o prazo prescricional de 20 anos; caso contrário, aplica-se o prazo de prescrição de três anos, contado a partir da data de entrada em vigor do Código Civil de 2002, para que não ocorra aplicação retroativa da norma jurídica[3].
Exemplificando, se o acidente do trabalho ocorreu em 13 de abril de 2001, deve-se aplicar o novo prazo prescricional de três anos (conforme art. 206, § 3º, inciso V do CC-2002), contado, como visto acima, da entrada em vigor do Código Civil de 2002, uma vez que, nesse caso, não transcorreu mais da metade (10 anos) do prazo prescricional anterior (o qual era de 20 anos, nos termos do art. 177 do CC-1916), quando do início da vigência do Código Civil de 2002 (11 de janeiro de 2003).
Nesse sentido é a importante decisão proferida, em 22 de maio de 2014, pela Subseção de Dissídios Individuais I do TST, no processo E-RR-2700-23.2006.5.10.0005.
Diversamente, caso o acidente do trabalho tenha ocorrido em 10 de fevereiro de 1991, ainda seguindo o entendimento que tem prevalecido na jurisprudência do TST, deve-se aplicar o prazo prescricional de 20 anos (art. 177 do CC-1916), contado da efetiva ciência da lesão, tendo em vista que, nessa hipótese, transcorreu mais da metade do prazo de prescrição anterior, quando da entrada em vigor do Código Civil de 2002 (11 de janeiro de 2003), nos termos do seu art. 2.028.
[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 1231.
[2] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 380.
[3] Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1, p. 530-531: “caso tenha havido redução de prazo pela lei nova (imagine a pretensão de reparação civil que se reduziu de 20 para 3 anos – art. 206, § 3.º, V), tendo transcorrido menos da metade do prazo pela lei anterior, ao aplicar a lei nova (art. 2.028), esse novo prazo, obviamente, começará a correr da data da entrada em vigor do novo Código Civil”.
* por Gustavo Filipe Barbosa Garcia, doutor e livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especialista e pós-doutor em Direito pela Universidad de Sevilla. Atua como professor universitário, advogado e consultor jurídico. Foi juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, procurador do Trabalho do Ministério Público da União e auditor fiscal do Trabalho. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Artigo publicado na Revista Consultor Jurídico