Até o dia 11 de junho de 2014, eram dadas como verdades sete profecias. A organização da Copa no Brasil envergonharia o País. Os estádios, caso fossem entregues, apresentariam sérios defeitos operacionais. Haveria caos aéreo. A insegurança e o aumento da criminalidade seriam marcantes. As cidades-sede enfrentariam crises de transporte. As ruas estariam tomadas por enormes manifestações contra a realização do evento. A seleção brasileira de futebol já estava com a mão na taça.
É dura a vida dos profetas! Ainda mais quando o intervalo entre o augúrio e a manifestação do portento se conta em semanas – e não em escala bíblica ou geológica – e os videntes ainda estão vivos, firmes e fortes. Menos de 40 dias de travessia foram suficientes para demonstrar o deserto dos vaticínios. A vergonha anunciada transformou-se em generalizada percepção de sucesso organizativo.
Os estádios não só ficaram prontos a tempo como não apresentaram nenhum problema significativo, quer para os atletas, quer para os espectadores. Pesquisa realizada pelo instituto Datafolha, entrevistando 2.209 turistas estrangeiros, de mais de 60 nacionalidades, revelou que 92% deles consideraram seu conforto e segurança como ótimos e bons. Bobagens como a “prova matemática” de que somente em 2032 as obras seriam concluídas integrarão o rol das grandes “barrigas”, como se denominam os erros no mundo do jornalismo.
O índice de atrasos de voos foi de 7,46%, ante um padrão internacional médio de 15%, que engloba não somente períodos de pico, como as operações cotidianas. Os 21 aeroportos que atenderam torcedores e delegações receberam, sem maiores dificuldades, uma média de 485 mil passageiros por dia, enquanto no Carnaval atendem diariamente 365 mil e no período de Natal, 404 mil. O portal G1 publicou uma reportagem que simboliza muito bem o cenário. Intitulada “‘Parabéns, Brasil’, a matéria informa que “o escocês Gary Meenaghan, de 30 anos, foi um de centenas de jornalistas estrangeiros que viajaram por todo o Brasil a trabalho durante a Copa do Mundo. Repórter esportivo do jornal The National dos Emirados Árabes Unidos, Meenaghan assistiu de dentro do estádio a 17 jogos do mundial de futebol em dez das 12 cidades que sediaram o evento. Para chegar a todos esses lugares, ele pegou 29 voos em 28 dias, e comemorou o fato de nenhum deles ter atrasado”.
Os entrevistados pelo Datafolha avaliaram sua segurança pessoal, nas ruas, nas festas e em sua convivência com os brasileiros como ótima ou boa (72%) e regular (19%). O ponto máximo da “insegurança” foi a invasão de cerca de 80 torcedores chilenos à área de imprensa do Maracanã, por falha do esquema de controle da Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa), prontamente resolvida pela intervenção do aparato policial público. E foi no Brasil que, pela primeira vez, desbaratou-se o criminoso esquema internacional de manipulação na venda de ingressos, colocando na cadeia chefões da operação mundial do cambismo.
Não só 76% dos turistas estrangeiros avaliaram como ótimo e bom o transporte até os estádios (e 14% deles o julgaram regular), como 69% deles também afirmaram ser bom ou ótimo o transporte cotidiano nas cidades que visitaram (17% deram nota regular e apenas 9% o julgaram ruim ou péssimo). E esse é um quesito que merece considerações adicionais: ainda que várias intervenções não tenham sido concluídas a tempo para a Copa, só uma enorme má vontade deixará de levar em conta que obras essenciais para a melhoria da mobilidade nas grandes cidades, com ênfase no transporte de massas, apenas foram postas em marcha por força da pressão gerada pelo evento. Serão entregues para uso de seus cidadãos monotrilhos, BRTs e novos complexos viários em cidades tão diversas como Cuiabá, Manaus, Fortaleza, Porto Alegre, Salvador e Belo Horizonte.
As manifestações de massa que realmente marcaram as ruas brasileiras foram as de enorme confraternização de turistas e torcedores do mundo todo com um povo hospitaleiro e muito bem humorado, até na derrota nos campos. Fan Fests, Copacabana, Vila Madalena, Savassi e Santa Cruz de Cabrália são nomes que ficam como modelos de convivência alegre, espontânea e pacífica de multidões mundiais.
O gol da FNE
A sétima profecia, melhor não falar muito dela... Melhor é tratar de um grande acerto. A FNE acertou em cheio ao promover, ao longo de mais de dois anos, o projeto “Cresce Brasil – Copa 2014”. Suas premissas eram muito claras: o Brasil pode e deve sediar grandes eventos; tais funcionam como indutores de ações que o País demanda; e a engenharia nacional tem plena capacidade de responder a desafios de grande porte, mesmo que premida por prazos exíguos, incertezas orçamentárias, alterações súbitas de projetos e indefinições políticas.
Enfrentando o ceticismo e a crítica exacerbada, os engenheiros brasileiros demonstraram competência, seriedade, criatividade e flexibilidade, sem abandonar a consistência técnica e critérios éticos e de segurança. A FNE não cedeu ao apelo fácil do negativismo e “imaginou na Copa” um momento especial para comprovar que somos uma nação plenamente capaz de grandes realizações, inclusive por contar com profissionais plenamente habilitados a gerarem soluções, ao invés de se somar à lamúria dos problemas. Os fatos estão aí. Estávamos certos.
Abriu-se, também, uma grande oportunidade de reflexão nacional, para a qual os engenheiros serão decisivos. Será que outras profecias tão em voga – apagão elétrico, crise econômica profunda, colapso de infraestrutura, desindustrialização irreversível, desestruturação da Petrobras – não têm, também, muito de amplificação artificial e interessada e devem e podem ser transformadas em erros pela ação dos cidadãos e dos governos, como o acerto em relação à Copa o fez?
* Por Artur Araújo – Consultor do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”