Durante a atividade física o corpo necessita de uma maior oxigenação, ou seja, ser melhor ventilado. Entretanto, em locais com grande concentração de poluentes como os centros urbanos, ocorre, juntamente com o acréscimo de oxigênio, um aumento de poluentes inalados. Foi com esta preocupação que, durante pesquisa da fisioterapeuta Izabela Cozza sobre o papel da ventilação na inalação de poluentes, surgiu a ideia do projeto Pedal.
Baseado em uma iniciativa belga, o Pedal busca realizar um cadastro do perfil de ciclistas da cidade, seja daqueles que usam a bicicleta para lazer, atividade física ou mesmo para o trabalho. Formado por pesquisadores do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (HCFMUSP), o projeto foi nomeado a partir do acrônimo em inglês “Prospective Evaluation of Daily Activities and Life style in cyclists” ou, em português, “Avaliação Prospectiva das Atividades Diárias e Estilo de vida dos ciclistas de São Paulo”.
Os ciclistas interessados em participar podem se cadastrar voluntariamente no site do InCor. Além de acompanhar as condições de saúde dos participantes, outro objetivo do estudo é estimular esta atividade, que, mais que um exercício físico, contribui para a mobilidade urbana e para a preservação do meio ambiente.
Bicicleta: (muito) pior sem ela
A importância de incentivar o uso da bicicleta fica evidente quando se tem que a atividade física reduz de 20% a 30% o risco de diversas doenças, e que, apesar da poluição, um estudo na Holanda aponta que os benefícios para as pessoas saudáveis parecem compensar em muito os efeitos negativos do ambiente poluído, conforme explica o pneumologista Ubiratan Santos.
Com os perfis será possível realizar estudos clínicos e experimentais com essa população, conhecer o trajeto dos ciclistas, os acidentes que sofrem, as doenças que apresentam, bem como estimular políticas públicas, “identificando fatores que dificultam a implementação do transporte cicloviário e áreas com maior risco de acidentes ou de intercorrências clínicas”, comenta o coordenador Gustavo Prado. O destaque para os portadores de doenças crônicas tem especial relevância, pois “ainda não se sabe com certeza se essa interação da atividade física com a poluição nessas populações pode ser mais benéfica ou acrescentar um dano adicional”, resume.
Com o propósito de se conhecer melhor o projeto de instalação de ciclovias na cidade e ter maior acesso a esses ciclistas que estão passando, progressivamente, a usar essas faixas, o secretário municipal do Transporte foi convidado a participar do evento, constituindo mais um meio de se chegar aos ciclistas, em especial àqueles que usam a bicicleta para o trabalho, que são menos acessíveis do que os que a utilizam para lazer ou atividade física.
O pneumologista Carlos de Carvalho conta que, historicamente, a disciplina de Pneumologia da FMUSP tem manifestado interesse nos estudos da poluição – e para o patologista Paulo Saldiva, o InCor se alinha, agora, às últimas diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em agosto aconteceu sua primeira reunião sobre mudanças climáticas, e se propôs que o setor da saúde deveria participar da educação da população.
Para Saldiva, o uso da bicicleta tem um papel importante nas modificações necessárias. Como justificativa o patologista utilizou o conceito de velocidade efetiva. No conceito, a velocidade do modal (veículo particular, transporte coletivo, bicicleta) não é medida apenas pela sua velocidade de deslocamento, mas também pela quantidade de horas necessárias para o pagamento pela viagem. “É quanto do dia se tem que trabalhar para pagar a viagem. O carro é o que tem a menor velocidade efetiva, pois é preciso pagar o veículo, a manutenção, o combustível… Já a bicicleta é o modal com maior velocidade efetiva, pois se anda três vezes mais depressa do que a pé e o custo é muito baixo. Além de trazer uma série de benefícios à saúde”, explica Saldiva.
O médico prossegue avaliando que não se deve estigmatizar o carro, mas entender que ele não é o único meio de transporte viável em uma metrópole, e destaca que a participação do InCor nesse campo despolitiza a questão, colocando evidências científicas em prol da saúde das pessoas. Indo além, ele explica que “há o espaço da equidade, da ética urbana, que perpassa toda a questão das bicicletas, pois há uma classe com menor poder aquisitivo que não possui, nem tempo, nem dinheiro, para pagar uma academia.” E finaliza dizendo que a mudança é cultural. “Nós conseguimos isso com o cigarro, conseguimos com tantas coisas, por que não com a bicicleta?”.
Fonte: Agência USP de Notícias