A candidatura presidencial de Marina Silva (PSB) defende a universalização da banda larga a partir da telefonia celular. É o que está dito em seu plano de governo, até o presente momento. Após receber diversas informações, comprovadamente verdadeiras, de órgãos como Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre a precariedade atual da rede de telefones móveis no País, será que a candidata do PSB cumprirá o que se comprometeu, em internalizar esse debate em sua campanha? Fará mudanças no texto?
Foto: Beatriz Arruda
Marina Silva, em debate sobre banda larga, no dia 22 último, no SEESP, na Capital paulista
Essa é uma das questões que ficaram sem resposta após o término do debate, ocorrido no final da tarde de segunda-feira (22/9), no auditório do SEESP, durante a segunda edição do “Diálogos Conectados”, promovido pela campanha “Banda Larga É Um Direito Seu!” que, além da internet de alta velocidade, abordou a regulamentação do Marco Civil da Internet, a privacidade, lei de direitos autorais e software livre.
Como afirmou a própria candidata aos presentes , seu plano de governo “é vivo” e ainda está em debate. “Nós não fizemos essa discussão com a profundidade que vocês estão colocando. Nós estamos fazendo essa discussão. Tomamos a decisão de que o nosso programa seria um programa vivo e que estaria em debate”, explicou Silva aos presentes, após ser questionada sobre qual sua opinião sobre a utilização da infraestrutura já existente para a universalização, feita com dinheiro público (estimada em R$ 74 bilhões), mas que vem sendo explorada pela iniciativa privada, e sobre qual será o papel da Telebras – empresa de economia mista, responsável atualmente pela gestão do Plano Nacional de Banda Larga - caso vença as eleições.
Silva se mostrou disposta a alterar suas propostas de governo ao comentar que o “plano possibilita o debate” e “esmiuçá-lo”. A candidata também propôs debater de forma mais ampla a maneira como se dará a universalização. Em resposta a indagação feita pelo engenheiro Márcio Patusco, integrante do Clube da Engenharia, sobre a necessidade de haver um decreto presidencial para colocar a banda larga também no regime público, como determina a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), disse: “É preciso que se faça a discussão, mas, sem comprometer uma taxa de retorno que assegure a viabilidade dos empreendimentos (setor privado), que se valorize o acesso e que o Estado possa prover os cidadãos, os meios, nas regiões mais difíceis, como, por exemplo, as regiões mais isoladas como foi citado aqui o Norte e o Nordeste”.
A ex-ministra do Meio Ambiente reiterou diversas vezes que defende a parceria entre o poder público e empresas privadas para ampliar o acesso à rede mundial de computadores, sem detalhar quais recursos públicos serão utilizados ou qual o tamanho do papel do Estado.
Já a LGT exige, em seu artigo 65 do parágrafo 1º, que todo o serviço que for considerado essencial deve ser ofertado de forma universal, não podendo ser comercializado somente pelo setor privado. Atualmente, só a telefonia fixa está sujeita a essa regra, estipulada em 1997. Hoje, a realidade é outra. A telefonia fixa tende a ser extinta nos próximos anos e a internet está cada vez mais presente no cotidiano. Para que não houvesse qualquer dúvida sobre a essencialidade da internet, a Lei do Marco Civil da Internet, aprovada em abril deste ano, instituiu que se trata de um serviço essencial.
Compromisso com universalização e neutralidade
Três afirmações feitas pela candidata do PSB à Presidência da República receberam avaliação positiva dos representantes da campanha, que concederam uma coletiva de imprensa ao final do evento: o reconhecimento de que a banda larga é um serviço essencial; o comprometimento pela universalização do acesso e a manutenção da neutralidade da rede – que garante que todos os dados trafegados no ciberespaço sejam tratados sem discriminação.
Como bem lembrou a advogada Flávia Lefèvre, da Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, que faz parte da campanha, a palavra universalização havia sido banida das políticas de banda larga em vigor no governo atual da presidente Dilma Rousseff.
“Na concepção da campanha, embora, no caso da participação da candidata Marina, hoje, tenha ficado vago como isso será feito, é muito importante para nós que as duas candidatas que participaram dos Diálogos Conectados estejam falando em universalização da banda larga e em essencialidade do serviço”, afirmou Lefèvre, referindo-se também à candidata do PT, que participou da primeira edição do Diálogos Conectados, na terça-feira (9/9).
Já Pedro Ekman, do Coletivo Intervozes, criticou as duas candidatas participantes. Para ele, Dilma foge da responsabilidade imposta por lei, que na avaliação da campanha, obriga a publicação de um decreto presidencial. Na ocasião, a candidata Dilma falou que é a favor de uma lei de universalização por acreditar que um decreto (presidencial) seria ato voluntarioso e criaria a judicialização.
“Dependendo da política pública que ela estabelecer, eu mesmo posso judicializar. Para mim não é que a lei permite que ela faça um decreto, a lei manda ela fazer um decreto. O Marco Civil diz: a internet é um serviço essencial. E a LGT diz: se o serviço for essencial não pode ser prestado só no regime privado. A composição das duas leis, no meu entender, obriga a presidência da república a fazer o decreto”, enfatizou Ekman.
“De qualquer forma, nós continuaremos cumprindo esse papel , de pressionar, enquanto movimento, enquanto sociedade civil. Nós o faremos seja qual for o candidato ou candidata a se eleger. A campanha banda larga não vai se encerrar no dia 5 de outubro”, lembrou Beatriz Tibiriçá, do Coletivo Digital, que também integra à campanha.
Renata Mielli, do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, foi uma das mais críticas. “Como você pretende universalizar a banda larga utilizando como base um serviço que tem essa tamanha precariedade cujos preços das tarifas são os mais altos do mundo. Essa é a proposta inicial que a candidata nos apresentou aqui, que é a que consta no plano dela. E ela não conseguiu nem defender isso e nem explicar como ela pretende fazer. E isso me preocupa muito”, lamentou.
Porém, Mielli reconheceu a abertura concedida por Marina Silva ao diálogo e a parabenizou pela participação e pelo gesto feito durante o encontro: “Num possível governo ela demonstrou que estaria aberta a fazer um diálogo conosco. E isso para nós da campanha é o que fica de importante: as duas candidatas com mais chances de se eleger estão dispostas ao diálogo com a sociedade civil”.
Alterações no “plano vivo”
Até agora, a candidata fez duas alterações em seu plano de governo, confirmadas pela campanha. Uma delas foi a retirada do trecho que defendia direitos aos homossexuais, como a proposta de apoio ao casamento gay, após receber críticas publicamente do pastor Silas Malafaia. Porém, a candidatura nega que tenha sido esse o motivo e alega “falha processual na editoração do texto”. A outra, foi a exclusão do trecho que defendia a manutenção do programa de energia nuclear que, conforme explicou a assessoria de imprensa ao SEESP, deixava dúvidas sobre qual a proposta da candidatura, uma vez que constavam no plano as duas propostas: uma afirmando que a coligação “Unidos pelo Brasil” era favorável a essa fonte de energia e outro item que afirmava que é contrário, que acabou sendo mantido no documento.
Uma terceira alteração, que a assessoria não confirma, é sobre as metas de produtividade para os produtores rurais, com a finalidade de desapropriação para reforma agrária, caso as mesmas não sejam atingidas. Após ouvir as preocupações do setor do agronegócio, no sábado (20), em um evento no interior paulista, o vice de sua chapa, Beto Albuquerque, teria dito que não haverá mais índices de produtividade e que se não houver produtividade, “será desapropriado pelo mercado, e não pelo governo”.
Uma explicação sobre essa “dualidade opositiva” em seu plano de governo, usando uma expressão dita pela própria Marina Silva, é a de que as ideias que se opõem não devem orientar o debate político. Ela defendeu o que chamou de "coexistência" para "assegurar" ao cidadão “o seu direito de escolha”.
Deborah Moreira
Imprensa SEESP