Com a entrada em funcionamento do novo Canal do Panamá em 2016, depois da conclusão de suas obras de alargamento e aprofundamento, os portos do Norte do Brasil passarão a ter mais competitividade do que os portos do Sul e Sudeste. Muitos já passam por reformas para se adaptarem à demanda – na maioria, por empenho da iniciativa privada –, enquanto o governo federal leva adiante o asfaltamento do trecho final da BR-163 entre o Mato Grosso e o Pará, cuja conclusão está prometida para 2015, depois de décadas de espera.
Obviamente, quando esta obra estiver concluída, não haverá mais sentido em se trazer as cargas do agronegócio do Centro-Oeste para os portos de Santos, Paranaguá e Rio Grande, que em época de supersafra provocam o tráfego de mais de sete mil caminhões por dia nas estradas. Mas só asfaltamento não basta. O Brasil deveria seguir o exemplo de seus principais concorrentes nos segmentos de soja e milho.
Em outras palavras: os Estados Unidos têm infraestrutura para armazenar quase o dobro da safra que produzem, enquanto a capacidade da Argentina chega a 120%. Já o Brasil armazena apenas 30%, despachando o restante por caminhões que fazem as vezes de silos. Como não há silos suficientes nas fazendas e nos locais intermediários entre a área agrícola e o litoral, os portos acabam funcionando como centro de estocagem, o que gera um sério problema de logística, prejudicando outros segmentos que se utilizam dos serviços portuários.
Como nunca se sentiu capaz de equacionar esse problema, o governo federal se opôs à ideia da Prefeitura e da Câmara de Santos de transferir a operação de granéis do bairro da Ponta da Praia para a área continental do município, provavelmente porque entende que o País ainda escoará a sua produção de grãos e açúcar pelo porto santista por mais alguns anos. E que não seria vantajoso investir em novos terminais que logo estariam condenados à desativação.
Valendo-se do esvaziamento da gestão local do porto, ditado pela nova Lei dos Portos (nº 12.815/13), o governo federal questionou o direito do município de legislar sobre o tema, ou seja, de defender os seus moradores dos efeitos da poluição e do uso excessivo de sua infraestrutura urbana. Mas juridicamente essa ideia é pouco defensável. O resultado disso é que o Tribunal de Contas da União (TCU) bloqueou editais de licitação de renovação ou novos arrendamentos desses terminais graneleiros, à espera de melhor entendimento na matéria.
De fato, os dois lados – União e município – têm boas razões. Mas o caso só chegou a esse ponto por causa da excessiva morosidade do governo federal em dotar o País de uma boa infraestrutura viária em direção ao Norte. Se a BR-163 já estivesse completamente asfaltada – e bem asfaltada porque apresenta trechos antigos em que a camada de asfalto é muito fina para suportar o peso de carretas com 50 toneladas de grãos –, o escoamento da safra do Centro-Oeste pelos portos do Sul e Sudeste já seria uma alternativa perdida no passado.
* por Milton Lourenço, presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC)