A medicina não vive mais sem a engenharia. A opinião é do professor João Carlos Machado, do Programa de Engenharia Biomédica do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). Com formação em engenharia eletrônica e mestrado em biomedicina, ele esteve à frente em 1983, juntamente com outros profissionais, de pesquisas importantes para a busca de novas aplicações para a técnica do ultrassom, como na detecção da formação de coágulos sanguíneos ou precoce de câncer no intestino.
“A ciência é uma só, nós é que a separamos por questões de ensino e pragmatismo. No fundo, a medicina está ligada à engenharia, não tem como desvincular.”
Machado destaca que sua aplicação está totalmente voltada à medicina desde o desenvolvimento tecnológico até a segurança dos pacientes, “porque esses instrumentos têm todo um protocolo de instalação, uso, manutenção e calibração que necessita do engenheiro biomédico”. Nesse sentido, o professor da UFRJ reivindica a regulamentação do profissional nos grandes hospitais e instituições de saúde. “Ele deve fazer parte da hierarquia do corpo diretor e com o mesmo nível de responsabilidade”, defende, informando que essa prática já é adotada em outros países.
A opinião é reforçada pela coordenadora do curso de graduação de Engenharia Biomédica da Universidade Federal do ABC (UFABC), Juliana Daguano, que tem formação em engenharia bioquímica e doutorado em materiais. “Em países desenvolvidos, a medicina se vale dos conhecimentos e ações da engenharia há algumas décadas, e a área já está consolidada e desponta como uma das carreiras mais promissoras para os próximos 20 anos.” Entretanto, no Brasil, prossegue, a intervenção da engenharia na medicina é relativamente recente. “Mas, com o envelhecimento da população brasileira, a demanda por novas tecnologias na área da saúde tem crescido consideravelmente.”
Entre as grandes contribuições da engenharia à saúde, Machado lembra o marca-passo, que existe há mais de 50 anos, “um típico desenvolvimento tecnológico que salva vidas”. O professor da UFRJ também cita as operações cardíacas que contam com todo um aporte de instrumentação com a participação fundamental da área. Para Daguano, a procura por novas tecnologias e o acesso a elas na área da saúde serão cada vez maiores e propulsores para a realização de trabalhos em engenharia. De modo geral, afirma a coordenadora da UFABC, a pesquisa tecnológica se inicia com a identificação de problemas na área da saúde. Nessa atividade, ela relaciona a interface com as engenharias elétrica e mecatrônica (instrumentação, equipamentos médico-hospitalares e dispositivos de reabilitação), mecânica (biomecânica), de materiais (biomateriais e dispositivos implantáveis) e de computação e informação (telemedicina).
Já o coordenador do curso de Pós-graduação de Engenharia Biomédica do Instituto Nacional de Telecomunicação (Inatel), Marco Túlio Perlato, observa que, algumas vezes, se depara com a solução de um problema de saúde utilizando tecnologia totalmente nacional. “Recentemente tomei conhecimento de um grupo de pesquisadores brasileiros que estão desenvolvendo equipamentos de raios-x sem o uso de radiação ionizante.” E antecipa: “Imagine fazer um exame desses sem se preocupar com os efeitos nocivos da radiação. Isso é absolutamente fantástico.” Perlato acrescenta: “Também existem pesquisadores trabalhando com órteses e próteses, biomateriais e no desenvolvimento de novos equipamentos para a saúde.” Ele informa que o Inatel implantou um Centro de Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia Assistiva.
Foto: Ascom Inatel
Perlato, do Inatel, se entusiasma com pesquisas que
podem criar raios-X sem uso de radiação ionizante
As perspectivas para a área no País são alvissareiras, já que ainda há carência de profissionais qualificados. Daguano explica que até bem pouco tempo atrás o Brasil não tinha graduados na modalidade, mas apenas profissionais de outras áreas com essa especialização. “Com a abertura de cursos de graduação, como o nosso da UFABC, o cenário está mudando, as empresas estão descobrindo esse profissional e têm demonstrado grande interesse nas contratações.” E completa: “Boa parte da tecnologia e do conhecimento desenvolvidos nas universidades poderão ir para a indústria e então chegar aos hospitais, clínicas e à população.”
O primeiro curso nacional de engenharia biomédica foi instalado em 1971, como especialização na Coppe/UFRJ. Na mesma época, lembra Machado, o Instituto do Coração (Incor), em São Paulo, já mantinha uma equipe ligada à engenharia, com a liderança do professor Euryclides de Jesus Zerbini, que desenvolvia a parte de instrumentação e metodologia de criação de válvulas cardíacas. “Já se tinha uma visão da importância de montar equipes com esses profissionais juntos”, ressalta. O que é reforçado por Perlato: “Não consigo pensar o desenvolvimento da medicina sem a engenharia. Alguém consegue imaginar uma cirurgia cardíaca sem um equipamento de anestesia ou um bisturi elétrico?”
Rosângela Ribeiro Gil
Imprensa SEESP
Matéria publicada, originalmente, no Jornal do Engenheiro, nº 479, de 1º a 15 de agosto de 2015