A mobilidade social no Brasil é limitada, não ultrapassa as camadas inferiores. A conclusão é de Waldir Quadros, professor colaborador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) e do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), para quem tal situação é resultado da baixa performance da economia nacional. Essas constatações fundamentam-se em análise sobre estratificação social relativa ao período de 2004 a 2008.
Tendo como referência os dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o estudo mostra, como afirma Quadros, que houve forte mobilidade na base da pirâmide social. Conforme ele, isso se deveu a “crescimento econômico situando-se em torno de 4,5% e a forte aumento do salário mínimo, que chega a 13,5% em 2006, uma combinação virtuosa do ponto de vista distributivo, obviamente complementada pelas políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família”.
Entretanto, tal mobilidade chega, continua Quadros, no máximo com vigor à classe C – baixa camada média, que corresponde ao padrão de vida de um professor primário, um balconista, um auxiliar de escritório – com salários de referência entre R$ 635,00 e R$ 1.588,00. No período, elevou-se de 29,3% para 37% a participação da população nesse segmento. “É uma ascensão social importante, tira muita gente da miséria e parte da pobreza, mas a partir daí perde dinamismo.” Assim, não alcança categorias importantes ao desenvolvimento nacional, como a dos engenheiros – que no corte estabelecido para a pesquisa pelo professor enquadram-se na alta classe média, cujos rendimentos superam os R$ 3.177,00. Tampouco os que se situam na faixa média, entre esse valor e R$ 1.588,00 – a qual engloba sobretudo profissionais de nível médio e técnicos.
Isso como consequência de uma economia frágil, não baseada numa estrutura industrial avançada e nas suas conexões com serviços. “Fundamentalmente o que cresceu até 2006 foi a exportação do agronegócio e de minérios, de commodities. O que cria pouco emprego de alta e média classe médias, devido a uma política econômica de dólar barato e juros altos que inibe o desenvolvimento tecnológico e torna mais importante importar do que produzir localmente.” Ele acrescenta: “O Brasil abriu mão disso. Veja componentes eletrônicos, muita coisa de autopeças. Isso explica essa mobilidade limitada.” A privatização, que teve seu auge nos anos 90, agravou ainda mais esse panorama, uma vez que “se olharmos no período recente, o que segurou o desempenho das classes médias alta e média foi o emprego público”.
Dado que não deixa dúvida quanto à precariedade dessa ascensão restrita e incompleta é que o desemprego, mesmo entre as camadas abrangidas, não caiu em igual proporção. “Pelo critério de dois meses de procura por trabalho, em 2002 e em 2005, o índice de desocupados era de 11,7% da PEA (população economicamente ativa); começou a diminuir em 2006, indo para 10,9%, em 2007, caiu para 10,3%, e em 2008 (até outubro), 9,1%. Nada muito expressivo.” Com efeito, segundo ele, 2/3 dos desempregados encontram-se nas famílias que obtiveram melhor desempenho. “É outra forma de ver essa vulnerabilidade.”
Ainda para o professor, é essa fragilidade que permite práticas como a demissão de quadros qualificados, que representam a expertise da empresa, e sua substituição por jovens recém-formados com salário menor. Artifício que sempre foi utilizado no Brasil e serviu como desculpa na recente crise financeira global – período não abrangido pelas pesquisas de Quadros, porque os levantamentos que cobriam aquele momento ainda não estavam disponíveis. E que ele aguarda para complementar seus estudos.
Na agenda, o desenvolvimento
O cenário que se apresenta, na ótica do professor, decorre de mais de 25 anos sem crescimento, que levaram à perda de atrativos de uma série de carreiras ligadas ao desenvolvimento. “Assim, quando tem um surto imobiliário, não tem engenheiro. A estagnação desestruturou a produção e também o local do trabalho mais qualificado.” Para reverter o quadro atual e assegurar maior participação da população na camada intermediária, reduzindo-se o fosso entre pobres e ricos, o ideal, ratifica Quadros, é elevar os empregos de alto valor agregado.
O que demanda a retomada do papel do Estado. E que as políticas de desenvolvimento, ciência e tecnologia, industrial e educacional caminhem juntas. “Temos que nos espelhar na Coreia, que fez isso e em 20 anos resolveu esse problema. Lá, 95% dos jovens têm ensino universitário, enquanto aqui esse índice não deve chegar a 15%, contando todo tipo de faculdade”, complementa. No país asiático, como aponta o projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento” – lançado pela FNE (Federação Nacional dos Engenheiros) e que vem sendo atualizado, o qual propugna por uma plataforma nacional de desenvolvimento com inclusão social –, a cada cem formandos nas universidades, 20 são engenheiros. São 80 mil por ano, quase quatro vezes mais que no Brasil. Entre os doutores, 70% são dessa área e de ciências da computação.
Soraya Misleh