Soraya Misleh
Nos últimos anos, tem crescido o número de estudantes de engenharia no País, em função da expansão econômica. A boa notícia, contudo, não tem significado maior igualdade de gênero nessa seara. Quem aponta é Hildete Pereira de Melo, professora de Economia da UFF (Universidade Federal Fluminense) e editora da revista Gênero dessa instituição. A conclusão provém de estudo que ela promoveu em que utilizou dados do MEC (Ministério da Educação) de dois períodos distintos: 2000 e 2005.
Esses revelam que ainda há muito o que avançar quanto à inserção de mulheres na profissão. Há 11 anos, havia 182.346 estudantes matriculados na área, dos quais a parcela masculina somava 146.726 e a feminina, apenas 35.622; em 2005, no total havia 266.163, sendo 212.217 homens e 53.946 mulheres. Ela complementa: “No geral, continua baixo o percentual no caso delas. E nos cursos de pedagogia a proporção é exatamente inversa.” De fato, em 2008, o censo do MEC indicava isso, com presença masculina de 322.664 matriculados ante feminina de 88.197 – aí incluídas outras profissões da área tecnológica que o Ministério considera como pertencentes a essa grande área. No mesmo ano, estritamente na engenharia, ingressaram 104.606 homens e 30.599 mulheres.
Na opinião da pesquisadora Maria Rosa Lombardi, isso ocorre porque a estrutura das relações de gênero não foi modificada. “Engenharias ainda são tidas como um universo masculino”, ressalta. O tradicional papel reservado às mulheres, de cuidadoras, continua, portanto, a valer. A elas, as profissões seriam como uma extensão da maternidade, nas palavras de Melo, e qualquer alteração nesse padrão seria vista como transgressão.
Não significa que não houve avanços desde que as primeiras mulheres desafiaram o status quo, enfrentaram a discriminação e conquistaram um lugar ao sol na área, nos anos 20 do século passado. “Engenharia não é mais aquele curso que elas nem tentavam. Na década de 70 praticamente era área proibida a esse universo.” Sob o pretexto de que não tinha alojamento feminino, conforme conta a professora, o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), por exemplo, não aceitava inscrição feminina para o vestibular e era difícil achar aquelas dispostas a romper essa barreira por via judicial. “Seria fácil conseguir um habeas corpus, mas nunca convenci nenhuma das meninas que eram boas em matemática a tentar fazer isso.” No IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), segundo a pesquisadora Ros Mari Zenha, a presença de mulheres se expandiu, com muitas chefes de laboratórios e diretoras assumindo centros técnicos. Mas daí à desconstrução de papéis e igualdade nesse campo, a distância é grande, inclusive quanto à remuneração percebida. Embora não tenha dados específicos da engenharia, Melo observa que quanto maior a escolaridade, maior a diferença de salário. “Claro que nos últimos 30 anos isso diminuiu, mas, no geral, as mulheres ganham 70% em comparação ao que é pago aos homens.”
Enfrentar o desafio
Ao equilíbrio nessa relação, afirma ela, “é preciso a contrapartida política da sociedade de que esse mercado não é mais fechado para as mulheres e elas não são malvistas por serem engenheiras”. Melo acrescenta: “É necessário um avanço de ideias para que o repique da procura pela profissão rebata na questão de gênero.” Isso, avalia, passa por uma educação igualitária, desde a mais tenra idade.
Ainda na sua ótica, superar esse desafio requer a elaboração de uma política que “valorize para homens e mulheres o cuidado, estimule a divisão de tarefas”. E simultaneamente, no âmbito da ciência, “que as mulheres tenham sua produção valorizada, assim como sua participação em comitês”. Em síntese, para a professora, é mister um plano conjunto de políticas de Estado e de discussão na sociedade. Um caminho para envolver as pessoas é através de programas de entretenimento. “As novelas precisam explicitar a questão da profissão”, ilustra.