Jéssica Silva
Apesar de a participação das mulheres nos níveis mais altos da educação brasileira ser maior que a dos homens, na engenharia elas continuam a ser minoria. Segundo dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) de 2015, mais de 54 mil estão matriculadas em doutorados e mais de 66 mil em mestrados. Já os homens somam 47.877 no doutorado e 55.175 no mestrado.
Não obstante, apenas 10,97% das especializações delas são em engenharia, ciências exatas e da terra, conforme o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) apurou em 2016. O tema foi objeto de roda de conversa promovida pelo Instituto Superior de Inovação e Tecnologia (Isitec) em sua sede, na capital paulista, no Dia Internacional da Mulher – 8 de março.
Murilo Pinheiro, presidente do SEESP – entidade mantenedora da instituição –, saudou a atividade à abertura: “Essa discussão é de interesse de todos nós, engenheiros, profissionais da área tecnológica e cidadãos.” Também ressaltando a importância do debate, o diretor-geral do Isitec, Saulo Krichanã Rodrigues, informou que as alunas são 23% do total de estudantes do instituto, mas a turma de Engenharia de Inovação deste ano “é 50% composta por mulheres”. O evento contou com a presença de Juliana Yukimitsu, estudante do Isitec no terceiro ano da graduação; Fabiane Becari Ferraz, engenheira agrônoma da empresa WF Ambiental, Engenharia, Estudos e Projetos; e da livre-docente do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) Roseli de Deus Lopes. A gerente de Comunicação do SEESP, jornalista Rita Casaro, mediou a atividade. Na plateia, os alunos do Isitec participaram do debate.
Discriminação
Becari comemorou a equidade do instituto. “Na minha turma de 40 alunos, éramos oito mulheres”, contou. A engenheira advertiu sobre o preconceito ainda presente nas áreas conhecidas como masculinas. Ela relatou que, em sua experiência em 20 anos de formação, diversas vezes foi destratada por funcionários quando estava em cargos de liderança somente por ser mulher. “Preferiam se dirigir ao engenheiro homem, que nem era o responsável pelo projeto”, disse. Becari trabalha com licenciamento de projetos para recursos hídricos em empresas, usinas e fazendas. “É uma engenharia pesada, com dimensionamento de barragens, obras hidráulicas. A maioria dos profissionais nesse ramo é homem”, relatou. Segundo ela, o preconceito nas áreas rurais é muito grande, mas também é presente entre colegas engenheiros. “Eles questionavam se eu realmente sabia o que estava fazendo. Não me reconheciam como profissional. O que me fez vencer essa barreira foi a minha qualificação, a minha competência”, salientou.
“Hoje é um dia de luta das mulheres, que recebem salários inferiores fazendo as mesmas coisas que o homem, são discriminadas”, ressaltou Lopes. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2014) comprovam: o rendimento médio mensal feminino é de R$ 1.480,00, 25,6% menor que o masculino, de R$ 1.987,00. Para a professora, agravante é quando essas situações são vistas como normais – “e não deveriam acontecer”.
Segundo Lopes, são necessárias cada vez mais campanhas “para dizer à mulher que ela pode fazer o que quiser”. Apostando na crescente inclusão feminina em campos científicos para a mudança desse quadro, a docente está à frente de um dos maiores eventos de ciências do País, a Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace). A ideia, ressaltou, é “fazer com que meninos e meninas descubram novas possibilidades, desenvolvam seus talentos”.
Yukimitsu garantiu que sempre teve incentivo da família e nunca sofreu tratamento desigual. “Mas não é porque eu não sofri preconceito que viro as costas para as tantas mulheres que sofrem. Conheço meninas que já passaram por situações constrangedoras, como ouvir do professor que engenharia é coisa de homem”, expôs.
Além de discriminação, conforme lembrou Becari, a mulher sofre a pressão social do papel doméstico. “Meu maior desafio é conciliar a vida profissional com a pessoal”, confessou. Lopes também apontou problemas na cultura persistente de que a mulher é responsável pela casa. “Se têm filhos e acontece algo, elas que deixam o trabalho para resolver, o que acaba colocando-as na situação de ter que escolher entre ter filhos ou ter uma carreira”, criticou.
O calouro Pedro Luiz Mendes Silveira contribuiu com o debate: “Esse quadro de desigualdade não muda de um dia para o outro, é uma mudança gradual, e a melhor forma de acontecer é através da educação.”