Rita Casaro
O engenheiro Antonio Hélio Guerra Vieira é dono de um currículo admirável, no qual se destacam a direção da Poli/USP (Escola Politécnica), entre 1980 e 1982, e a reitoria da Universidade de São Paulo, de 1982 a 1986. Membro do Conselho Tecnológico do SEESP, recebeu o prêmio Personalidade da Tecnologia, em 1992. Atualmente, está à frente do Conselho Curador da FDTE (Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia), órgão que faz a interface entre a Poli/USP e o setor empresarial para contratação de projetos dos pesquisadores, especialmente de inovação. Aos 81 anos, está casado há 55 com a artista plástica Syllene, cujas obras estão expostas em sua sala e com quem tem cinco filhos. Entusiasta da engenharia e do Brasil, nesta entrevista ao Jornal do Engenheiro ele falou sobre o ensino da profissão e a demanda imperativa de preservar a vocação dos alunos “de fazer as coisas”, o mercado de trabalho e a necessidade de atualizar o Sistema Confea/Creas.
O que é preciso para ser um bom engenheiro?
Para ser engenheiro, é preciso ter vocação e aptidão, quando essas vão juntas é a glória, dá tudo certo. Não me preocupo muito com o mercado de trabalho, que muda. A gente sempre vai precisar no mundo de pessoas que fazem as coisas, vocação e aptidão de quem é engenheiro bem-sucedido. O engenheiro é alguém que faz, sem prejuízo de também ter visão de conjunto, conceitos em ordem na cabeça e uma adequação à conjuntura da sua cidade, do seu país e também internacional. Isso muda ao longo da carreira de cada um. Acompanhei muitos cursos da USP durante meu período como reitor e algo curioso que se observava é que os alunos que vão para a física ou matemática querem saber o porquê de um determinado fundamento; os da engenharia questionam para quê.
São necessárias mudanças no ensino da profissão, dando ênfase a esse aspecto prático, por exemplo?
Uma dificuldade do curso de engenharia é justamente que o pessoal é muito prático. Então, logo no início, é preciso dar alguma matéria que seja aplicada, os alunos são ansiosos, precisam ter algum tipo de engenharia simples para que possam fazer algo, e não ficar naquele monte de teorias. Isso leva a muitas deserções, muita gente vai embora. Mas tem que praticar engenharia de fato e isso existia no passado. Quem fazia algumas disciplinas, no final do segundo ano, ganhava uma carteirinha de agrimensor e podia fazer, com todas as vantagens legais, levantamentos e loteamentos. Para fazer essa engenharia, não precisava mais que conhecer trigonometria. Apareceu uma novidade no cenário que conduz naturalmente a isso. De um modo geral, a tendência é cada vez mais o trabalho de engenharia ser de software. Esse tipo de competência se democratizou, todo mundo pode desenvolvê-la, nem precisa ser aluno de engenharia, mas na escola acontece muito. Os alunos podem vender serviços, e a meninada faz isso. De repente, aparecem empresas que nasceram assim, há no Brasil exemplos que valem milhões de reais. O software criou naturalmente uma opção que as escolas nem perceberam para praticar engenharia. E isso pode até gerar evasão também, mas é uma evasão bendita, vão se estabelecer como empresários, perceberam que não precisa de carteirinha do Crea (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia) para fazer isso. No mais, é um pouco trivial organizar a grade curricular e as ementas dos cursos. A gente acaba percebendo que quanto mais, melhor. É melhor deixar a vocação orientar: os alunos vão pedir certos cursos. Tem é que cuidar para que a motivação dos meninos não se perca.
No debate sobre esse tema, tem sido muito citada como razão para a evasão nos cursos de engenharia a má-formação nos ensinos fundamental e médio.
Excetuando-se o caso limite do aluno que não sabe ler e escrever, o analfabeto funcional, que infelizmente existe, eles se adaptam. É preciso dar crédito aos alunos, eles aprendem. Não é determinante a formação anterior no sucesso do aluno de engenharia. Mais grave que isso é existirem escolas de engenharia de subnível, porque o estudante entra subnível, faz um curso subnível e será engenheiro subnível.
Qual a sua avaliação do mercado hoje?
Está uma maravilha, eu gostaria muito de começar minha carreira agora, por dois motivos: a importância do software como ferramenta e a globalização. Os meninos hoje têm que ser no mínimo bilíngues, de preferência trilíngues; a terceira língua pode ser mandarim ou espanhol. É muito bom ser ator do mundo globalizado em termos de engenharia e morar no Brasil, que está uma beleza. E isso tudo evolui do jeito certo, independentemente das escolas de engenharia, do Confea (Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia) e do Crea. Se desse para comprar ações do Brasil, eu compraria, é lucro garantido.
E há escassez de profissionais?
Bendita escassez, vamos reduzir o desemprego. Empresas de telecomunicações em São Paulo estão importando mão de obra de outros estados, como da Bahia, oferecendo melhores salários aos profissionais de lá. Se há escassez, tem que pagar mais.
Nesse contexto, o senhor acredita que deveria haver adequações no sistema de organização profissional?
Eu acho que o Confea está no momento de se atualizar e se adaptar à tendência atual. Engenheiro existe muito antes do Crea ou do Confea, que é uma reserva de mercado. Isso merece revisões periódicas.