Roberto Pereira D’Araujo*
De 1990 até 2006, o Brasil vendeu quase 80 estatais nas áreas de siderurgia, petroquímica, fertilizantes, elétrica, transportes, mineração, portos, bancos, gás, aviação e todo o sistema de telecomunicações.
Por que o Estado teve que investir em tantos setores? O que aconteceu com o setor privado? Qual foi o resultado dessa experiência? O Estado resolveu seu déficit fiscal? Ao vender tantas empresas prontas e faturando, o investimento privado reagiu? Qual foi a performance da economia do País após essa liquidação?
As respostas são frustrantes. A dívida pública, que em 1994 era de 37% do PIB, saltou para 76% em 2002. Segundo dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o saldo de todas as empresas vendidas atingiu US$ 106 bilhões. Em apenas dois anos, as atuais desonerações e subsídios ultrapassam esse valor. De 1990 até 2018, o crescimento médio do PIB não passou de 2,2% ao ano.
Pífia performance, mas o Brasil está prestes a repetir os mesmos erros. Dentre as novas liquidações, chama a atenção o caso da Eletrobras. Como se sabe, ela escapou da primeira leva porque, ao se tentar capturar recursos financeiros para ativos existentes, abandonou-se o investimento em novas usinas e linhas. O resultado foi um racionamento de 25% do consumo em 2001, um recorde mundial.
Essa sobrevivência custou caro à empresa, pois os defeitos do processo privatista mercantil continuaram a desmoronar sobre ela. Distribuidoras de estados menos desenvolvidos não interessaram ao setor privado, e a Eletrobras foi obrigada a se endividar para adquirir as empresas do Acre, Rondônia, Roraima, Amapá, Alagoas e Piauí.
Não bastasse esse “jeitinho” para resolver o problema das empresas estaduais, a Eletrobras perdeu seus contratos em 2003 e, como o consumo havia se reduzido 15%, continuou gerando energia hidroelétrica. Sua energia foi liquidada no mercado livre por menos de US$ 4/MWh. Proibida de tentar reduzir o prejuízo, pode-se afirmar que ela subsidiou de forma oclusa o bizarro mercado livre brasileiro, onde usinas não vendem a energia que geram.
Com os subsídios oclusos e os explícitos, o mercado livre passou a ser um ambiente especulativo do curto prazo. Mesmo atingindo 30% da carga total, praticamente não participou da expansão do sistema. Mais uma vez, a Eletrobras foi usada para incentivar o setor privado, oferecendo parcerias em que ela é minoritária. Um total de 178 sociedades mostra que, mais uma vez, o capital privado decepciona e exige, além do BNDES, parcerias de uma estatal.
O ato final de fragilização veio com a Medida Provisória 579, uma tentativa frustrada de reduzir tarifas às custas apenas das usinas da estatal, sem nenhum diagnóstico sobre as razões desse indisfarçável aumento. Mais uma vez, do outro lado, o setor privado agradece.
A mídia e o atual governo preferem acusar a Eletrobras de ineficiência, mas falhas de modelo e a baixa pujança privada sempre estiveram por trás da fragilização da empresa. Além das perdas estratégicas, preparem-se, pois a privatização da estatal vai nos deixar à mercê dessas falhas.
Roberto Pereira D’Araujo é diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina)