logo seesp ap 22

 

BannerAssocie se

Assegurar condições adequadas ao teletrabalho

Avalie este item
(2 votos)

 

Rosângela Ribeiro Gil

 

Uma das grandes transformações causadas pela pandemia do novo coronavírus foi a adoção compulsória do chamado teletrabalho no País por empresas e profissionais liberais. Os últimos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Pnad Covid 19, divulgados em novembro último, mostravam que o Brasil totalizava cerca de 8 milhões de pessoas em trabalho remoto no mês de setembro. Destas, 27,1% têm curso superior completo ou pós-graduação.

 

Ivani Bramante: muitas vantagens com trabalho remoto, mas também apreensão e contendas na Justiça do Trabalho. Foto: Divulgação

 Se a modalidade traz muitas vantagens, como atesta a desembargadora Ivani Contini Bramante, do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo – 2ª Região (TRT-SP), também tem provocado apreensões e contendas na Justiça do Trabalho, principalmente com relação ao pagamento de horas extras e indenização por gastos com insumos, como a internet.

 

Diante dessa emergência, o Departamento Jurídico (Dejur) do SEESP realizou debates online com juízes e especialistas do Direito do Trabalho para levar informações seguras aos engenheiros. Muitos desses profissionais, segundo destaca a advogada Eloisa Barbosa, já tinham proximidade com o trabalho remoto, mas não no volume precipitado pela crise sanitária, “o que acabou gerando muitas dúvidas sobre os limites no exercício profissional”.

 

A juíza auxiliar Roberta Ferme Sivolella, da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, confirma que a modalidade não é nova no mundo do trabalho – no ordenamento jurídico brasileiro foi introduzida pela Lei Federal 12.551, de 2011, que alterou a redação do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “Com a reforma trabalhista de 2017 (Lei 13.467), foram trazidos diversos dispositivos à CLT, específicos aos teletrabalhadores, com o fito de regulamentar as novas formas de prestação de serviços trazidas pela tecnologia, no âmbito do trabalho realizado fora das dependências da empresa e por meios telemáticos”, explica.

 

A relação entre contratante e contratado precisa se basear na negociação, defende Bramante. Na sua visão, abre-se um campo enorme à atuação dos sindicatos. “A CLT deixa muito aberta à negociação coletiva a regulação das condições do teletrabalho e seu artigo 611 diz claramente que compete ao sindicato a regulamentação das condições de trabalho por acordo e convenção coletiva. Quem vai arcar com os custos, do computador, mobiliário, tinta de impressora, internet à energia?”, questiona.

 

Sivolella endossa “que as condições do fornecimento dos equipamentos necessários à prestação dos serviços devem estar claras nas cláusulas contratuais, bem como nos instrumentos normativos coletivos porventura firmados”.

 

O SEESP, informa Barbosa, tem atuado nesse sentido e já assinou convenções coletivas de trabalho com cláusulas específicas para o exercício do teletrabalho pelos engenheiros. As verbas trabalhistas, diz a advogada do sindicato, como benefícios de vales alimentação e refeição e transportes, também devem ser negociadas no momento da contratação.

 

Em caso de alteração do contrato de trabalho, ela apela ao bom senso para que “os benefícios habitualmente concedidos aos empregados não sejam suspensos ou reduzidos durante o período em que perdurar a pandemia”. Já o vale-transporte, esclarece, não será devido quando não houver o deslocamento desse profissional.

 

 

Big brother no trabalho

 

A desembargadora do TRT-SP ensina que “teletrabalho não é só ficar em casa em frente ao computador” e não transforma o empregado em autônomo automaticamente. “Se a atividade é realizada offline, temos o home office, literalmente o trabalho em casa. Aqui a conexão online não é permanente com a empresa, e a entrega da produção é por e-mail”, explica.

 

Já o teletrabalho, prossegue, se caracteriza nas versões uni e bidirecional: “No primeiro caso, a ligação com a empresa é por endereço eletrônico, o trabalho é online e se reporta o tempo todo dessa forma. No bidirecional, você está ligado ao computador da empresa por diversas formas, como intranet, modem instalado em seu computador, acessando todo o ambiente pela telemática.”

 

Entre os embates suscitados pelo novo formato, como salienta Bramante, está o pagamento da hora extra. “A jurisprudência diz que se houver a possibilidade de controle da jornada, deve ser paga”, sentencia. Isso porque, argumenta, as ferramentas tecnológicas podem fazer um controle minucioso e total do horário de entrada e saída do computador, quantas teclas foram digitadas por minuto, sites visitados e até câmera para controlar a presença. “É o que estamos chamando de big brother no Direito do Trabalho. O domínio é muito mais acirrado e penetrante. Com esses mecanismos, você consegue reconstituir todo o tempo do empregado durante a sua jornada.”

 

Para o procurador Luciano Leivas, vice-coordenador da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (Codemat/MPT), é importante refletir a migração do modelo presencial tradicional para um fora do estabelecimento dentro da chamada reforma trabalhista implementada no Governo Temer. “A ótica das alterações legislativas de 2017, com projeções até a presente data, tratou a relação assimétrica capital e trabalho como se as partes do contrato dispusessem do mesmo poder”, pondera.

 

Leivas adverte: “Em um país que já conta com mais de 14 milhões de desempregados e na iminência de um contingente ainda maior, vide a fuga dos capitais internacionais como o caso Ford, é esperado que o contrato individual de trabalho venha a transferir os custos de implementação e manutenção de tecnologia, imprescindíveis para a prestação do serviço, para o teletrabalhador, frente à previsão do artigo 75-D da CLT.”

 

 

Direito de desconexão e tecnoestresse

 

Em Nota Técnica publicada em novembro, o MPT relaciona 17 diretrizes sobre as relações de trabalho advindas do teletrabalho, destacando-se, entre outras: o respeito à ética digital no relacionamento com trabalhadores e trabalhadoras; a formalização contratual do regime, conforme prescreve a CLT; a necessidade de apoio tecnológico a cargo do empregador; o respeito ao direito de imagem e à privacidade do trabalhador; a necessidade de controle da duração do trabalho (jornada, carga semanal, intervalos) e o direito de desconexão.

 

“No que se refere à saúde do trabalhador, assim como toda regulação, parece inevitável que a legislação evolua, especialmente para que se reconheça o risco psicossocial associado ao trabalho no âmbito das Normas Regulamentadoras, como é o caso da NR 17, de ergonomia, em revisão na Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP)”, observa Leivas.

 

As preocupações são endossadas pela juíza Sivolella, que indica atenção especial “à ergonomia mediante mobiliário adequado à prestação de serviços; à sobrecarga, por não mais se diferenciar o espaço de trabalho do doméstico, gerando falsa impressão de disponibilidade constante e ininterrupta; aos gastos gerados pelos meios utilizados para o trabalho; e à menor socialização”.

 

Outro receio, complementa Bramante, é que o trabalho remoto necessita da utilização intensa de ferramentas telemáticas. Associadas a jornadas extensas, estas vão trazer ou piorar doenças, como lesão lombar, de esforço repetitivo [LER/Dort], problemas oculares. “Já definimos esses padecimentos como tecnoestresse, decorrente das tecnologias e de novos gatilhos de ansiedade, como a queda da conexão de internet ou de energia.”

 

As experiências com o teletrabalho são as mais diversas, apuram os especialistas, de conflitantes a normais. O engenheiro mecânico Valter Luiz Santana, 50 anos, trabalha com fiscalização de atividades de construção e montagem de campos de petróleo e na prospecção de novos negócios e clientes. Ele passou para o trabalho remoto também por causa da pandemia. A transição, diz, no início, foi desgastante, implicando a necessidade de conciliar trabalho e vida pessoal: “Resido com uma tia de 81 anos que havia acabado de sair do hospital e precisava de cuidados especiais. Era o início da pandemia, e não havia chance de contratação de cuidadoras. A rotina foi pesada. Tive de dar conta do trabalho, cuidar da minha tia, preparar as refeições e assumir toda a rotina de uma casa. Foi barra.”

 

Santana também salienta a necessidade de se criar um escritório em condições adequadas em casa, levando em conta instalações estruturais, mobiliário, climatização do ambiente, e de evitar ultrapassar a jornada além do tempo regular. Com relação a isso, a advogada do SEESP reforça que a ergonomia e o mobiliário adequado continuam sendo dever e responsabilidade do empregador.

 

Apesar das dificuldades iniciais, Santana constata que “podemos trabalhar sem ocupar um mesmo ambiente laboral. As reuniões por teleconferência se mostraram produtivas e mais econômicas com relação às visitas presenciais, a não ser nos casos em que estas sejam imprescindíveis para alguma avaliação in loco de atividades. Porém, temos fechado alguns negócios e parcerias por teleconferência”.

 

 

Trabalhadoras

 

Roberta Ferme Sivolella Teletrabalho JE 539Roberta Sivolella: reduzir desigualdade de gênero no teletrabalho. Foto: Arquivo pessoalSivolella traz importante tema que envolve as mulheres, porque elas enfrentam dificuldade de equacionar a vida familiar, em face da tripla e até “quádrupla” jornada que muitas têm de cumprir. “Essa questão se mostra bastante delicada, já que as trabalhadoras exercem múltiplos papéis, em um trabalho denominado pelo economista Paulo dos Santos como ‘de cuidado’, normalmente invisível e não remunerado.”

 

Mesmo antes da pandemia, lembra, pesquisas já apontavam que o tempo despendido pelas mulheres nos afazeres domésticos aumentava a desigualdade de gênero no trabalho, situação que se agravou ainda mais com a emergência sanitária.

 

“Muito embora essa problemática não advenha da modalidade, sem dúvida trata-se de uma preocupação dentre as condições de trabalho que podem ser previstas e proporcionadas às mulheres nos contratos de teletrabalho e em instrumentos coletivos que tratem da questão, de modo a minorar as desigualdades em relação aos empregados do sexo oposto e a gerar um ambiente de trabalho saudável, viável e produtivo”, defende Sivolella.

 

 

Vantagens

 

A desembargadora do TRT/SP acredita que as vantagens do teletrabalho são muito superiores às desvantagens. A primeira delas, realça Bramante, é a economia de tempo de deslocamento. “Tecnicamente sobraria mais tempo para descansar e para outras atividades pessoais.” Além disso, enfatiza a redução “nos acidentes no trânsito, poluição sonora e do ar”.

 

A juíza Sivolella reforça: “A desnecessidade, em muitos casos, de dispêndio de tempo e despesas com deslocamento até o local de trabalho, em se tratando principalmente dos grandes centros urbanos, pode resultar em grande economia de tempo ao longo do dia. Existe, ainda, uma facilidade de adaptação do local de prestação de serviços e, caso seja possível, o uso de vestimenta e ambiente de maior acessibilidade e conforto.”

 


Nino Bottini, em escritório no sótão de sua casa: sem interrupção ou perda de qualidade. Foto: Arquivo pessoalO engenheiro civil Nino Sergio Bottini, 70 anos, está em trabalho remoto desde março de 2020 e afirma que não teve problemas para se adaptar ao novo formato. Embora já tivesse internet em casa, ele providenciou “um sistema mais robusto” e conseguiu instalar um escritório no sótão da casa, isolado das demais dependências, o que ajudou a não alterar a rotina da família. “Levanto, tomo café e vou ao escritório, almoço e volto ao trabalho. No final do dia, encerro as atividades e mudo de recinto”, conta.

 

Não houve interrupção ou perda de qualidade, assegura Bottini. “Somos uma empresa dedicada ao desenvolvimento sustentável com foco em consultoria e certificação. Adotamos um sistema de comunicação eficiente e estamos efetuando auditorias de forma remota, inclusive gravando o desenrolar dos trabalhos.” Para ele, o futuro trará uma solução mista, com o remoto e o presencial.

 

Para Sivolella, ainda é cedo para fazer previsões. “Mas não há dúvidas de que o ‘novo normal’ não é somente uma realidade transitória e que demonstrou experiências positivas que poderão ser aproveitadas após a pandemia, com vias a um trabalho mais saudável e produtivo. No caso do teletrabalho, a grande preocupação é que isso se dê, sempre, com observância às normas e aos ditames constitucionais da segurança e da saúde do trabalhador”, defende.

 

Para ajudar a esclarecer a população sobre essa e outras questões, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) publicou, em dezembro último, a cartilha “Teletrabalho - o trabalho de onde você estiver”.

 

 

Jurídico

 

O SEESP, por meio do seu Departamento Jurídico, conta com advogados altamente qualificados e atualizados sobre a nova sistemática mundial de trabalho, o home office e o teletrabalho. “Estamos disponíveis para consultorias jurídicas individualizadas aos profissionais engenheiros em todas as suas demandas, inclusive na hora de migrar para o teletrabalho”, indica Barbosa.

 

 

 

Mais nesta categoria: Os "filés" têm de bancar o osso »
Adicionar comentário

Receba o SEESP Notícias *

agenda