Adamo Bazani
Num país rico onde a maioria da população é pobre, como o Brasil, políticas sociais não são caprichos de governos; são questões de sobrevivência. A renda desigual é fruto de oportunidades desiguais. Assim, pensar num País sem assistência básica aos que foram excluídos da chance de ao menos tentar é vil, desumano e nem merece cogitação.
Nos transportes coletivos, sejam urbanos, metropolitanos e rodoviários, há uma série de benefícios de assistência social empregados: gratuidades ou meias passagens para estudantes de baixa renda, idosos, pessoas com deficiência e categorias profissionais.
Não tem como pensar no Brasil sem esses benefícios que não garantem um “passeio de ônibus”, mas acesso ao básico para sobreviver.
Não é exagero. Se não tiver gratuidade, muito idoso não tem condições de chegar a um médico para tratar da saúde. Se não tiver passe-livre, vai ter jovem que não vai conseguir estudar. Claro que existem distorções no uso desses benefícios, mas cortar de todos não é a solução.
A questão passa por dois aspectos básicos: critérios mais justos para conceder os benefícios e formas de financiamento que distribuam melhor os custos desses programas sociais inseridos nos transportes. Sobre os critérios, há caminhos interessantes, como descontos proporcionais à renda do beneficiário.
Há pessoas que precisam mesmo de gratuidade integral. Mas outras podem pagar de forma proporcional de acordo com a renda comprovada, por faixas, por exemplo, sem chegar ao teto da tarifa.
Em relação ao financiamento desses benefícios, o modelo atual no Brasil, de uma maneira geral, é injusto. O passageiro pagante, que em geral é pobre, banca por altas tarifas os benefícios para quem conta com os programas sociais. Enquanto isso, altas rendas que direta e indiretamente se beneficiam e muito da existência do transporte coletivo pouco contribuem.
E para que esse equilíbrio aconteça não é necessário criar mais impostos (a carga tributária no Brasil é horrorosa), mas distribuir melhor os ganhos de quem lucra com a mobilidade.
Aplicativos, muitos que “usam ao máximo a mão de obra barata” de seus parceiros, precisam colaborar mais.
Hoje, essas ferramentas “roubam” os passageiros do transporte público, porque, além da questão da qualidade, tem o preço. “Rachar” um aplicativo às vezes sai mais barato que pagar o ônibus. Mas detalhe: sai mais barato para viagens curtas e fora dos horários de alta procura. A pessoa que mora num extremo e trabalha no outro não pode se dar ao “luxo” de usar aplicativo todo dia. E é justamente essa pessoa que banca a gratuidade. O mesmo ocorre com os aplicativos de ônibus “intermediadores de fretamento”.
É muito fácil ter lucro e vender passagens baratas numa Rio x São Paulo sem os passageiros bancarem benefícios sociais. Agora, seguir em estradas de terra e atoleiros, em cidades com 10 mil habitantes (e olhe lá) e com mais da metade do ônibus com algum tipo de gratuidade (seja total ou parcial), aí o “mundo das startups não quer”.
O senhor de 80 anos que precisa sair de sua cidadezinha para ir até uma cidade maior para cuidar da saúde desgastada por décadas de trabalho poderá contar com um aplicativo? Não. Isso sem contar que idoso não tem direito de sair só para o médico. Esse público precisa ter acesso à cidade, à mobilidade, ao lazer, à possibilidade de visitar seus familiares.
Aos reclamões de plantão: Ninguém aqui está sendo contra os aplicativos, seja de carro ou ônibus. Eles vieram para trazer transformações e mexer com empresários acomodados; afinal concorrência é tudo. Mas tem de haver justiça.
O empresário vai continuar trabalhando pelo lucro e quem vai sofrer vai ser o passageiro pagante e, consequentemente, aquele que é bancado pelos benefícios sociais no transporte.
As taxações sobre esses serviços devem ser justas e ter um destino definido: compra de créditos e passagens para quem precisa e para bancar integrações.
Não é correto sobretaxar de maneira que desestimule o empreendedorismo e a inovação, mas deixar atuar quem está lucrando absurdamente e até com dinheiro internacional na conta “fique sem contribuir com nada” não é justo também.
Ah, mas pode vir o argumento: “Nós, empresas e tecnologia, pagamos impostos!” Uai, eu como mero cidadão também, e proporcionalmente até mais que vocês, donas empresas.
Ninguém aqui está falando em imposto, lembram que isso foi escrito mais acima? É distribuir melhor o lucro da mobilidade. Só isso. Os “filés” têm de bancar o “osso”.
A tempo para os “mi-mi-zentos”. Ninguém aqui está chamando os benefícios e beneficiados de “osso”, mas as dificuldades de operar e prestar assistência social pelos transportes.
Agora, cobrar R$ 30,00 da Paulista até a 23 de maio (dependendo do horário pode ser mais ou menos) e fazer uma Rio x São Paulo com ônibus lotado e todo mundo pagando é um baita filezão, hein.
Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes, formado pela Universidade Metodista de São Paulo em 1999, com especialização em Economia pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (Fipe/USP) em 2004. Trabalhou entre 1999 e 2015 na Rádio CBN e atua em projetos especiais para comunicação em transportes. É editor-chefe do Diário do Transporte