Jéssica Silva*
Para que o País dê um salto efetivo de crescimento, desenvolver sua própria indústria de semicondutores é estratégico. Sua importância fica evidenciada em meio à recente “crise global dos chips”, que desvela as consequências da dependência nacional de importações de componentes eletrônicos.
De telefone celular a avião, toda a produção foi afetada pela falta do insumo. Montadoras de automóveis chegaram a colocar os funcionários em férias coletivas. “Nós vimos esse gargalo de um segmento que é estratégico para qualquer país, mas principalmente para o Brasil”, ratifica Fernando Palmezan Neto, vice-presidente do SEESP e coordenador do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”. Lançada em 2006 e atualizada desde então pela Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), com adesão do sindicato e demais entidades filiadas, a iniciativa traz em sua última edição, intitulada “Hora de avançar - Propostas para uma nação soberana, próspera e com justiça social”, a reindustrialização ou nova industrialização como fundamental ao desenvolvimento nacional sustentável. Nesse âmbito, Palmezan conta que a ideia é realizar, em breve, um debate sobre a indústria nacional de semicondutores com representantes da engenharia e das esferas pública e privada. “Hoje temos apenas a parte de encapsulamento de chips no País. Queremos caminhar no sentido de fazer acontecer essa indústria completa”, reitera o engenheiro.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores (Abisemi), o Brasil tem atualmente 20 empresas que atuam no encapsulamento, parte final da produção dos chips, quando todo o circuito já montado na base de silício (wafers) é conectado a um terminal e empacotado por material de proteção, etapa chamada de back-end, para depois ser encaminhado às diversas utilizações – de itens de consumo à área da saúde. O desafio está na elaboração de uma indústria sólida nas etapas de design do semicondutor e fabricação do wafer, chamada front-end.
Do ponto de vista de demanda, o Brasil é um grande consumidor de eletrônicos e, consequentemente, de semicondutores. É o que atesta Marcelo Zuffo, professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP) e diretor do InovaUSP. “Para se ter uma ideia, segundo a Abinee [Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica], o déficit comercial em eletrônicos/semicondutores em 2022 foi de US$ 38,56 bilhões, algo como R$ 190 bilhões atualmente”, conta ele.
Sob o aspecto da oferta, Zuffo ratifica: “Temos uma engenharia altamente qualificada, tanto que somos um exportador de cérebros, grande parte dos engenheiros eletrônicos que atuam no setor desenvolvem essas atividades fora do País.” Desenvolver tal indústria, como pontua o professor da Poli/USP, exige “esforço técnico científico não desprezível e formação de recursos humanos continuada”. Não obstante, além de estratégico à soberania e crescimento do País, é um segmento que gera muitos postos de trabalho. “Uma fábrica de chips tem a mesma complexidade de um hospital avançado, precisamos ter desde superespecialistas até uma quantidade grande de profissionais de nível técnico avançado e básico”, ensina. A diretora institucional da Abisemi, Rosana Casais, atesta: “Quando falamos em um projetista de circuito integrado, esse profissional tem mestrado ou doutorado na área de Engenharia Elétrica ou Microeletrônica.”
Vídeo produzido pelo canal Bobsien, em 2020, na Sala Limpa do Ceitec.
Ações governamentais
O Brasil conta, desde 2007, com o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis), que promove isenção de impostos às companhias que atuam no ramo. “É um programa competitivo que evoluiu atualmente ao que chamamos de crédito tributário, [em que] a empresa pode descontar em qualquer tributo federal”, detalha Alessandro Augusto Nunes Campos, coordenador-geral de Tecnologias em Semicondutores, da Secretaria de Transformação Digital do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Na ordem do dia da Pasta está o aprimoramento do Padis, segundo Campos, que será apresentado ainda neste ano por meio de uma Medida Provisória. “A gente tem interesse em fomentar a fabricação da wafer, mesmo que para componentes específicos como indústria automotiva ou de bens de consumo, por exemplo. Também queremos atingir a cadeia de suprimentos”, afirma o coordenador.
O trabalho em torno da nova legislação do setor está sendo feito em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), no âmbito do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), que, segundo essa Pasta, tem como missão a “redução da dependência produtiva e tecnológica do País em produtos nano e microeletrônicos e em semicondutores, fortalecendo a cadeia industrial das tecnologias da informação e comunicação”.
Em março último, o vice-presidente e ministro, Geraldo Alckmin, recebeu representantes do setor estadunidense em Brasília, e, em abril, o governo brasileiro sinalizou parcerias também com a China. Ainda, foi lançado o programa de capacitação profissional em microeletrônica, o CI Inovador, com investimento inicial de R$ 33 bilhões em “universidades, para utilizar nossa infraestrutura existente para a formação, por exemplo, de projetistas e de gestores dessa indústria”, explica Campos.
Ele completa: “É um programa de formação não só técnica, mas também de gestão, que aborda a internacionalização de competência e também um programa de inovação, tentando gerar no futuro novas empresas e startups.”
As inversões são elevadas. Somente em back-end, conforme Casais, são “da ordem de milhões”. Ela continua: “Já na fabricação do wafer, o front-end, os valores aplicados são da ordem de bilhões”, os quais se justificam, como frisa, pela gama imensa de insumos utilizados, como óxido de silício, gálio, germânio e outros materiais. Por essa razão, cabe ao Estado investir no desenvolvimento dessa indústria nacional, de forma estratégica, de acordo com Zuffo. Seu ponto de vista é confirmado pela movimentação global em torno do setor. Nos Estados Unidos, foi sancionada a lei “Chips and Science”, em 2022, de incentivo à produção de semicondutores, em que o pontapé do governo foi de mais de US$ 50 bilhões, e, menos de um ano depois, a Casa Branca computava mais de US$ 140 bilhões aplicados por empresas na fabricação.
Nesse sentido, na visão da diretora da Abisemi, “para que os investimentos no País tenham continuidade e para que o setor pense em desenvolvimento a longo prazo”, é imprescindível que as iniciativas no Brasil se desdobrem em uma política de Estado duradoura – a qual, como defende a associação, deve ainda abranger “benefícios à exportação do produto”.
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Recuperar o Ceitec
É consenso entre os especialistas consultados pelo Jornal do Engenheiro que desenvolver a indústria de semicondutores no País passa pelo fortalecimento do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec). A estatal, sediada em Porto Alegre (RS), foi criada em 2008 para projetar e fabricar circuitos integrados. Entrou em processo de liquidação no então Governo Bolsonaro, em 2020, o qual foi suspenso pelo Tribunal de Contas da União em 2022.
Em fevereiro último, por meio de decreto, o governo federal criou Grupo de Trabalho Interministerial para apresentar estudos e propostas de viabilidade de reversão da desestatização e liquidação da empresa (GTI-Ceitec).
“Hoje estamos em um cenário complexo. A permanência no estado de liquidação impede investimentos, prospecção de mercado e contratações. Precisamos sair imediatamente da liquidação para colocar a empresa no rumo”, salienta o engenheiro Silvio Luís dos Reis Santos Junior, presidente da Associação de Colaboradores do Ceitec (Acceitec), que trabalha na área de Manutenção, Fotolitografia e Metrologia da companhia há quase 12 anos.
Segundo Santos, a Acceitec, assim como outras instituições do setor, foi convidada em maio último para apresentar ideias ao GTI. No relatório ao grupo, a entidade defende a retirada urgente da empresa da liquidação, garantindo a permanência da mão de obra ainda na companhia e o retorno gradativo de suas atividades; a reincorporação dos profissionais demitidos – houve uma redução de 173 para 69 funcionários durante o processo de liquidação, informa o presidente da associação –; e manutenção do modelo jurídico atual da empresa pública durante o período de planejamento de nova forma de administração.
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Até o fechamento desta matéria, não foram divulgados os resultados do GTI-Ceitec. “Não entendemos a demora para reverter a liquidação. A Acceitec já forneceu dados, rotas e informações suficientes, alinhadas a outros especialistas no tema, em que há embasamento suficiente para a retomada da empresa”, critica Santos.
A expectativa do engenheiro é de que a reversão ocorra antes do prazo de nova prorrogação do processo de liquidação, em 10 de outubro próximo. “O Ceitec pode exercer papel estratégico em diversos projetos do País correlacionados com microeletrônica e semicondutores”, atesta o dirigente.
O Brasil, na sua visão, deve entrar no mercado de semicondutores não somente para competir com players internacionais, mas também “como parte de uma nova política de industrialização nacional, para que possamos desenvolver o parque tecnológico brasileiro”. Ele acrescenta: “O déficit na balança comercial na área de semicondutores atualmente é enorme. O país não pode se dar ao luxo de não tentar reverter esse quadro."
Ademais, como lembra o presidente da Acceitec, “a empresa, no período em que atuou, contribuiu para conectar a iniciativa privada com a pesquisa. Além disso, o domínio completo da cadeia de produção despertou o interesse de empresas estrangeiras instalarem filiais aqui.” Ele defende: “É preciso uma atuação proativa do governo em políticas públicas, incentivos a P&D e concessão de créditos para produtos com fabricação nacional. Todas as grandes economias estão investindo no setor. O Ceitec tem condições de atuar ajudando na definição dessas políticas e de se tornar um centro de micro e nanofabricação que fomente a indústria local e impulsione pesquisas e desenvolvimento nas áreas correlatas.”
*Colaborou Soraya Misleh
Imagem de capa: Chevanon/Freepik - Arte: Eliel Almeida
O Brasil deve desenvolver sua própria indústria de semicondutores como uma estratégia fundamental para impulsionar o crescimento econômico do país.
A importância dessa indústria é destacada devido à recente "crise global dos chips" e à dependência nacional de importações de componentes eletrônicos.
O texto (Indústria nacional de semicondutores para desenvolver o País) do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo argumenta que o Brasil é um grande consumidor de semicondutores, mas carece de capacidade de produção interna nas etapas de design e fabricação, chamado front-end.
Além disso, enfatiza que o desenvolvimento da indústria de semicondutores pode criar empregos e fortalecer a soberania nacional.
Para alcançar esse objetivo, são discutidas ações governamentais, como o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis) e a importância de fortalecer o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada SA (#CEITEC) como parte desse esforço.
O Brasil deve desenvolver sua própria indústria de semicondutores como uma estratégia fundamental para impulsionar o crescimento econômico do país.
A importância dessa indústria é destacada devido à recente "crise global dos chips" e à dependência nacional de importações de componentes eletrônicos.
O texto (Indústria nacional de semicondutores para desenvolver o País) do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo argumenta que o Brasil é um grande consumidor de semicondutores, mas carece de capacidade de produção interna nas etapas de design e fabricação, chamado front-end.
Além disso, enfatiza que o desenvolvimento da indústria de semicondutores pode criar empregos e fortalecer a soberania nacional.
Para alcançar esse objetivo, são discutidas ações governamentais, como o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis) e a importância de fortalecer o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada SA (#CEITEC) como parte desse esforço.