Jéssica Silva
Cada vez menores e mais numerosos dentro dos circuitos integrados instalados em computadores, smartphones e outros equipamentos de uso diário, os transistores são precursores de uma revolução tecnológica. Projetada em 1947 para melhorar a vida útil dos computadores valvulados da época, a invenção chega aos 76 anos em escalas nanométricas, provendo possibilidades incontáveis de aplicabilidade.
O primeiro transistor era composto de germânio (Ge), material semicondutor que depois foi substituído pelo silício (Si), conforme conta o professor titular do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) João Antonio Martino. A inovação era capaz de substituir as válvulas na maioria das aplicações, tanto em circuitos analógicos (amplificadores, rádios, televisores) quanto nos digitais (computadores), o que, logo de início, já significou a redução do tamanho dos equipamentos e maior eficiência energética.
O protótipo desenvolvido pelos pesquisadores do laboratório norte-americano Bell Labs John Bardeen, William Shockley e Walter Brattain era chamado de transistor “contato pontual”. “Era muito instável e foi substituído pelo transistor bipolar de junção (NPN) em 1950”, explica Martino.
Em 1960 surgiu o primeiro transistor “mosfet”, tornando-se o elemento básico para a construção de circuitos integrados, os chamados chips, considerado pelo professor a alma de todos os circuitos eletrônicos modernos, com dimensões micrométricas e nanométricas.
“O caminho percorrido então foi o de aplicações em radares portáteis para colocar em aeronaves de guerra, ou seja, indústria militar, posteriormente na indústria aeroespacial e na indústria de consumo. Não se consegue imaginar o mundo sem essa invenção, que propiciou uma revolução da informática, também chamada de terceira onda”, afirma Martino.
Isso levou à evolução constante da tecnologia eletrônica, possibilitando que aparelhos realizassem tarefas cada vez mais complexas. “Os transistores também permitiram criar ou inventar outros dispositivos semicondutores optoeletrônicos (LED, laser, células solares), circuitos fotônicos integrados, onde a informação se dá no domínio óptico, e os microssensores. No celular, no relógio inteligente, na medicina, na agricultura de precisão, nos carros, aviões etc., temos uma enorme quantidade de sensores que medem muitos parâmetros e permitem sistemas como o da Internet das Coisas”, atesta Jacobus Willibrordus Swart, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Microeletrônica (SBMicro).
Coordenador do Conselho Tecnológico do SEESP e professor da Poli-USP, José Roberto Cardoso destaca que a invenção elevou também o patamar da engenharia e a forma de produção dos próprios chips e aparelhos eletrônicos. “A Lei de Moore, enunciada na década de 1970, até hoje continua válida, pois, segundo esta lei, a cada 18 meses dobra o número de transistores no interior dos circuitos integrados. Hoje as dimensões dos transistores estão prestes a chegar a 0,24 nanômetros de diâmetro, praticamente a dimensão do átomo”, atesta ele.
Na visão de Swart, o transistor nunca deixará de ser um componente importante. “Mesmo na computação quântica necessitaremos dos transistores para a interação com o meio externo, assim como na fotônica integrada, sempre terá uma interface externa que será eletrônica”, afirma.
Fabricação
Taiwan e Estados Unidos lideram a produção dos chips pelo mundo. O Brasil teve produção nacional com a Ceitec S.A., companhia ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), criada em 2008. Única fábrica de chips da América Latina, foi incluída em 2020 no programa de privatização do governo federal e entrou em processo de liquidação, sustado pelo Tribunal de Contas da União em 2022.
A atual ministra da Pasta, Luciana Santos, sinalizou em fevereiro último que fora equivocada a decisão de liquidar a companhia sob a justificativa de ser deficitária, e que foi criado um grupo de trabalho para discutir a recuperação da Ceitec.
Ainda assim, o País tem participação no mercado de chips, conforme conta o vice-presidente da SBMicro: “Desde os anos 1980 temos fábricas que executam a parte final de fabricação, a parte de empacotamento eletrônico ou packaging. Hoje o Brasil é o maior hub de packaging de chips do mundo fora da Ásia Oriental, com cinco empresas atuando nesse segmento. Também temos empresas que fazem o projeto do chip, ou seja, projeto da arquitetura interna do circuito integrado.”
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Tecnologia inclusiva
Os transistores deram início ao mundo moderno e tecnológico que se conhece hoje, em que aparelhos inteligentes são mais do que meros acessórios. Pesquisa anual do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVcia) contabilizou, em 2022, o total de 352 milhões de dispositivos portáteis em uso no Brasil. O campeão deles, o smartphone, representa sozinho mais da metade: 242 milhões.
Mas, para além da facilidade do dia a dia moderno, os aparelhos representam autonomia, longevidade e inclusão social para pessoas com deficiência. “Esses dispositivos têm a capacidade de fornecer suporte para as atividades diárias, comunicação, mobilidade, educação e trabalho”, ratifica Fabíola Calixto, especialista em tecnologias inclusivas e acessibilidade na web.
Ela participou do grupo de trabalho da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que desenvolveu a Norma nº 17.060, que visa facilitar o acesso de pessoas com necessidades especiais aos ambientes virtuais, sendo mais uma ferramenta importante de inclusão social no País, juntamente com as Leis de Acessibilidade e de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
O Brasil tem cerca de 17,3 milhões de pessoas com algum tipo de necessidade especial, das quais cerca de 6,3 milhões têm algum grau de deficiência visual, segundo levantamento de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E nesses casos, os dispositivos eletrônicos são peças importantes para garantia de qualidade de vida, conforme destaca a especialista.
“Smartphones e tablets têm aplicativos que ajudam as pessoas com deficiência visual a ler textos e navegar na internet, também legendagem em tempo real durante videochamadas para os que possuem deficiência auditiva. Além disso, existem dispositivos de acessibilidade que auxiliam pessoas com mobilidade reduzida, como cadeiras de rodas motorizadas ou próteses eletrônicas”, conta Calixto.
A realidade de pessoas com deficiência sem o salto tecnológico que o semicondutor possibilitou era muito diferente. “A falta desses recursos limitava as oportunidades de trabalho, a educação e a participação plena na sociedade”, confirma a especialista.
E o futuro, vislumbra Calixto, tende a ser cada vez melhor: “Com a integração de dispositivos conectados, é possível criar ambientes mais inclusivos e adaptáveis às necessidades individuais. A Internet das Coisas pode auxiliar, por exemplo, no controle de dispositivos domésticos, monitoramento da saúde e até mesmo no desenvolvimento de cidades inteligentes e acessíveis.”
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