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Engenharia a serviço da igualdade

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       Em pleno século XIX, ainda antes da abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888, três negros se notabilizaram na engenharia, deixando seu legado ao País: os irmãos Rebouças. Seu nome hoje estampa placas de túneis, ruas e avenidas famosas em cidades como a Capital paulista, contudo, o desafio que enfrentaram é de domínio de poucos.
       Embora tenham nascido “livres”, condição privilegiada aos negros da época, e tido a oportunidade até mesmo de cursar especialização na Europa, segundo o historiador e jornalista Noedi Monteiro, nem por isso eram vistos como “iguais”. Mas “tiraram de letra o preconceito”. Ou na métrica, no cálculo. Como engenheiros, suas contribuições emudeceram o eco da discriminação. Eram eles André, Antonio e José, filhos de um respeitado rábula e grande abolicionista, Antonio, que, por sua ascendência paterna portuguesa, herdou a liberdade e a transferiu para seus descendentes. Ao mais velho deles, André, legou também o ideal de igualdade. Este foi o único dos irmãos Rebouças a participar do movimento abolicionista, conforme relato de Monteiro.
       Saindo do campo social para o científico-tecnológico, a ele é atribuída, ainda de acordo com o historiador, a introdução da técnica de concreto armado no Brasil. A primeira ponte feita desse modo encontra-se em Piracicaba, interior do Estado, e leva a assinatura dos Rebouças. “Está pronta desde maio de 1875.” Foi projetada por Antonio em 1873, como conta Monteiro, com o objetivo de vencer “a fúria das cheias que arrastavam toda e qualquer ponte de madeira instalada abaixo do salto (do Rio Piracicaba)”. Assim, a primeira estratégia foi planejar a travessia acima da queda d´água. “Em 1874, Antonio realiza os cálculos sobre a resistência da ponte e pessoalmente parte para as sondagens do terreno, para as fundações das bases de chumbo, que seriam enterradas no basalto e recobertas por concreto, vencendo a dureza da rocha de origem vulcânica, que forma o piso do leito do rio; para sustentar os pilares, a chapa naval alemã e a pesadíssima estrutura da travessia, de 273 toneladas.” O historiador enfatiza que ele conseguiu construir sem desviar o leito do rio, a não ser nos locais em que ficariam as bases. “Já era uma obra sustentável, à época.” Na execução da sondagem, Antonio contraiu malária e faleceu antes de ver sua obra terminada, aos 34 anos. A conclusão ficou a cargo de seu irmão, André. Conforme explica Monteiro, a ponte foi ampliada em 1987, mas mantém a base original, que abrange 13 pilares. “Foi feita para sustentar quatro locomotivas.” Além desse empreendimento, os irmãos Rebouças participaram na construção de outras obras importantes, em todo o Brasil, como estradas de ferro e cais de portos. José, por exemplo, foi autor da estação de trem da Companhia Ituana e traçou, juntamente com o engenheiro Saturnino de Brito, o projeto da rede de esgoto de Piracicaba, em 1893, como destaca o diretor de patrimônio histórico do Ipplap (Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba), arquiteto Marcelo Cachioni. Os três deixaram, salienta Monteiro, um legado para a engenharia nacional “de novas técnicas, arrojamento, criando um know how para a construção pesada”.

Luta pela abolição
       O mais famoso dos Rebouças, André, nasceu em Cachoeira, na Bahia, em 1838, e morreu na Ilha da Madeira, em Portugal, em 1898. Era muito próximo da família imperial e a acompanhou na viagem de volta àquele país, quando a corte deixou suas instalações no Brasil.
       Destacou-se na luta pela abolição, integrando inclusive uma associação brasileira de combate à escravidão. “Ele era empenhado nessa questão. Escrevia sobre isso e botava dinheiro do bolso para que o movimento pudesse crescer.” Após ter sido decretada a Lei Áurea, passou a reivindicar que o Estado indenizasse e reparasse os libertos das algemas. O 13 de maio não encerrava a luta pela igualdade, dava início a uma nova etapa. “Imposta pela sociedade, pela elite da época, a data não trouxe nenhum benefício aos negros, que foram jogados nas ruas, sem trabalho e sem qualquer condição.” A desigualdade que vemos hoje, com outra roupagem e nomes, é consequência. Resgatar a história de personalidades como os irmãos Rebouças é promover a devida valorização dos negros no Brasil, considera Monteiro. “Brigamos por esse reconhecimento e divulgação”, ressalta.


Soraya Misleh*

* Colaborou Aristides Galvão

 

 

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