Rita Casaro
Presidente da SES (Software Engineering Society), o brasileiro Fuad Gattaz Sobrinho traz em seu currículo uma longa carreira na área de informática. Formado em matemática e física pela UnB (Universidade de Brasília) em 1974, mestre em computação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro desde 1975, é ainda mestre e doutor em administração de empresas e doutor em ciência da computação pela University of Maryland (EUA) desde 1984. É também membro da SDPS (Society for Design and Process Science). Entre os diversos feitos, resolveu o bug do ano 2000 para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Em 1999, foi contemplado com o prêmio Personalidade da Tecnologia na categoria Informática, concedido pelo SEESP. Atualmente na agenda de Gattaz, uma pauta de trabalho crucial aos profissionais: regulamentar a engenharia de software, estabelecendo um currículo a ser aprovado pelo MEC (Ministério da Educação) e o reconhecimento da modalidade junto ao Confea (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia). Na entrevista a seguir, ele fala sobre a importância da iniciativa a toda a sociedade.
Qual a situação da engenharia de software no Brasil?
Existem por exemplo várias cirurgias, cuja precisão se apoia no software. Por exemplo, no caso da Doença de Parkinson, que se trata de uma cirurgia em que se sincroniza o sistema nervoso por meio de um software. Se estiver incorreto, há risco de o paciente falecer. Isso exige experiência num processo no qual o médico não tem competência, não há meio de ele averiguar (se o aplicativo funciona adequadamente). No entanto, se houver um problema, a responsabilidade é do médico. E verificar se a culpa é dele ou do software é muito difícil, porque pode ser um erro que aconteça uma vez em um milhão.
Aqui entra a discussão sobre a responsabilidade do engenheiro?
O engenheiro de software hoje não se responsabiliza. Diferentemente dos engenheiros civil, mecânico, eletricista, que, quando desenvolvem qualquer tipo de produto, responsabilizam-se socialmente por aquilo. Os órgãos de regulação da profissão estão em defesa da sociedade e do engenheiro. Nesse caso específico, a não ser que o engenheiro de software seja também eletricista, não tem condições de se posicionar perante a sociedade. Então é importante que os departamentos de engenharia de software das escolas formem de fato engenheiros, com um currículo adequado. Isso é um problema no mundo todo.
Daí a demanda para a elaboração de um currículo que garanta a formação adequada do profissional?
Sim, um dos motivos pelos quais me chamaram para presidir a Sociedade de Engenharia de Software foi para avançar um currículo e conversar com os órgãos competentes, conseguir essa regulamentação junto ao MEC. Outro ponto é que o software hoje está presente em todas as áreas, e não só da engenharia, o que o torna importante para a sociedade como um todo. Desde o interruptor de energia elétrica numa casa, automóveis, equipamentos cirúrgicos, elevadores, há a automação e, portanto, o software, que está cada vez mais complexo. Quando se tem sistemas usados, por exemplo, em monitoramento de parques para proteção ambiental, automação para a segurança da cidade, isso envolve milhões e milhões de linhas de código.
Quais as características desse engenheiro de software?
Nós estamos tratando a engenharia de uma forma transdisciplinar. Antes de ser engenheiro eletricista, tem que ser engenheiro. Temos que chamar a atenção para que haja uma reflexão sobre isso. Enquanto se estuda o currículo, como subproduto, avaliaremos a engenharia como um todo. Já existe essa preocupação no MEC.
Qual é o contingente de profissionais atuantes no mercado que passariam a engenheiros de software e como seria essa transição?
Isso é uma loucura, é uma geração de trabalho e renda fantástica para a engenharia. São muitos desenvolvedores, mas quem está no mercado não tem profissão regulamentada. Vamos aproveitar a experiência da mecatrônica, que muita gente já exercitava antes, como mecânico ou eletricista, embora com o engenheiro de software seja mais difícil. Uma vez estabelecido o currículo, poderemos fazer com que o profissional possa se certificar. Será necessária uma formação complementar.
Independentemente da regulamentação, qual o nível da engenharia de software feita no Brasil?
É muito parecido com o que se tem no mundo, isso é muito globalizado. Mas aqui no Brasil, são muito poucos os engenheiros de softwares básicos e geralmente são contratados por empresas externas. A maioria do pessoal de programação é voltada à aplicação, comercial, médica etc. A parte de protocolos, sistemas operacionais normalmente se desenvolve na China, na Índia, no Japão, nos Estados Unidos e na Europa. Com certeza, deveríamos avançar nessa área, é uma batalha que travamos há um bom tempo.