Vista pelos engenheiros como uma janela de oportunidades ao desenvolvimento do País com inclusão social e digital – como consta do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, lançado pela FNE (Federação Nacional dos Engenheiros) em 2006 –, a nova TV representou até agora ganho somente quanto à qualidade da imagem. Para Sandro Sereno, contudo, a implantação foi apenas o primeiro passo e há um longo caminho a ser percorrido. Gerente de engenharia da Rede Vanguarda, afiliada da Rede Globo no Vale do Paraíba, ele vai abordar o assunto, inclusive sob a ótica de desenvolvimento local, no dia 18 de novembro próximo, durante o seminário “Cresce Brasil –Vale do Paraíba”.
O evento será realizado em São José dos Campos, entre 17 e 19 daquele mês, pelo SEESP e Conselho Tecnológico Regional – fórum criado com o objetivo de discutir de forma descentralizada as soluções e problemas da região, a exemplo de outros em diversas cidades em que o sindicato tem delegacias.
“Esse é um assunto que vem sendo debatido há mais de dez anos nas instituições acadêmicas, no meio das emissoras de TV, nos broadcasters. Ficou muito tempo sendo estudado para que se pudesse definir a melhor tecnologia e modelo para o País. E para quem está acompanhando todo o processo, não era esperado que a TV digital nascesse pronta”, enfatizou Sereno. Com padrão nacional baseado no japonês e previsão de que abranja todo o território brasileiro em 2016 – quando cessará a transmissão também pelo sistema analógico –, foi lançada na cidade de São Paulo em dezembro de 2007 e, posteriormente, em outras capitais, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Goiânia.
Mais do mesmo
Porém, não tem recebido olhares tão complacentes por parte de Marcos Dantas, professor da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e consultor do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento” para a área de “Comunicações”. Não obstante reconheça que o processo é incipiente, dispara: “A TV digital que está sendo implantada, retrocedendo tudo que o Governo Lula prometia no início, está sendo mais do mesmo.” Ele continua: “A promessa, em 2003, era uma TV cuja finalidade principal seria a inclusão social e digital. Para isso, precisaria ser interativa e favorecer a multiprogramação. Não está no mercado o conversor inteligente que poderia propiciar essas características. O que estamos vendo é a mesma televisão com imagem melhor.”
Na concepção de Dantas, ainda há possibilidade de reverter essa tendência. “Há a perspectiva de que isso ocorra, porque continua em discussão o Ginga, o sistema operacional que foi desenvolvido e que, oficialmente, será utilizado.” Entretanto, ressalva, há o temor de que “não seja para acontecer”. Ele explica: “Uma das mais importantes funções da TV digital seria a universalização da educação a distância, mas nada há nesse sentido.”
O gerente da Rede Vanguarda admite que o principal foco tem sido a alta definição, não a multiprogramação. Mas garante que recursos como mobilidade, portabilidade e interatividade vão estar presentes. Quanto a essa última, aguarda normatização, em elaboração. A questão que se coloca é como será aproveitada essa possibilidade tecnológica – se para educação a distância ou para vender produtos, participar de um jogo, votar em uma enquete, por exemplo. Para ele, vai depender dos modelos de negócios definidos pelas emissoras, os quais devem ser pensados de modo a remunerar seus investimentos. “É um negócio privado, depende de capital para se desenvolver e se manter.” E ainda nas mãos de poucos. Até 2016, só poderão ter a outorga de um canal digital aquelas geradoras e retransmissoras que já têm a concessão de um analógico – mercado dominado no Brasil por menos de uma dezena de corporações.
Sereno pondera, entretanto, que o Governo tem preocupação com a definição de um marco regulatório para o setor, de “estar usando a televisão digital como um meio de educação”. E é otimista: “Acho que tudo isso vai caminhar junto, à medida que você desenvolve ferramentas, abre possibilidades, a sociedade vai descobrindo como utilizá-las da melhor forma, para fazer também a inclusão digital.”
Oportunidade que deve ser gerada, ainda, na visão do gerente da Rede Vanguarda, é de desenvolvimento regional. “Isso desde que a sociedade prepare a base para tanto, mediante o estímulo a trabalhos científicos em função da nova tecnologia.” Daí, na sua ótica, podem surgir incubadoras, desenvolvendo empresas na área e a indústria de maior porte para produção de set up boxes (conversores do sinal digital), receptores, transmissores, antenas, softwares, aplicativos. O projeto “Cresce Brasil” constata que “a televisão digital pode representar a expansão, no Brasil, de toda uma cadeia produtiva de equipamentos, componentes e conteúdos”.
De acordo com Sereno, o Vale do Paraíba – região que sediará a discussão em novembro – deve se beneficiar. “Temos aqui várias universidades ligadas à área tecnológica, institutos de pesquisa e indústria eletroeletrônica forte. Algumas já fornecem esses produtos para o mercado”, afirma. E vaticina: “É um círculo virtuoso que pode ser desenvolvido.”
Soraya Misleh