O Projeto de Lei 2.126/11, que institui o marco civil da internet, pode ser votado no Plenário da Câmara dos Deputados ainda neste mês. Em audiência pública realizada no dia 7 de agosto naquela casa, em Brasília, representantes da sociedade civil e o relator da proposta, deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ), defenderam sua apreciação o quanto antes.
Promovida pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, a sessão se deu mediante requerimento dos deputados federais Antonio Imbassahy (PSDB-BA) e Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG). O objetivo seria prestar esclarecimentos e discutir o tema, face à denúncia recente de esquema de espionagem de usuários da rede no Brasil pelo governo dos Estados Unidos – feita pelo ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional daquele país, Edward Snowden.
Além da garantia de liberdade de expressão e neutralidade da rede, a privacidade dos internautas é considerada um dos pilares do projeto, visto por especialistas como vanguarda em âmbito internacional. Na audiência – em que se expressaram divergências quanto a alterar ou não o texto em tramitação e sua importância –, Molon afirmou que os três pontos principais são inegociáveis.
A ênfase não é gratuita. A proposta enfrenta ameaças e pressões que podem tanto mudar sua configuração como levar ao adiamento da votação – como já ocorreu várias vezes. Eduardo Neger, presidente executivo da Associação Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Internet (Abranet), destaca: “Alguns parlamentares apresentaram mudanças de última hora sem discussão, em dois pontos. Um no que diz respeito à neutralidade da rede, que para nós é a essência do marco civil. O segundo é quanto à obrigatoriedade de as empresas que prestam serviços de internet armazenarem no País as informações dos usuários. O tema foi pouco debatido, então achamos que não deveria ser incluído no projeto.”
O que está em jogo
Sérgio Amadeu, professor da UFABC (Universidade Federal do ABC) e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil, explica que existem dois grandes lobbies que têm impedido sua aprovação do modo como foi gestado. “Um é das operadoras de telecomunicações e outro, da indústria de copyright.” Segundo ele, os primeiros não querem que a internet continue funcionando com garantia de neutralidade da rede. Quem ensina é Renata Mielli, do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé: “Hoje, você pode subir ou baixar um vídeo, navegar no youtube, assistir um filme, fazer uma transação bancária ou compra. As empresas de telecomunicações querem mudar o modelo de negócios da internet para vender pacotes de serviços, para algo muito semelhante à TV por assinatura, em que você tem o pacote básico, o megaplus” etc.. Com isso, ilustra, o usuário teria acesso a um determinado serviço a depender do que fosse contratado. “Por controlarem os cabos, eles querem deixar de ser neutros em relação aos fluxos de informações. Isso para nós é inaceitável, porque vai mudar completamente o modo como funciona a internet”, atesta Amadeu.
Já os detentores de direitos autorais, explica ele, “querem evitar que as pessoas continuem a compartilhar dados”. Com esse intuito, conseguiram a inserção de última hora de um parágrafo no artigo 15 que “permite a remoção de conteúdo sem ordem judicial quando se tratar de suposta violação de copyright”. O artigo em questão trata da liberdade de expressão. Para assegurá-la, determina que provedores não podem ser responsabilizados civilmente por conteúdos gerados por terceiros, e só terão que retirá-los do ar mediante ordem judicial. Com a mudança no texto – que, segundo o relator do PL, teria atendido pedido do Ministério da Cultura, em função de “temores” manifestados pela indústria de direitos autorais –, fica estabelecida a “censura privada”, conforme aponta o professor da UFABC.
Ele lembra que o PL foi resultado de ampla discussão em todo o Brasil, recebendo 2 mil contribuições em sete audiências públicas e mais duas rodadas de consultas. “Chega a ser até agressivo [fazer uma alteração como essa na reta final].” Considerando a medida um retrocesso, Pedro Ekman, do Coletivo Intervozes, alertou durante aula pública sobre o marco civil realizada em São Paulo, no dia 23 de julho: “O mecanismo funciona para além da proteção do direito autoral. O próprio artista às vezes não consegue postar sua música ou vídeo porque a gravadora não deixa.” Pior ainda, na sua concepção, é que a inclusão do parágrafo reabre a possibilidade de uma crítica política ser proibida em nome do “direito autoral” – por exemplo, quando se usa algum trecho para realizar o debate democrático. “A lei permite esse uso, mas, na dúvida, se alguém reclama, o youtube retira”, exemplifica.
Na análise de Mielli, é fundamental haver mobilização contra essas alterações e riscos e pela votação do marco civil. Ekman conclui: “Sua aprovação é extremamente importante para se tentar entender a internet como um espaço fundamental de comunicação, e não como um simples negócio.” De acordo com ele, com a convergência digital, quem controlar os cabos vai controlar toda a comunicação que se fizer no mundo. “Isso é decisivo para o futuro da democracia.” Rita Freire, da Ciranda Internacional de Comunicação Compartilhada, resume: “Toda vigilância é pouca e toda pressão é necessária.” Como parte da mobilização, em 22 de agosto, está marcada uma plenária do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) em Brasília.
Por Soraya Misleh