Há cerca de dois anos, durante o 23º Congresso de Engenharia Sanitária e Ambiental, em Campo Grande (MS), fazíamos um alerta com relação ao quadro sanitário do País e sobre a necessidade de providências sérias e urgentes para universalizar os serviços de saneamento no Brasil em 20 anos.
Naquela época, o Congresso Nacional, depois de 20 anos, voltava com muita intensidade a discutir as diretrizes para o nosso setor. A lei nacional que então se desenhava não podia esquecer o passado e muito menos jogar fora o que já existia em funcionamento. Ao contrário, nossa proposta era aprimorar e entender a lógica do setor, sem ignorar o tamanho e a diversidade do nosso País. Em outras palavras, descentralizar cada vez mais.
Infelizmente, hoje o Brasil tem o mesmo perfil de dois anos atrás: cerca de 10 milhões de domicílios sem água; 24 milhões sem coleta de esgotos; 3,7 milhões de casas sem banheiros; e apenas 10% dos esgotos domiciliares tratados. Das 162 mil toneladas de lixo produzidas por dia, 59% são jogadas em lixões.
Quase nada mudou
Após o 24º Congresso, realizado em setembro último, em Belo Horizonte, olhamos os números atuais e vemos muito pouca diferença. A Lei 11.445 foi aprovada, está em vigor, mas ainda precisa ser implementada. A tentativa atual de edição de um decreto regulamentador, no nosso ponto de vista – e de diversas outras entidades –, nada mais fará do que abrir velhas feridas que haviam sido fechadas quando cada um cedeu um pouco para aprovar a lei. Temos convicção de que a legislação é auto-aplicável e que a edição desse decreto só atrasará mais o avanço do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), esperança de que o saneamento seja universalizado. É preciso que não nos desviemos do nosso objetivo principal que é cumprir as metas do milênio, ou seja, a universalização da água e esgoto até 2025, reduzindo o déficit pela metade até 2015. Regulamentos, se forem necessários, devem ser feitos pelos estados e municípios.
Ao mesmo tempo, insistimos na tese que defendemos há mais de 20 anos: é imprescindível que o setor tenha aportes de recursos de forma continuada. Os recursos do PAC não podem ser contingenciados sob nenhuma hipótese. O saneamento não pode viver mais de soluços, o que também afeta substancialmente o setor produtivo. Hoje, faltam projetos porque faltou regularidade nos recursos, desidratando as empresas de consultoria do nosso país, reduzindo sobremaneira as prestadoras de serviços, as construtoras e os fabricantes de materiais e equipamentos. Isso quebrou a cadeia produtiva e cortou postos de trabalho.
O Ministério das Cidades sabe disso, mas infelizmente outros setores do atual governo não. Recentemente, recursos importantes para reestruturações da área de resíduos sólidos, definidos no PAC, tiveram 75% do seu total simplesmente cortados na Casa Civil, sem nenhuma justificativa plausível. O Ministério das Cidades precisa fazer valer a sua opinião no governo para ser respeitado como verdadeiro endereço do setor e não pode permitir esse tipo de atitude absolutamente irresponsável.
O PAC é um bom começo, mas cumprir as metas vai depender do esforço conjunto de todos. É o momento de elegermos prioridades, melhorar a gestão dos operadores do setor, implementar as diretrizes da Lei 11.445, sem dispensar a confiança construída entre os diversos atores, respeitando as divergências, porém, muito mais que isso, respeitando os acordos que ajudaram a construir o consenso. Temos de melhorar a comunicação do setor, para que ele seja percebido pela sociedade e autoridades como prioridade nacional, transformando o saneamento numa questão de Estado, não de governo.
José Aurélio Boranga é presidente nacional da Abes (Associação Brasileira
de Engenharia Sanitária e Ambiental)