Soraya Misleh
Em queda, o nível do reservatório no Sistema Cantareira chegou a 15,7% em 12 de março. A informação foi divulgada no dia seguinte pelo jornal Folha de S. Paulo, em reportagem intitulada “Governo paulista foi alertado em 2009 sobre riscos no Cantareira” – na qual é apontado o conhecimento prévio do problema pelo mandatário do Estado. O anúncio de baixa disponibilidade hídrica em pleno verão na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) fez soar o alarme para uma necessidade que a engenharia pode fazer frente: apresentar soluções tecnológicas a essa
situação, em todo o País.
De acordo com Sérgio Ayrimoraes, superintendente de planejamento de recursos hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA), a questão se deve à distribuição heterogênea dos recursos hídricos no território brasileiro, e não à ausência de disponibilidade hídrica. “O Brasil apresenta uma situação confortável, em termos globais, contribuindo com 12% da água disponível no planeta. Entretanto, cerca de 80% de sua disponibilidade hídrica estão concentrados na Região Norte, onde vivem em torno de 5% da população total brasileira. Já nas bacias junto ao Oceano Atlântico, com 45,5% da população, estão disponíveis apenas 2,7% dos recursos. Além disso, registra-se a situação de estresse da região do semiárido, no Nordeste, devido à baixa disponibilidade hídrica”, detalha. Quanto a esse último local, o pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco João
Suassuna contesta: “Há mais de 70 mil represas construídas na região. São 37 bilhões de metros cúbicos de água, o maior volume de água represada em regiões semiáridas do mundo. O problema é sua subutilização. Falta uma política específica e planejamento para distribuição de água à população.”
Sistema Cantareira
Registrando nível pela primeira vez na história abaixo dos 18%, o Sistema Cantareira abastece 55% da RMSP, a qual abrange 39 municípios do Estado. Conforme Francisco Lahóz, secretário executivo do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), o quadro encontrado se deve aos baixos níveis da recarga natural do lençol freático, uma vez que, durante o ano de 2013, teriam ocorrido chuvas abaixo de 70% da média histórica. Municípios maiores, indústrias e agricultura, “por dependerem dos volumes liberados pelo Sistema Cantareira, estão tendo dificuldades nas captações, obrigando a execução de obras de engenharia, tais como enrocamento (alteamento do nível de água)”, destaca.
Uma política adequada para evitar que esse quadro se repita, garantindo água a toda a população, como propugna Suassuna, deveria incluir soluções tecnológicas, como as previstas no Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água, elaborado pela ANA em dezembro de 2006.
O documento apresenta, como descreve Ayrimoraes, um conjunto de obras para o aproveitamento de novos mananciais e para adequações de sistemas de produção de água, totalizando R$ 22,2 bilhões. “Muitas foram ou estão sendo implementadas pelo governo federal desde 2007, por meio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). A viabilização das que ainda não foram depende da elaboração de estudos de viabilidade e de projetos consistentes e da capacidade de execução dos investimentos previstos, exigindo, dentre outros aspectos, uma ação articulada e integrada entre os diversos atores”, argumenta. Na ótica da professora do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Eliana Beatriz Nunes Rondon, o País ficou ao longo dos anos sem investimentos, e o PAC não dá conta da demanda.
Como soluções estruturais, ela aponta a necessidade de ampliar o sistema e agregar as tecnologias disponíveis para, por exemplo, aproveitar as águas das chuvas ao uso não potável (lavar roupas, dar descarga, regar plantas). João Carlos Mierzwa, coordenador técnico do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água (Cirra) e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), afirma que a opção do reúso é adequada ao controle e redução da pressão pela demanda do recurso hídrico, mas tem limitações. “À RMSP, o problema é maior, porque 80% destina-se ao abastecimento humano, e o reúso serve sobretudo a fins industriais. Além disso, seu potencial em termos de vazão é próximo de quatro metros cúbicos por segundo, o que significa menos de 10% do volume produzido e distribuído na região.” Para consumo da população, exigiria “nova rede de distribuição, o que, do ponto de vista econômico, é impraticável”.
Ele cita outras medidas que deveriam vir associadas ao reúso, como estimular o uso de equipamentos mais eficientes, com vazão reduzida, como chuveiros e torneiras – que diminuiriam o consumo em 20% a 30% – e avançar na coleta e tratamento de esgotos, um grave gargalo no País que diminui a disponibilidade hídrica, com a poluição de mananciais. Solução ainda é a descontaminação de águas em áreas expostas a agrotóxicos, mediante tecnologia de membranas, como cita Rondon.
Para Lahóz, “a médio e longo prazo, serão necessários a construção de reservatórios de regularização de vazão, implantação de plano de combate ao desperdício de água em redes públicas de distribuição, rigoroso monitoramento hidrológico e ações afins, totalmente dentro do alcance do nosso potencial tecnológico.”