Soraya Misleh
Em seu primeiro leilão de energia eólica, realizado em dezembro último, o Brasil contratou 1.805MW nas regiões Nordeste e Sul. Com isso, devem ser investidos no setor R$ 9,4 bilhões, conforme divulgado pela imprensa. Além de ampliar as inversões nessa área, a iniciativa governamental conseguiu driblar uma das maiores críticas em relação ao uso da energia oriunda dos ventos: a de que seria excessivamente cara.
O preço médio contratado foi de R$ 148,39 o megawatt/hora, como lembrou o consultor e coordenador técnico do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, Carlos Monte, ainda superior ao da hidráulica (estimado em R$ 120,00 a energia nova), mas equivalente ao da térmica a gás do ciclo combinado. “Com deságio de R$ 21,49, a eólica se apresentou como alternativa e mostra sua viabilidade como complementar ao sistema, enquanto energia renovável, limpa”, enfatiza Ronaldo Custódio, diretor de engenharia da Eletrosul – empresa subsidiária do grupo Eletrobras, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, que participou do leilão emplacando três projetos, num total de 90MW. “Vamos construir nossa primeira usina eólica, em Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, com concessão por 20 anos”, comemora. Os investimentos serão da ordem de R$ 400 milhões e a entrada em funcionamento está prevista para meados de 2012. Segundo Custódio, as obras devem ter início ainda no segundo semestre deste ano, a partir da concessão da licença de instalação.
Para Monte, com esse leilão, o Governo de fato garantiu resultado positivo do ponto de vista de preço, mas o aproveitamento do potencial foi muito modesto – menos de 2%. Conforme o mapa eólico brasileiro, considerando a velocidade média dos ventos a 50 metros de altura, este é de 143,5GW. E deve se expandir ainda mais, pois, como observa o consultor, está agora sendo feito novo levantamento, a 100 metros. Existe ainda a capacidade de colocar centrais no mar, utilizando-se recursos tecnológicos. Não obstante, a capacidade instalada está em torno de apenas 2GW.
As poucas centrais já implantadas no Brasil – cerca de meia dúzia – o foram por intermédio do Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Eólica), lembra Monte. Situam-se no Nordeste e no Sul, na área das chamadas “minas de vento”. Com o leilão de dezembro, diz o consultor, “a soma das capacidades instaladas representará 3.228MW”, ou seja, algo próximo de 3% da energia potencial nominal do atual mapa eólico.
Na sua opinião, o baixo aproveitamento está relacionado à falta de urgência do Brasil em investir pesadamente nessa fonte alternativa, tendo em vista a disponibilidade hidráulica nacional – de cerca de 200GW, sendo 70GW já instalados. “Até 2014, tem-se energia satisfatoriamente. Até lá, a capacidade instalada do sistema elétrico brasileiro deverá estar próxima a 130 mil GW, e a geração eólica representará somente cerca de 0,025% desse total.” Ele assevera: “Não há dúvida que no longo prazo tem que se desenvolver todas as possibilidades.”
A versão atualizada do “Cresce Brasil” – lançado pela FNE (Federação Nacional dos Engenheiros), que propugna por uma plataforma nacional de desenvolvimento sustentável com inclusão social – aponta esse caminho, recomendando a priorização das formas de energia primária existentes que sejam simultaneamente econômicas e não poluentes. Entre elas, a eólica, “praticamente esquecida no plano decenal, que requer subsídios e desenvolvimento tecnológico, mas tem a imensa vantagem de ser ambientalmente amigável”.
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Para Fernando Scapol, gerente-geral administrativo da Wobben-Enercon-Brasil, empresa do setor que será responsável pelo maquinário da central a ser instalada pela Eletrosul em Santana do Livramento, outra vantagem é a não agressão ao ambiente físico. “Após a montagem da usina eólica, o terreno é imediatamente recomposto e pode continuar tendo o uso normal”, explicita. Além da complementaridade, “característica rara, porém notória no Brasil”. Ou seja, os ventos são mais fortes na época da seca (inverno), quando as represas em condições normais baixam a níveis preocupantes. “A eólica passa, então, a suprir essa deficiência.”
Com uma visão otimista, Scapol acredita que “o Governo brasileiro está tomando um rumo comum a outros países, e já se consegue enxergar um horizonte mais amplo”. Assim, na sua ótica, desde que mantidas algumas disposições, como leilões regulares que assegurem uma produção com escala suficiente para garantir e expandir as atividades e até baixar o preço dos componentes pelo volume, manutenção da taxa de importação, evitando assim que produtos estrangeiros tenham competitividade maior do que os fabricados no Brasil, e desoneração da cadeia de suprimentos, a eólica estará em pouco tempo definitivamente inserida na matriz energética do País.