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ENGENHARIA - Má economia pode resultar em acidentes

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Soraya Misleh

       Erros primários em obras são consequência do des­monte da engenharia brasileira nos últimos 20 anos e da provável busca por economia na contratação de profissionais. Essa é a conclusão de especia­listas e pano de fundo de acidentes ocorridos recentemente.
       Na concepção de José Elias Laier, pro­fessor titular do Departamento de Engenha­ria de Estruturas da Escola de Enge­nharia da USP São Carlos (Universidade São Paulo), ago­ra que retoma­ram-se as obras em velocidade grande, não há profis­sionais com experiên­cia para geren­ciá-las. “É o preço por não ter havido inves­timento em enge­nharia por um bom tempo. Houve per­da de expertise.” Em âmbito global, o se­cretário de Estado dos Trans­portes de São Paulo, Mauro Arce, concorda: “Vive­mos no passado um momento em que havia até de­semprego, hoje o fenômeno é outro, sobre­tudo na área civil. Há uma de­man­da muito grande e um déficit de profis­sionais habilitados para fazer obras de infraes­trutura no Brasil inteiro.”
       Professor da Escola Politécnica da USP, presi­dente da Associação Latino-Americana de Controle de Qualidade, Patologia e Reabi­litação das Cons­truções e conselheiro do Ibracon (Instituto Brasileiro do Concreto), Paulo Roberto do La­go Helene pondera que a questão é ainda mais complexa: “Nos últimos 20 anos, houve um desenvolvimen­to brutal da engenha­ria. Anti­gamente nin­guém falava de ambiente, eco­logia, econo­mia de energia, não havia nor­ma de quali­dade, durabilidade, vida útil, de­sem­penho. Quando me formei, em 1972, a gente trans­portava concreto por jerica (um carrinho de duas rodas) e por ele­vado, não existia bomba de concreto, grua... Muitas novida­des ocorre­ram e a quantidade de informa­ção com que hoje o engenheiro sai da esco­la é muito supe­rior. Então, não con­segue se posi­cionar, a me­nos que faça parte de uma equipe multidisciplinar.” Diante dis­so, na sua ótica, não dá para atuar sozinho. “No meu tempo, uma construto­ra podia en­tregar uma obra para um recém-forma­do porque tudo o que havia era meia dúzia de coisas. Hoje, ele não pode ficar como único res­pon­sável por uma linha de metrô, uma ponte ou viaduto do rodoanel. É muito mais complexo, tem-se muitas variáveis, isso sem falar em todas as exigências, inclusive de proteção ao trabalha­dor, o que obriga a que se tenha um engenheiro de segurança.” As­sim, Helene vaticina: “Quem cobra um pro­fissional muito bem formado é quem não quer pagar por uma equipe, mas so­mente o mínimo de um recém-graduado, e quer que ele saiba tudo. Isso não é mais possível.”

Falha elementar
       O acidente em trecho do rodoanel sul em novembro de 2009 serve de exemplo das consequências desse quadro, acredita Laier. Arce enfatiza, todavia, que, no caso, estão envolvi­das as maiores em­presas do País, as quais competem no mercado de forma priori­tária, tendo capaci­dade muito maior de trazer profissionais habi­litados e pagar seus salá­rios. O consórcio res­ponsável pelo rodoa­nel, portan­to, na sua visão, teve todas as condições de seguir esse caminho.
       A despeito disso, a falha foi primária. Segun­do resultado do laudo elaborado pelo IPT (Insti­tuto de Pesquisas Tecnológicas), divul­gado ao final do ano passado pela assessoria de im­prensa da Secretaria Estadual dos Trans­portes, o deslizamento e tomba­mento das vigas em trecho do anel viário deveu-se à conjugação de três fatores: falta de horizontali­dade das superfí­cies das bases de apoio, in­suficiência de atrito na interface das vigas com essas ba­ses e falta de travamento adequado das vigas. Agraciado pelo SEESP com o prêmio Perso­nalidade da Tecnologia em Constru­ção Civil no ano de 1997, Helene analisa que os dois primeiros foram coadjuvantes. “Caiu porque não tinha o travamento, essa é a razão princi­pal.” Compartilhando dessa análise, Laier enfatiza: “É uma falha primá­ria, não é possível co­meter um erro tão elemen­tar. É como soltar uma bigorna no próprio pé.” De acordo com Arce, não fosse a ausência de amarração, mes­mo faltando uma viga, o que também foi no­tado, não teria havido a queda. Ele explicou: “Hou­ve um erro na montagem, é um problema muito mais na execução. O con­sórcio, a quem cabia fazer a instalação, assumiu isso.”
       Assim, além de não ter acréscimo no custo – esti­mado em R$ 5 bilhões –, o secretário garante que não haverá atrasos na entrega do trecho sul à po­pulação, prevista para 27 de março próximo. E pondera: “Não quero mi­nimi­zar, mas entre 2.480 e tantas vigas em 62km, tivemos a queda de três. Gostaria que não tivesse tido nada, mas essa obra tinha visibilidade enorme, e o índice de acidentes foi extremamente baixo.”
       Para Laier, é preciso investir em capacitação e fazer auditagem técnica na obra. “A enge­nharia civil brasileira é muito respeitável, o pro­blema está na parte operacional”, finaliza.

 

 

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