Cid Barbosa Lima Junior
Voltei a sonhar – como se os sonhos não fossem uma constante – e desta vez me encontrava dentro de um presépio. Lá estavam a manjedoura, o bebê, os cavalos, os burros, as vaquinhas, os porcos e os carneirinhos. Todos tranquilos até que a direção da fazenda mudou.
Os cavalos velhos foram demitidos, os burros que tinham dignidade também, só sobraram alguns poucos carneirinhos, algumas vaquinhas, alguns porcos e alguns cavalos, como na alegoria de George Orwell, os colaboracionistas.
A nova gerência tirou a tranquilidade daquele presépio. Ameaçava todos os funcionários com demissão e, quando esses resolveram ir à greve por melhores salários, enviou à porta da empresa policiais civis e militares, munidos de escopetas e metralhadoras.
Ao mesmo tempo, o gerente-mor tomava seus chás de rosa e seus iogurtes para propiciar um bom condicionamento físico para correr, que era seu hobby preferido.
Com o breque ao plano de cargos e salários e a implantação da contenção de despesas, obtinha grandes lucros para os acionistas. Essa previu o aumento do número de assessores, contratados no mercado, doação de uma grande área para a província de Belém e os funcionários que nela trabalhavam foram para três prédios alugados.
Enquanto isso ocorria, no microcosmo da cidade de Belém, o alcaide e o governador debatiam-se com o problema das chuvas intensas.
As barragens da empresa, sem controle, começaram a extravasar e a inundar as cidades vizinhas, e a grande mídia – como de praxe – não denunciou as excelentes gestões. O governador anterior, que é secretário do atual, dizia que as obras realizadas por ele no Rio Jordão – o principal da região – resolveriam para sempre os problemas de enchentes.
No entanto, as chuvas continuaram a cair, e a província virou uma calamidade. Só na cidade de Belém, bairros inteiros ficaram submersos por quase dois meses. Na província inteira, foram mais de 70 mortes.
A política social do governador provincial baseava-se na entrega das empresas públicas ao mercado, que segundo ele gerenciam melhor que o Estado. Ao mesmo tempo, o alcaide acusava um tal de Pedro – jovem morador da região – de mandar, através do vodu, as contínuas chuvas. Quase apelou para um tal de Noé – armador e comerciante da época – para salvar o seu eleitorado. O bebê da manjedoura tinha se tornado um homem e resolveu, junto com sua família, abandonar a província.
Com a esperança perdida, acordei em sobressalto, era mais um pesadelo que terminava.
Cid Barbosa Lima Junior é engenheiro