Rosângela Ribeiro Gil
Em caráter pioneiro, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU), a partir de proposta da Federação Interestadual dos Odontologistas (FIO) e do Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais (CRO-MG), realizou, em 17 de outubro último, em Belo Horizonte (MG), o “Fórum de bioética e sindicalismo contemporâneo”.
O evento reuniu os profissionais liberais que compõem a entidade e especialistas, entre eles o professor da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do assunto na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Volnei Garrafa. Após sua realização, a CNTU aprovou a criação do Departamento de Bioética e Direitos Humanos.
Para o presidente do CRO-MG e diretor da FIO, Luciano Eloi Santos, a confederação ousa ao propor esse debate, indo além das históricas bandeiras do movimento sindical. “A CNTU, ao lidar com as profissões liberais, tem o compromisso ético de disseminar a cultura de valorização dos direitos humanos, da autonomia dos indivíduos, pois somos formadores de opinião e devemos nos comprometer em construir uma sociedade mais justa e democrática”, destaca.
Conforme o artigo 1º da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, aprovada em 2005 pela Unesco, a bioética “trata das questões de ética suscitadas pela medicina, pelas ciências da vida e pelas tecnologias que lhes estão associadas, aplicadas aos seres humanos, tendo em conta as suas dimensões social, jurídica e ambiental”. Nesse espírito, ressalta Santos, a confederação propôs o debate. “Ao discutir a ética da vida, o ponto crucial passa a ser a sobrevivência da humanidade e a qualidade de vida, fortalecendo a cidadania e a emancipação humana.”
O diretor de articulação nacional da CNTU, Allen Habert, observa que o movimento sindical tem um aspecto singular e decisivo frente ao tema. “Como reflete e organiza os interesses específicos e gerais das categorias e da classe trabalhadora, pode ser uma força inspiradora nas soluções das questões da bioética.” E mostra que nas discussões sobre o aprofundamento da democracia no Brasil, o barateamento das tarifas das ligações telefônicas ou a implantação da internet pública está inserida a bioética. “Porque ela é o reconhecimento da necessidade dos limites e da ampliação das fronteiras da solidariedade.” Habert ressalta: “Vejo com boas perspectivas a absorção desse tema pelo movimento sindical e em particular pelas nossas áreas profissionais da base da CNTU, que têm uma contribuição inequívoca e plural para o avanço do progresso social e da reinvenção do bom viver e da solidariedade numa sociedade cada vez mais fragmentada, estressada e desigual.”
Para o vice-presidente da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), Carlos Abraham, que participou da iniciativa, o tema é fundamental para as decisões que envolvem alterações ambientais. Assim, ele defende que “a avaliação dessas consequências deve pautar todo o processo decisório da atividade”. Na sua concepção, a engenharia é o campo profissional que causa maior impacto sobre a vida das pessoas.
Ele acredita que não há como fugir dos aspectos éticos nas decisões sobre projetos e grandes obras de infraestrutura. Ainda conforme Abraham, a informação técnica não é suficiente para sustentar uma base sólida de análise de risco. “É preciso também uma discussão profunda no campo ético”, argumenta. O fórum, avalia, colocou claramente que a bioética busca a reflexão sobre as consequências que advêm de decisões ligadas aos profissionais liberais da CNTU.
Além da engenharia, durante o evento foram abordados temas relacionados a cada uma dessas profissões, tendo como eixo os conflitos que permeiam sua atuação. “Por exemplo, os economistas pautaram questões relacionadas ao perfil demográfico inerentes à distribuição de renda, exclusão e inclusão social, e como isso determina a qualidade de vida das pessoas”, resgata Santos. Já os farmacêuticos, prossegue, apresentaram os problemas causados pela postura das indústrias do setor relacionados às pesquisas de novos fármacos, bem como os conflitos de interesse entre elas, tanto na fase de produção como na de distribuição e marketing. Os nutricionistas debateram aspectos da segurança alimentar, ressaltando a questão dos transgênicos e a alimentação orgânica. Os cirurgiões-dentistas relacionaram edentulismo (falta de dentes) e exclusão social, tanto do ponto de vista do mercado quanto da autoestima e felicidade. E os médicos trataram de um tema que tem impactado a área: a judicialização da saúde, fenômeno que tem crescido no País.
Mais participação
O fórum definiu ainda que cada entidade integrante da CNTU incentive a discussão sobre bioética com as respectivas categorias, para uma participação mais crítica e inovadora. “Também foi colocada a necessidade da realização de outros seminários como forma de agregar valor ao projeto ‘Brasil Inteligente’”, informa Santos, referindo-se à iniciativa idealizada pela confederação, que tem como missão valorizar a inteligência coletiva dos brasileiros, ou seja, reconhecer e mobilizar as capacidades de todos de criar soluções positivas para a vida, para a organização e o progresso social.
Santos acredita que tal reflexão ajuda o profissional liberal a dimensionar de forma mais criteriosa e real a sua ação, “pois passa pelo prisma da responsabilidade ética de sua conduta”. Além disso, continua, “aumenta o seu arcabouço epistemológico sobre os dilemas morais existentes, levando-o a refletir de forma crítica sobre o seu papel enquanto agente transformador dentro da perspectiva de uma sociedade mais justa e mais fraterna”.